Capítulo 15

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BEATRICE FONTENELLE


Roendo o cantinho da unha que sobrou eu comecei a pensar que talvez essa viagem não seja uma boa ideia no fim das contas.

Henrique está sentado a muitos passos de distância de mim, e toda vez que eu ouso olhar para ele é como se funcionasse como uma alavanca para que ele beba uma grande quantidade de uísque.

Eu aguentaria com destreza esse desprezo se o voo não estivesse no começo e fadado a levar mais de 15 horas para acabar.

Foi por essa razão que eu me senti infinitamente impelida a enfrentar a humilhação de tentar conversar com ele novamente, mesmo que eu não possa dizer muito bem o motivo de estar fazendo isso.

Se eu fosse minimamente racional e logica deveria ficar feliz com isso, afinal fui eu quem o afasta desde o começo, partiu de mim a decisão de não fazer do nosso envolvimento algo serio, então realmente não faz sentido para ninguém eu estar me sentindo oca e vazia agora que ele respeitou a minha decisão.

Isso me leva a imaginar que na realidade eu nunca planejei dar um fim nisso, apenas sou orgulhosa demais para admitir. 

A pergunta que fica é: Finalmente estrou pronta para deixar meu orgulho?

— Vai seguir me ignorando?— Perguntei cruzando os braços.

Certo, talvez não tenha sido a melhor forma de aproximação, entretanto funcionou.

— Não estou ignorando.— Retrucou bebendo um pouco mais.

Me levantei saindo da minha poltrona indo diretamente para uma bem próxima  a dele.

Aproximei meu rosto do dele acreditando que a atitude o faria me beijar e entender que eu não quero mais essa distância, seja lá o que isso signifique.

Entretanto me surpreendendo completamente ele fechou os olhos, suspirou como se sentisse dor e ficou alguns segundos em silêncio antes de falar.

— Por que faz isso comigo? É muita crueldade. — Perguntou ainda de olhos fechados.

— Isso o que? — Questionei ainda na mesma distância dele, de alguma forma eu acreditei que ele fosse mudar de ideia, largar essa conversa de lado e simplesmente me beijar.

— Isso.— Gesticulou de mim para ele depois de abrir os olhos e me encarar. — Você passou três anos me chutando, três anos gritando na minha cara que não me queria nem perto de você, os mesmos três anos que passei me humilhando para fazer você me ouvir, ouvir o que eu tinha para dizer, mas agora nem isso faz mais diferença. Amar você é muito cansativo Beatrice, mas ainda assim eu fui além do que eu poderia ter ido, eu teria arriscado tudo por você sem pensar duas vezes mas você não arriscou nem mesmo o seu orgulho para ouvir o que eu queria tanto te falar. Você não faz ideia do quanto eu precisei convencer a minha mente que eu não iria sair machucado nessa ultima vez que ficamos juntos, mesmo sentindo você arisca e arredia eu me obriguei a acreditar que você me amaria em uma escala gigantesca e me ouviria e assim ficaríamos juntos, nos casaríamos e teríamos sei lá quantos filhos. Dio! tudo o que eu queria era uma família com você, uma vida com você, esse era o meu único sonho... Mas agora o sonho acabou. — Henrique despejou em uma poça de tristeza e conformismo me deixando quase sem forças para respirar.

Cruel.

Eu sou uma mulher muito cruel.

— Você está me dizendo que não me ama mais, é isso?— Perguntei apavorada com a resposta que posso receber.

Eu queria tanto ter coragem de dizer a ele que nunca deixei de ama-lo...

Henrique riu sem humor ainda olhando para mim.

— Não Beatrice, não é isso que eu estou dizendo. Seria melhor que eu tivesse deixado de amar mesmo, assim seria mais fácil, mas eu duvido muito que um dia isso vá acontecer.— Ele respondeu dando de ombros como se aceitasse o fardo de me amar para o resto da  vida, e mesmo assim saber que o melhor foi desistir de mim.

