21_ O beijo

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Apontei a câmera para Sucri. Ele estava dirigindo o motorhome enquanto ouvia músicas na rádio. Como sempre, ele não parava quieto, então as fotos estavam ficando bem borradas.

Fazia uns dias desde que saímos do Rio de janeiro e finalmente estávamos perto de sair do Brasil. Ainda não era a temida fronteira para os Estados Unidos, mas era uma fronteira. Tudo poderia dar errado e eu não estava pronta para ser presa. Não no momento da minha vida que estou mais próxima de entender a minha própria vida e existência.

Desde que Sucri disse sua teoria sobre eu não ser daqui, passei a ver a vida de uma maneira diferente. Sempre me culpei por não ser aceita, por não gostarem de mim e por ser extremamente solitária. Pensar na possibilidade me fazia acreditar que, talvez, eu não fosse culpada de nada. Talvez eu fosse apenas a vítima.

ㅡ Ok... ㅡ Sucri estacionou na beira da estrada.

ㅡ O que foi? ㅡ Olhei em volta. Não tinha nada além de estrada a vista.

ㅡ É a sua vez. ㅡ O encarei.

ㅡ Minha vez? ㅡ Sucri se levantou do banco do motorista e o indicou, para que eu me sentasse em seu lugar.

ㅡ É, estamos perto da fronteira da Colômbia, você vai ter que estar dirigindo quando formos passar por lá, então é melhor já ir treinando. ㅡ Ele sorriu parecendo curioso para me ver dirigindo. Eu sabia que aquele momento chegaria, mas estava evitando pensar nisso. É, eu tinha carteira, mas não toquei num carro desde que tirei a carta. Tenho pavor. Sem contar que dirigir um carro e dirigir um motorhome são coisas bem diferentes.

ㅡ Que tal você se disfarçar de mim e passar pela fronteira? ㅡ Ele riu.

ㅡ É, é uma ideia ótima. ㅡ Sucri apontou para o banco novamente e eu bufei antes de obedecer. ㅡ Você consegue, vai. ㅡ Entreguei minha câmera para ele e me sentei em seu lugar. 

Fechei os meus olhos, respirei fundo e peguei no volante. A pista não estava tão movimentada, o que me deixou mais tranquilizada. O fato de Sucri estar ao meu lado, falando exatamente o que eu deveria fazer também ajudou. Depois que peguei a prática, percebi que não era tão difícil. É claro que eu não estava me esforçando nem um pouco para correr e todo carro que passava, nos passava bem rápido, mas eu acreditei que estava indo bem.

Depois de uns minutos, ouvi o som da minha câmera.

ㅡ O que você ta fazendo? ㅡ Perguntei sem tirar os olhos da estrada.

ㅡ Você sempre fotografa tudo e todos. Merece ser fotografada também. ㅡ Ele começou a tirar fotos minhas de vários ângulos diferentes, o que me fez rir varais vezes. Eu realmente não sabia exatamente a sensação de estar do outro lado da câmera. Eu costumava fotografar coisas que eu gostava, que eu achava bonito, ou que mexiam positivamente comigo. Sucri me fotografar significava mais para mim do que ele podia imaginar.

Chegamos à fronteira e ele se escondeu no banheiro, cena que também me fez rir. Fiquei nervosa na hora de passar, mas foi bem mais tranquilo do que pensei. Fui parada, lógico, mas o homem se pediu minha documentação e a do veículo. Segundos depois me liberou.

O alívio me tomou temporariamente, mas só pensei no fato de que precisaria fazer aquilo de novo algumas outras vezes.

Dirigi por mais um tempo até que notei um campo... um baite de um campo florido incrivelmente colorido e atraente. Eu precisei estacionar.

ㅡ Sucri! ㅡ Gritei por ele quando percebi que o bendito ainda não tinha saído do banheiro. ㅡ Sucri? Você ta bem? ㅡ Fui até a parte de trás do trailer e o vi sentado na tampa do vaso fechada, olhando as fotos da minha câmera. ㅡ O que você ta fazendo?

ㅡ Nada. ㅡ Ele abaixou a câmera e se levantou. ㅡ Por que parou? Onde estamos? ㅡ Pendurou a câmera em seu pescoço e saiu do banheiro.

ㅡ Vem ver. ㅡ Puxei o seu pulso na direção da porta e a abri. O cheiro de flores que bateu no meu rosto com a brisa foi uma das coisas mais refrescantes e doces que já senti. ㅡ Olha isso! ㅡ Saí do motorhome e olhei para trás para ver sua reação.

