Era minha primeira vez andando numa balsa. Nunca imaginei que isso aconteceria nessas circunstâncias, com um motorhome e um clandestino escondido.
Já era noite quando comecei a me sentir enjoada e claustrofóbica dentro daquele trailer. Notei que as pessoas saíam de seus carros e caminhavam pela balsa durante o dia, mas agora tudo estava deserto e silencioso, só o mar fazia barulhos e as vezes ouvíamos uma buzina alta, grave e amedrontadora da balsa.
ㅡ Você quer sair um pouco? ㅡ Sucri perguntou. Eu considerei sair da balsa durante o dia, principalmente quando os passageiros correram para um lado da balsa dizendo ter golfinhos pulando na água, mas Sucri não podia sair e eu não queria deixa-lo preso aqui sozinho.
ㅡ Não sei. ㅡ Toquei a minha testa. Estava sentada de modo desajeitado no sofá com os olhos fechados. Odiava ficar enjoada, pois odiava vomitar. ㅡ Nem sabia que ficava enjoada em alto mar. Você ta bem? ㅡ Abri os olhos para vê-lo.
ㅡ Eu to, mas acho melhor você sair e caminhar um pouco. Ta quente aqui dentro e sua pressão pode estar baixa. Lá fora está mais fresco. ㅡ Respirei fundo e concordei com a cabeça. Levante devagar para não ficar tonta e piorar a situação. Sucri abriu a porta do trailer e olhou em volta. ㅡ Vem.
ㅡ Você vai comigo? E se te virem? O que vai fazer? ㅡ Desci os degraus e segurei a porta.
ㅡ A balsa ta toda escura e ta todo mundo em seus carros, não vou deixar você ir sozinha. ㅡ Sucri fechou a porta atrás de mim. ㅡ Se me virem, eu me jogo no mar.
ㅡ Ah, claro. Essa é a melhor solução, com certeza. Não sei como não pensei nisso. Deixa que eu mesma te empurro. ㅡ Ele riu baixo, me abraçou de lado e caminhamos por entre os carros até a beirada, onde podíamos ver o mar. Me debrucei sobre a área de proteção e observei o nada. É, nada. Eu disse que podíamos ver o mar no sentido de que a vista para o mar ficava ali, mas só se via escuridão e trevas. Era bem assustador, pra falar a verdade.
O silêncio tomou conta quando paramos ali. O vento era forte e podia ser escutado passando por meus ouvidos. O som das ondas batendo na balsa também era forte, parecia até trovoadas.
ㅡ Quando vamos falar disso? ㅡ Questionei terminando com o silêncio.
ㅡ Disso o que?
ㅡ De você ter desaparecido e aparecido na minha frente feito os espíritos de Supernatural. ㅡ Sucri encarou as mãos que estavam apoiadas nas grades.
ㅡ Eu... eu acho que to ficando sem tempo. ㅡ Meu corpo, que antes estava relaxado, se endureceu com a tensão a medida que ajustei a postura. ㅡ Quando aquilo aconteceu, tudo isso aqui estava falhando como uma miragem ou coisa assim. Vi o campo de flores, o pôr do sol e você falharem na minha frente, piscarem, sumirem e aparecerem e ao mesmo tempo vi o meu show. Vi os fotógrafos, vi os fãs, vi o palco... vi o último lugar que estive antes de vir pra cá. Parecia que eu estava voltando. ㅡ Meu peito doeu. ㅡ Só que... você não estava lá. Lembro que antes de vir pra cá, eu estava no meu show com você. Tinha acabado de me declarar pra você, mas... você não estava lá. Se eu voltar, você não vai estar lá, Morgana. Eu não sei o que está acontecendo, nem o que vai acontecer. Ainda acho que eu vim aqui pra te buscar, mas acho que o meu tempo está acabando e a qualquer hora posso voltar pra lá.
ㅡ Mas... por que? Eu... eu não entendo. ㅡ A minha cabeça era um ponto de interrogação. Era difícil criar teorias e tentar entender algo que eu a uns dias atrás eu nem sabia que existia. ㅡ Se o Montgomery te trouxe aqui pra buscar, ele não está vendo que você ta fazendo isso? Que está me lavando pra um lugar onde vamos, eu espero, descobrir o que fazer?
