08_ Luz de velas

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Engasguei com o ar e comecei a tossir freneticamente. Sucri pegou uma garrafa d'água correndo e me entregou. Bebi um pouco dela e respirei fundo. Apoiei minha mão na bancada sem coragem de encara-lo.

ㅡ Você tá bem? ㅡ Ele perguntou e eu apenas assenti, ainda sem olhar para ele. ㅡ Você... Se engasgou com o ar?

ㅡ Vai lavar o alface, Sucri. ㅡ Voltei a encarar a carne. Ele ficou uns segundos parado e eu olhei. Como antes, estava sorrindo. Provavelmente porque sabia que eu quase morri engasgada por ele ter dito que iria tentar me conquistar.

Ele voltou a lavar o alface e eu fingi que estava fazendo alguma coisa. Meu coração estava acelerado. Não sabia o que estava acontecendo comigo. Nem... Nem conheço esse cara, por que me sinto assim?

Balancei a cabeça e ignorei aqueles pensamentos. Segui fazendo o almoço, tentando ignorar a presença dele e tudo o que ele me causava.

Quando terminei, nos sentamos na mesa e começamos a comer. Porém, não deu nem dois minutos e a luz acabou de novo. A chuva ainda estava caindo na lá fora e isso deixava a casa um pouco escura, sem contar que a sala de jantar não tinha uma janela.

ㅡ Ótimo. ㅡ Soltei o garfo assim que o cômodo ficou escuro.

ㅡ Podemos comer na sala? Deve estar mais claro lá. ㅡ Ele sugeriu, mas balancei a cabeça.

ㅡ Minha mãe me mataria. Ela não deixa ninguém comer nada em outros cômodos. As como no meu quarto, mas ela quase me mata quando descobre. ㅡ Disse já me lembrando da bronca que levei por ter comido o Sucrilhos no quarto aquele dia. ㅡ Ela é chata com limpeza e não gosta de farelos de nada em lugar nenhum. ㅡ Me levantei e, com o flash do celular, abri as gavetas procurando por alguma vela. ㅡ É a segunda vez em dois dias que a luz acaba. ㅡ Resmunguei e puxei duas velas da gaveta.

Sucri se levantou e pegou o fósforo. Coloquei as velas na mesa e ele acendeu. Só quando nos sentamos de novo que percebi o fato de estarmos... Comendo a luz de velas.

Ambos nos encaramos por uns segundos e eu senti minhas bochechas queimarem. Abaixei o rosto e voltei a comer, torcendo para que ele não tivesse visto, ou pensasse que era só por conta da luz das velas.

ㅡ Por que você escreveu aquela história? ㅡ Sua voz soou em meio ao som das gotas de chuva batendo no telhado.

Ergui meu olhar para ele e engoli em seco. Era estranho olhar para ele, porque eu sempre me surpreendia com o quanto ele era bonito. E toda aquela situação era mais estranha ainda. Mesmo que fosse tudo uma loucura, eu nunca imaginaria que estaria almoçando com um cara como ele, na minha casa, a luz de velas. Mesmo que... Nada disso tenha a menor pretensão.

ㅡ Dever do curso. ㅡ Respondi brevemente, contudo seu olhar apenas indicou que ele queria que eu explicasse um pouco mais. ㅡ Estou fazendo um curso que não gosto porque não tenho coragem de seguir meus próprios sonhos e objetivos. ㅡ Bufei e me recostei na cadeira.

ㅡ E por que? O que te impede de fazer o que gosta? ㅡ Ele se recostou pro lado.

ㅡ Eu... ㅡ Suspirei. ㅡ Eu não me sinto aceita em lugar algum e por ninguém, só pela Ludmila, que nem é minha mãe biológica. Vivi minha adolescência tentando ser igual a ela, porque ela, sim, tem amigos, sucesso e todos gostam dela. Entrei no curso de moda porque ela fez moda. ㅡ Olhei para minhas mãos em meu colo. ㅡ Eu não me dou bem com moda e muitos menos o curso. A professora me aconselhou a escrever uma história para alimentar minha criatividade. Por isso escrevi. Pra mim eu só estava escrevendo uma bobagem, não pensei que estivesse mexendo com outra realidade.

ㅡ Então... Tudo aquilo foi bobagem pra você? ㅡ Voltei a olha-lo quando percebi o tom de decepção em sua voz.

ㅡ Sucri, sei que pra você tudo aquilo foi real, mas... Pra mim... Foi como fugir um pouco da minha realidade solitária. ㅡ Expliquei. ㅡ Eu não tenho amigos, nem vida social, nem ninguém que goste de mim, sem contar minha mãe. Nessa mesma semana três pessoas se fingiram de amigos meus, mas falaram mal de mim pelas minhas costas. ㅡ Mordi o lábio inferior sentindo meu peito apertado. ㅡ Eu não tinha nada e me apeguei ao romance que estava escrevendo. Eu ficava planejando antes de dormir e até senti borboletas em alguns momentos, principalmente no que você olhava para a... Morgana enquanto cantava. Mas... Nada daquilo foi real pra mim. Foi só uma fuga temporária.

Amor à primeira linha IIOnde histórias criam vida. Descubra agora