Pensar em Duke sempre me deixava triste. Procurei-o nas redes sociais, mas nunca o encontrei. Nem mesmo pelo nome de batismo. Tori diz que ainda existiam pessoas que não aderiram às redes sociais, que talvez Duke fosse uma delas.
Considerei pedir o contato dele para a Sra. Riccelli, mas sempre desistia quando tentava tocar no assunto com ela.
Às vezes, ela ligava para minha mãe, para ter notícias da casa, e eu sempre falava sobre o jardim dela, que andava praticando no piano. Contei a ela que iria participar de um recital na escola, há um ano. Ela pediu que gravássemos e enviássemos o vídeo para ela. Tive esperança de que Duke também assistisse.
Entrei em casa, batendo a porta atrás de mim. Meus pais pararam de falar no mesmo instante. Eles agiram como se eu ainda fosse criança.
— Podem continuar. Façam de contas que não estou aqui. — Eu disse, encarando-os.
Fui para o meu quarto e fechei a porta. A briga não demorou muito. Eles se acusaram o tempo todo. Acusações antigas e infantis. Achei que o divórcio viesse para melhorar o relacionamento deles, mas parece que só piorou. Eles não conseguiram superar seus problemas, que já deixaram de ser conjugais há muito tempo.
Cansada dos gritos, peguei a chave da casa dos Riccelli e pulei da minha sacada, que por acaso fica de frente para o quarto de Duke. Atravessei o gramado e abri a porta dos fundos. Fechei-a com cuidado, e caminhei em direção ao salão. Em direção ao piano.
Retirei a poeira fina do banco de couro preto e sentei-me nele. Desnudei os teclados abrindo o compartimento. Suspirei fundo. Muito fundo.
Com a ponta dos dedos, dedilhei algumas notas monótonas. Notas tristes de Mozart. Notas de adeus. É um som delicado, quase etéreo, que parece carregar a dor que eu carrego. A saudade daquilo que não vivi com Duke. E o lamentar por ele estar longe.
As notas se desenrolam com uma cadência suave e triste, deslizando pelos graves e agudos do piano. Cada toque é carregado de emoção, como se minhas mãos estivessem traduzindo meus sentimentos diretamente para a música.
Enquanto continuei a tocar, uma espécie de improvisação se mistura à melodia principal. É como se minha alma estivesse desabafando através das teclas, expressando uma angústia profunda e inexprimível. O ritmo varia, às vezes mais rápido e intenso, em outros momentos desacelerando, como se minha dor estivesse numa montanha-russa.
Minhas lágrimas caem silenciosamente enquanto continuo a tocar. Cada nota parece ecoar no vazio da minha tristeza, embalsamando as minhas feridas. Então, o piano se torna o meu único confidente naquele momento, escutando meus segredos nunca compartilhados com outra pessoa.
À medida que a música se aproximava do seu fim, as notas começaram a se desvanecer lentamente, como se estivesse perdendo força. Minha respiração fica mais calma, e meu coração, embora ainda triste, encontra um breve momento de paz.
Paro de tocar, deixando minhas mãos descansarem nas teclas, os dedos ainda trêmulos. O som do silêncio preenche o ar, e uma sensação de alívio se mistura à tristeza que ainda perdura em mim. A música foi minha expressão silenciosa.
Fechei o compartimento e suspirei. Fiquei olhando por cima do piano, distraidamente, pensando em Duke. Uma vez, eu estava tocando piano com a Sra. Riccelli ao lado. Mergulhei fundo na música, fechando os olhos, deixando o piano morar em mim, preencher todas as minhas veias, o meu ser. É como se estivesse apenas eu e o piano no salão. Apenas nós dois. Eu me entreguei totalmente.
Ao abrir os olhos, Duke estava no outro lado, paralisado. Eu não consegui ler suas expressões. Ele olhava para mim, e não dava para saber o que estava pensando. A Sra. Riccelli interrompeu esse momento, fazendo com ele se assustasse. Então, ele foi para o quarto. Foi uma das raras vezes em que ele me viu tocar. E não faço ideia se gostou. Às vezes, eu tinha a impressão que ele odiava o piano.
De todos os quartos da casa, o de Duke é o único que não foi trancado. O seu uniforme de hóquei está pendurado na parede. Ele deixou muitos objetos para trás, até roupas. Roupas que não caberão nele mais.