— Então por que não aceita o que eu consigo te oferecer. — Egoísta, eu sou uma grandíssima egoísta e sei disso, mas a verdade é que eu nunca estive a ponto de realmente perder o Henrique e não sei como reagir ante a isso. Nem mesmo quando eu berrava que o odiava e que queria que ele nunca mais olhasse na minha casa, nem mesmo assim isso chegou a acontecer... Acho que de alguma forma eu o vejo como uma constante para mim, uma base, o único homem que já amei na vida, como posso agora de uma hora para outra perdê-lo?

E pior ainda, perdê-lo e não poder culpar ninguém além de mim mesma.

— O que você pode me dar é pouco demais Beatrice, é como se me oferecesse um band-aids para curar em mim o que na verdade é um buraco de bala. Eu não posso mais aceitar essas migalhas, eu sinceramente não sei o que sobra de mim tirando você, mas seja lá o que sobre, vai ter que bastar.— Henrique nunca falou assim comigo.

Me senti a pior pessoa do mundo com suas palavras e sei que essa nem foi sua intenção, ele quis apenas por uma vez ser totalmente franco sobre seus sentimentos, não é culpa dele se isso me faz sentir como uma ameba rastejante.

— Me conta o que você passou tanto tempo tentando explicar, eu quero saber.— Falei automaticamente, mesmo sabendo que as chances disso melhorar alguma coisa está entre zero e nulo, mas não é justo que ele viva sem nunca poder falar.

E agora parece estar tão claro que ele realmente me ama, ou amava, que não me parece que ele seria capaz de me magoar daquela forma.

— Naquele dia Beatrice, eu estava simplesmente tomando a droga de um banho para esperar você chegar. Dio, eu estava tão ansioso para isso. Eu realmente já me relacionei com aquela mulher, é uma das prostitutas dos bordeis da famiglia, mas assim que eu e você ficamos juntos eu a dispensei e disse que jamais voltaria a ficar em frente a ela. Claro que ela não aceitou, mas eu não achava que seria um problema, até o dia em que tudo aconteceu. Ela entrou não sei como na minha casa, o fato é que quando eu sai do banheiro ela estava lá completamente nua e eu enrolado na toalha. Depois disso foi tudo muito rápido, eu ia empurrar ela para fora de casa, mas ela me empurrou e eu me desequilibrei caindo em cima da cama, na agonia de me equilibrar a toalha acabou abrindo e foi ai que você chegou, assim que te vi na porta eu sabia que estava tudo perdido. Corri atrás de você mas não adiantou, e depois disso você passou a me ignorar sem me dar a oportunidade ao menos de defesa. — Henrique contou tudo de uma vez, sem arrodeio me deixando levemente tonta com a informação.

Santo Dio! Então a culpa de tudo isso foi minha?

— Eu não fazia ideia.— Respondi com a voz baixa sentindo anos de vergonha despencando em cima de mim como uma bigorna.

— Claro que não fazia, você nunca me deixou explicar. Agora sabe a verdade.— Ele disse e eu assenti ainda me sentindo uma grande idiota.

Eu estraguei tudo, fui eu quem fez isso.

— Eu teria feito tudo diferente se soubesse.— Foi tudo o que eu consegui dizer mesmo após alguns minutos em silêncio.

— Talvez sim, talvez não. Mas você deveria se alegrar Beatrice, eu estou fazendo o que você tanto queria que eu fizesse. Estou finalmente deixando você em paz.— Henrique disse isso olhando para frente, com os olhos tão neutros e opacos quanto se possa imaginar, como se o brilho de felicidade os tivesse abandonado para todo sempre.

Eu deveria me sentir feliz?

Não, claro que não.

Por que se isso fosse verdade eu não estaria me sentindo como a palmilha velha de um sapato.

Totalmente despedaçada.

Maldita Perdição - Livro 3 da Série: Família Fontenelle Onde histórias criam vida. Descubra agora