ㅡ Caramba... ㅡ Os olhos dele se arregalaram.

ㅡ Não é lindo? Eu... ㅡ Voltei a olhar a vista. Respirei fundo e fechei os olhos. ㅡ Eu sei que parece bobo, mas eu não saía de casa pra nada. Só vi um campo de flores em fotos e filmes! Será que a gente pode entrar? ㅡ Olhei em volta até perceber uma entrada com uma placa de madeira ao lado. ㅡ Vem! ㅡ Puxei o seu pulso novamente.

No meio do caminho, até chegar à placa, minha mão deslizou por seu pulso até parar em sua mão, onde ele envolveu a minha com seus dedos.

A placa dizia algo parecido com bem-vindo, entrada permitimida, só que em espanhol. Logo na frente tinha um caminho de terra por entre as flores. Devo dizer que o fato de estar quase no pôr do sol deixava tudo ainda mais impossível. Impossível porque nem em sonho pensei em viver algo assim.

Eu e Sucri caminhamos pelo caminho de terra enquanto eu não conseguia parar de admirar, tocar e cheirar as flores. Parecia um momento mágico demais para ser real. Parecia que eu acordaria a qualquer momento e estaria no meu quarto... sozinha.

Sucri parou de andar e soltou minha mão. Olhei para trás para ver o que tinha acontecido, mas fui pega de surpresa com uma sessão de fotos.

Ele começou a me fotografar e só naquele momento percebi que eu nem ao menos tinha me lembrado de pegar a câmera para registrar aquele lugar. Eu tinha ficado tão mais preocupada em aproveitar que mal pensei em tirar uma única foto.

Sorri ao perceber isso. Ao perceber que eu estava vivendo... sem me preocupar. Sem pensar que tudo poderia dar errado.

Sucri tirou ainda mais fotos quando percebeu que eu estava sorrindo.

Sucri... ele estava tão bonito ali. No meio das flores. Com o sol da tarde batendo nele. O cabelo estava bagunçado e ele sorria a cada foto que tirava. Eu não conseguia acreditar ou entender como ele gostava de mim. Talvez seja porque me culpei a vida toda. Porque eu já era tão acostumada a não ter a atenção de ninguém que, quando alguém me notou e desenvolveu sentimentos por mim, pensei que era loucura.

Um dos motivos pela qual eu não queria nem pensar em ter algo com ele era o fato de que não éramos da mesma realidade e ele iria embora em breve. Mas, se eu for mesmo da realidade dele? E se ele veio mesmo me buscar? E se eu tiver de ir com ele?

Eu tinha sentimentos por ele. Sabia disso. Não queria aceitar. O meu coração batia mais forte a cada olhar que ele me dava. Eu sentia como se fosse derreter quando ele sorria. Sem contar que eu me sentia completamente bem quando estava com ele. Acho que percebi meus sentimentos quando ele me abraçou no dia da chuva com trovoadas e me deu fones de ouvido para eu ouvir músicas e não ouvir os raios. Mas, só agora... aceito isso. Eu sinto algo por ele. Eu gosto dele. E... não tenho medo de deixar isso fluir em mim.

ㅡ Essa ficou muito boa. ㅡ Ele sorriu analisando a foto e se aproximou para me mostrar. De repente, foi como um flash. Me lembrei da cena que descrevi de mim mesma mostrando uma foto para ele em seu camarim, logo antes do show que ele cantaria olhando para a pessoa que ele gostava.

Foi tudo muito rápido. Foi como se eu estivesse em cada cena que descrevi. A cafeteria onde nos conhecemos, a festa que o Tiago o convidou para ir, o show... tudo... eu vi tudo passar pelos meus olhos e o meu sentimento por ele expandiu no meu peito como se eu realmente tivesse vivido cada segundo daquele com ele.

ㅡ O que foi? ㅡ Voltei a mim após vê-lo cantar no palco olhando para a pessoa por quem era apaixonado... olhando pra mim. ㅡ Morgana? O que foi? ㅡ O meu coração disparou. Minha respiração ficou desregulada e eu só conseguia olhar nos olhos dele e ver alguém que eu gostava demais. Alguém por quem eu era apaixonada.

Ele estava prestes a fazer mais uma pergunta, mas interrompi sua fala quando me inclinei para ele e o beijei.

•••
Continua...

Amor à primeira linha IIOnde histórias criam vida. Descubra agora