29_ Esperança

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( Narrado por Morgana )

O cheirinho era de comida caseira. O som ambiente era uma música tocada e cantada em espanhol por uma banda de senhores de mais idade. O sol já não era forte o ar estava fresco. O restaurante em que estávamos era nos fundos de uma bela casa simples e colorida. Haviam quadros de pinturas a óleo nas paredes, as mesas eram de madeira escura e as toalhas em xadrez.

É claro que não podia faltar o que mais tinha naquele bairro: flores. Eram vasos de plantas e flores espalhados pelos cantos. O México estava me encantando e eu mal havia conhecido dez porcento do país.

ㅡ O que foi? ㅡ Perguntei quando voltei meus olhos para Sucri e percebi que ele estava me encarando.

ㅡ Você tá muito bonita. ㅡ Ele disse sem um pingo de brincadeira ou ironia. Pareceu tão genuíno que realmente me senti a mulher mais bonita no mundo. ㅡ Eu gosto demais de você. É difícil olhar pra você e não pensar num futuro que nem sabemos se vamos ter.

Suas palavras me atingiram como um balde d'água. Tudo parecia perfeito ali, mas realmente não sabíamos o que ia acontecer no futuro. Tudo era uma loucura.

ㅡ Bem... ㅡ Cocei a garganta. ㅡ Você mesmo disse que a vida sempre foi imprevisível. Poderia dar tudo errado mesmo que fôssemos pessoas em condições normais, se conhecendo numa condição normal. ㅡ Ele sorriu ladino.

ㅡ Tem razão. ㅡ Ele soltou o seu guardanapo sobre a mesa e se levantou.

ㅡ O que ta fazendo? ㅡ O segui com meu olhar enquanto ele dava a volta na mesa e me estendia a mão.

ㅡ Vamos aproveitar o hoje sem nos preocupar com o amanhã. ㅡ O fitei com um olhar duvidoso.

ㅡ Essa é uma maneira nada segura de viver a vida.

ㅡ Não nas nossas condições. ㅡ Depois de poucos segundos pensando, dei com os ombros, coloquei meu guardanapo sobre a mesa e peguei em sua mão.

Nós dois nos juntamos aos outros casais que dançavam juntos ao som da música que tocava. As mãos de Sucri tocaram cuidadosamente a minha cintura e eu posicionei as minhas sobre seus ombros. Seus olhos ainda me olhavam como se eu fosse a pessoa mais bonita do mundo. Suas mãos me tocavam com cuidado como se eu fosse frágil e preciosa. O fundo do seu olhar parecia esconder um medo imenso do que iria acontecer. De não podermos estar fazendo isso novamente daqui a algum tempo, pois podemos já não estar juntos.

Pensar que Sucri podia voltar para sua realidade a qualquer momento e que isso nos separaria para sempre, quebrava o meu coração em pedaços. Mas, aí é que está! Essa viagem idiota que estávamos fazendo era justamente para leva-lo de volta a sua realidade. Para entendermos o que é esse Montgomery e como o Sucri pode voltar.

Eu queria chegar logo aos Estados Unidos, pois tenho medo de demorarmos demais e ele sumir ou sentir dor novamente. Mas, ao mesmo tempo, não queria que chegassemos, pois, quando isso acontecer, ele irá embora.

Parte de mim torcia para que fosse verdade a coisa de que eu ter vindo da realidade dele e no fim fosse junto com ele. Por mais que eu tivesse a Lud e amasse como se fosse minha mãe, eu não pensaria duas vezes em voltar para a realidade da onde eu vim. Onde eu deveria ter crescido e vivido. Certamente eu teria sido mais feliz. Certamente teria sido aceita e vivido sem tantas preocupações.

Eu amo a Lud e só ela poderia me fazer questionar se eu iria ou não com ele, mas eu já ocupei muito do tempo dela. Ela é tão jovem e cuidou de mim desde os dezoito anos. Tudo o que eu quero é que ela possa viver sua vida sem se preocupar comigo. O fato do bilhete deixado em minha cesta estar escrito que era para ela cuidar de mim até o Montgomery me achar me faz acreditar que essa seria mesmo a decisão certa.

ㅡ Acha que eu posso mesmo ser da sua realidade? ㅡ Perguntei, de repente.

ㅡ Eu acho que pode ser uma possibilidade. As coisas apontam para isso. Você nunca se sentiu em casa aqui, como se você fosse de outro mundo. Você não sabe a sua origem e a única pista tem a ver com o Montgomery, deixada na sua cesta. Eu acho que é muito provável, por que? ㅡ Ele explicou enquanto olhava pelo meu rosto, parecendo analisar cada detalhe. Em sua última frase, seus dedos deslizaram pelo meu cabelo e colocaram minha franja para trás da minha orelha.