Abro um pouco a janela e a porta da sua sacada, deixando o ar entrar no quarto dele. Há uma camada fina de poeira em alguns móveis, e sempre me perguntei se deveria limpar um dia. Para começar, eu nem deveria estar no quarto dele.
Ainda me lembro do cheiro dele impregnado em cada canto do quarto, que durou algumas semanas, depois desapareceu. A sensação que tenho quando entro no quarto é de que Duke partiu dessa vida e não voltará. Ao menos costuma ser assim quando uma pessoa que amamos morre, fazemos questão de deixar suas coisas da mesma forma que a pessoa deixou, como um lembrete de que ela esteve ali, e teve uma vida curta.
No início, tentei me convencer de que a família Riccelli voltaria logo, questão de semanas. Mas semanas viraram meses. Depois viraram anos. Quase quatro anos.
Saí da casa trancando a porta dos fundos e atravessei o gramado de volta para a minha casa, a minha sacada. Descobri em pouco tempo que ela não era tão alta. Era fácil subir nela com alguns pulos corajosos e agarrar a grade.
Graças a Tori que um dia me convenceu a ir numa festa e meus pais não queriam me deixar ir. Pulei da minha sacada com a ajuda de Tori, que me ajudou a voltar para o meu quarto depois da festa. Com o tempo ficou mais fácil descer e pular do meu quarto sem que meus pais percebessem.
Tori se mudou há pouco tempo, mas não para tão longe. Ainda nos vemos em alguns finais de semanas, já que leva quase uma hora para chegar até ela, ou ela até a mim. Conversamos sempre pelo Snapchat e outros aplicativos. E depois que ela criou um perfil no tik tok, nossas conversas diminuíram um pouco, pois aparentemente, ela vem fazendo sucesso no aplicativo. E quem sou eu para atrapalhá-la.
Soube que ela está namorando um irlandês, e ele é muito gato. Tori sempre foi bonita, mas tem a péssima mania de se autodepreciar. Espero que o namorado a ajuda a reconhecer sua beleza e elevar a autoestima dela.
Vejo meu pai indo para o carro e escuto minha mãe bate à porta atrás dele. Ele resmunga baixinha balançando a cabeça e entra no carro, que sai em questão de minutos, como estivesse com toda a pressa do mundo para sair dali. Em poucos minutos, minha mãe surge na minha porta, com o rosto vermelho e olhos inchados.
— Eu ainda vou matar seu pai! — Diz ela, irritada.
— O que ele fez agora?
— Quer vender nossa casa.
— O quê? Ele não pode vender nossa casa!
— Foi o que eu disse. Essa casa foi herança dos seus avós, mas insiste em dizer que faz parte da partilha de bens, e meus advogados já explicou, dezenas de vezes.
— O papai está louco.
— Do jeito que ele é esperto, não duvido que consiga incluir essa casa na partilha. O que eu faço?
— Ele espera que a gente vá para onde? Ao menos deu opções?
— Seu pai nunca dá opções, Saddie.
— Droga.
— Tem como você conversar com ele? Aposto que a você ele ouve.
— Mãe, não me peça isso. Desde de tudo que ele aprontou, nem consigo olhar para a cara dele.
— Não sei mais o que fazer. Ligarei para meus advogados, mas ele dirão o mesmo de sempre. No entanto, estou receosa, Saddie. E seu pai pediu para deixar você passar um fim de semana com ele. Eu disse que você nunca quer, e insinua que estou fazendo a sua cabeça contra ele.
— Eu não quero passar nem meia hora com ele.
— Eu sei, querida. Mas, pense direitinho, é a nossa casa. Acho que seria uma oportunidade para... fazê-lo entender que esta casa é nossa.
— Ah, mãe...
— Pense um pouco, depois me diz. Preciso dar a resposta a ele até sexta.
— Certo.
Ela dá um beijo na minha testa e sai do meu quarto, fechando a porta.
Por mais que eu ame meus pais, não quero lidar com os conflitos dele, que já fiz tanto para me distanciar. E não tenho nenhuma pretensão em fazer isso agora.
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Má Companhia
RomansaSaddie vive esperando pela volta do seu primeiro amor, que voltou para a Itália. Enquanto isso, ela lida com o drama dos pais e conhece o misterioso Dylan, que faz de tudo para conquistar o seu coração.