ㅡ Eu não sei, Morgana. Esse livro foi usado pra fazer cadernos, o que significa que foi destruído. Vai ver ele está bugado. ㅡ Sucri começou a andar de um lado para o outro.
ㅡ Ou vai ver nada disso que pensamos é verdade e foi só um erro você ter vindo. ㅡ Seus passos pararam e ele me encarou. ㅡ Se ele estiver bugado, pode ter te trazido aqui por engano, porque o livro da Molly dizia que ele só engolia pessoas, não o contrário. Talvez ele esteja tentando te levar de volta, talvez por isso doa quando ele tenta, porque você não devia estar aqui. ㅡ Minhas palavras pareceram doer tanto em mim quanto nele.
Sucri colocou as mãos nos bolsos da calça e encarou os próprios pés. Eu preferiria que minha teoria não fosse verdade. Preferiria mil vezes que ele tivesse mesmo vindo pra me buscar do que ter sido engano. Eu nunca tinha me apaixonado. Nunca me senti querida ou amada por alguém antes como eu me sentia com Sucri. Era reconfortante pensar que nossos destinos tinham sido traçados e que ele tinha sido escolhido para me buscar do que pensar que tudo era apenas uma falha ou bug na realidade por causa de um livro idiota que alguém resolveu destruir.
ㅡ Mas... e você? E a coisa toda do Montgomery ter a ver com a sua origem? ㅡ Sua pergunta me deixou sem resposta.
ㅡ Eu... eu não sei. Eu não sei o que pensar. Só... ㅡ Passei a mão na testa. ㅡ Eu to com medo, Sucri. Medo de estar criando expectativas, de chegarmos aos Estados Unidos, descobrirmos a verdade e ver que nada disso é nada do que estávamos pensando.
ㅡ Morgana... ㅡ Ele se aproximou. As sobrancelhas estavam franzidas quando ele pegou na minha mão. ㅡ Acha que estou preocupado com isso? ㅡ Olhei em seus olhos. O toque de sua mão era a única coisa quente naquele lugar onde a brisa fria do mar batia. ㅡ Eu não me importo se somos almas gêmeas, se fomos destinados ou se um livro me trouxe por você, o que importa pra mim é que eu vim! De alguma forma eu vim até você e não acho que tenha sido atoa. E mesmo que fosse totalmente por acaso ou coincidência... e dai? A maioria dos encontros da vida são assim. Prefiro que eu tenha vindo por um bug do que nunca tivesse vindo.
ㅡ Mas, Sucri... a gente não sabe o que vai acontecer. E se você voltar pra sua realidade numa dessas crises de aparecer e desaparecer e não voltar mais? E se o seu tempo acabar e não chegarmos aos Estados Unidos?
ㅡ Minha linda... ㅡ Sua outra mão tocou a minha bochecha. ㅡ Você se preocupa demais. Você se esqueceu do que eu disse sobre se preocupar demais? Você fica sofrendo por antecipação.
ㅡ É, eu faço isso. ㅡ Assenti.
ㅡ Então, não faça. ㅡ A palma de sua mão acariciou a minha bochecha me fazendo fechar os olhos. ㅡ Não sabe como o futuro é imprevisível? Por acaso você imaginava no mês passado que eu apareceria na sua vida e te faria viajar para outro país comigo num motorhome?
ㅡ É claro que não. ㅡ Balancei a cabeça.
ㅡ Então! E eu apareci e trouxe cores para sua vida. ㅡ O encarei com uma careta e ele riu. ㅡ Eu não sei o que o futuro tem pra gente, mas fico feliz de poder aproveitar o presente. ㅡ Ele sorriu. ㅡ Até rimou.
ㅡ Eu to tendo uma crise e você consegue fazer humor. ㅡ Ri abaixando a cabeça para sentir melhor o calor da palma de sua mão.
ㅡ É por isso que eu te completo. ㅡ Beijou a minha testa. ㅡ Amenizo a situação quando você está sofrendo por coisa que nem aconteceu e talvez nem vá acontecer. E você me faz feliz por simplesmente estar comigo.
•••
Continua...
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Amor à primeira linha II
RomansaSEGUNDO LIVRO DA SÉRIE MONTGOMERY E se você escrevesse uma história de amor na qual você é a personagem principal e inventasse o cara perfeito que se apaixona por você? E se, de repente, ele saísse magicamente do livro e caísse no seu quarto?