ㅡ Só... Estou pensando. ㅡ Mordi o lábio inferior antes de soltar a próxima pergunta. ㅡ Acha que quando chegarmos aos Estados Unidos e entendermos tudo o que está acontecendo, você vai voltar e... Eu posso conseguir também?

ㅡ Você quer isso? Quer vir pra minha realidade comigo? ㅡ Sua pergunta soou esperançosa e surpresa. Seus lábios pareciam estar fazendo de tudo para esconder um sorriso.

ㅡ Eu quero. ㅡ Concordei.

ㅡ Mas... ㅡ Ele olhou em volta, ainda parecendo querer sorrir, mas tentando disfarçar. ㅡ E a sua mãe? Tem certeza de que quer abandonar tudo o que tem aqui?

ㅡ Eu amo a minha mãe. A Lud foi mais pra mim do que ela pode imaginar. Mas, ela precisa viver a vida dela e eu também preciso viver a minha. Essa realidade nunca me aceitou. Sempre achei que o problema estava em mim, mas eu só não sou daqui. Eu acho. ㅡ Encarei os seus olhos. ㅡ Se for mesmo verdade, quero ir com você. Quero começar de novo num lugar onde realmente seja o meu lugar. Quem sabe os meus pais não estão vivos? Saudáveis? Por lá? Talvez... Sentindo a minha falta. ㅡ Abaixei o olhar com o peso da possibilidade.

ㅡ Eu vou te apoiar com qualquer decisão que tomar, minha linda. Seja vindo comigo, ou não. Eu só quero que escolha aquilo que vai fazer você feliz. ㅡ Ele voltou a olhar pro lado tentando esconder o enorme sorriso contente que brotou em seus lábios.

Sorri com isso e me aproximei mais dele. Eu o abracei. Apoiei minha cabeça em seu peito, ouvindo seu coração bater. Seus braços me rodearam, criando um abrigo. Continuamos dançando no ritmo da música lenta que tocava. Um sorriso de esperança estava em meus lábios. Talvez tudo desse certo. Talvez fosse um novo começo pra mim.

[...]

ㅡ Eu não acredito que você fez aquilo! ㅡ Ri andando pela rua iluminada pela lua e pelos pisca-piscas nas janelas das casas.

ㅡ O que? ㅡ Ele perguntou colocando mais um pedaço de bolo na boca.

ㅡ Você fez o restaurante bater parabéns pra mim e comprou um bolo que partiu pra todo mundo! ㅡ Ele me olhou com a boca suja de chantilly.

ㅡ Que que tem?

ㅡ Não é meu aniversário, Sucri! ㅡ Disse rindo.

ㅡ Ué... ㅡ Ele amassou o guardanapo após limpar a boca e jogou numa lixeira que estava na calçada. ㅡ É aniversário de alguém em algum lugar. ㅡ Ele deu com os ombros, voltando para perto de mim e me abraçando de lado.

ㅡ Você é maluco, tem umas ideias... ㅡ Ele beijou o topo da minha cabeça. A brisa da noite era gostosa. As casas daquela rua tinham, na sua grande maioria, portas direto na calçada. E, apesar disso, a maioria estava aberto, mostrando o interior de suas casas. Famílias assistindo televisão, crianças brincando com brinquedos no chão, pessoas jantando... Eu facilmente moraria naquele lugar se não fosse o fato deu eu não falar espanhol e todo o resto complicado da minha vida.

ㅡ Eu faço o que puder pra ter sorrir, Rapunzel. ㅡ Ele sorriu para mim.

Tudo era colorido e bonito. Mas, de repente, tudo começou a falhar. Sucri se inclinou para baixo num gemido de dor e caiu de joelhos no chão. Meus olhos se alarmaram quando ele começou a desparecer e aparecer feito um holograma, novamente.

ㅡ Sucri! Sucri, meu Deus! ㅡ Me abaixei para ficar a sua altura. O pânico tomou conta do meu peito. Ele não parava de gemer de dor como se estivesse sendo espancado.

Meus olhos embaçaram e as lágrimas caíram tão rápido que mal rolaram pelo meu rosto. Eu me senti impotente. Não sabia e nem podia fazer nada.

Foi quando tudo parou. Ele parou de desparecer e seus gemidos cessaram. Pensei que tudo tinha terminado e ele estava bem novamente, mas quando consegui limpar os olhos e enxerga-lo, percebi que ele estava desmaiado.

•••
Continua...

Amor à primeira linha IIOnde histórias criam vida. Descubra agora