O que se faz numa situação dessas? Acho que o mais plausível seria fingir demência e voltar para a cama, certo? Errado. Errado segundo as minhas ridículas reações extravagantes.
Eu simplesmente soltei um grito abafado pela mão com o susto e dei um passo rígido para trás, batendo minhas costas contra a parede do trailer.
Sucri se assustou, obviamente. Seus olhos se arregalaram quando perceberam a minha presença e sua reação foi bater a porta de imediato.
ㅡ Que susto, Morgana! Meu Deus! ㅡ Ele exclamou de dentro do banheiro.
ㅡ Que susto?? Que susto digo eu! Qual o seu problema?? Por que estava tomando banho de porta aberta, seu animal? ㅡ Gritei para a porta, sem pensar que estávamos gritando num camping em plena madrugada.
ㅡ Eu estava cozinhando aqui dentro, não aguentei. ㅡ Ele explicou. A vergonha consumiu o meu rosto e eu corri de volta para o quarto, até me esquecendo de que minha garganta estava seca e eu precisava de água.
Me joguei na cama, coloquei o travesseiro sobre o meu colo e o abracei, tapando metade do meu rosto. Fingi estar assistindo à televisão quando ele saiu do banheiro sem camisa e se deitou ao meu lado.
Por uns minutos ambos ficamos em silêncio. Se eu tinha achado os outros momentos de silêncio que tivemos constrangedores, é porque não imaginava como esse seria constrangedor.
ㅡ Er... ㅡ Ele ameaçou quebrar o silêncio, mas senti que uma conversa sobre o assunto apenas pioraria toda a coisa.
ㅡ Não fala nada. ㅡ O interrompi.
ㅡ Mas, eu... ㅡ O interrompi novamente.
ㅡ Sucri! ㅡ Fitei-o.
ㅡ Ok! ㅡ Ergueu a palma das mãos abertas.
Eu poderia amenizar a situação e dizer que eu não tinha visto nada, até porque eu realmente não tinha visto muita coisa, porque ele estava de lado. Mas, ainda assim, era uma situação que eu preferiria fingir que nunca aconteceu.
ㅡ Mas, me fala, eu sou bonito? ㅡ Ele perguntou tão rápido que não tive tempo de corta-lo. Quando ouvi sua pergunta, bati com o travesseiro em seu rosto e isso lhe arrancou uma risada. ㅡ Ta bom, parei, parei. Você me espia no banho e eu não posso falar disso.
ㅡ Eu não estava te espiando! Eu só fui inocentemente beber um pouco de água. ㅡ Rebati.
ㅡ Sei... ㅡ Disse com tom de desconfiança e deboche, que eu deveria ignorar, mas não fiz.
ㅡ Olha, eu não tenho culpa de ir beber água e não imaginar antes que pode ter um maluco tomando banho de porta aberta à uma da manhã. ㅡ Virei o meu corpo para ele. Tinha certeza de que minha expressão era de indignação, mas a dele não. Sucri estava sorrindo para mim, como se gostasse de me ver irritada. ㅡ Ta rindo de que, besta?
ㅡ Você se irrita fácil. E seu nariz se enruga quando você discute. ㅡ Disse tudo aquilo com o sorriso nos lábios. O sorriso que era bonito demais pro meu gosto. ㅡ Fica bonita.
ㅡ Cala a boca. ㅡ Balancei a cabeça voltando a minha posição anterior e ele riu.
ㅡ Posso perguntar só uma última coisa? ㅡ Ele aproximou, porém continuei com os olhos focados na televisão.
ㅡ Hm?
ㅡ Por que não tirou uma foto minha? Sei que gosta de tirar foto de tudo que acha bonito. ㅡ Acertei-o com o travesseiro novamente, bem na cara. O que o fez rolar e cair da cama.
ㅡ... Bem feito... ㅡ Falei em meio a minha risada sem som e estranha.
ㅡ Me acerta com vassoura, me manda preso, me espia nu, me joga no chão... ㅡ Ele voltou para cima da cama. ㅡ Vou ter mais do que essa cicatriz quando voltar pra minha realidade. ㅡ Indicou a cicatriz em seu pescoço.
ㅡ Deixa de ser dramático e vai dormir. Já vivi muito por um dia só. ㅡ Voltei a me deitar virada para o canto.
ㅡ Nossa, que rabugenta... ㅡ Resmungou. ㅡ Cadê a alegria?
ㅡ Vem ao amanhecer. ㅡ Puxei o travesseiro da minha cabeça e o abracei. Sucri desligou a televisão, deixando o trailer totalmente escuro. Geralmente eu me cobriria, mas o calor estava demais. Não sei se era realmente o clima do lugar ou se o motorhome era quente desse jeito. Sem contar que a roupa que eu vesti correndo não ajudava muito. Maldita hora que catei a camisola da minha mãe sem desdobrar para ter certeza de que era meu pijama ou não, ele era tão fresco.
Fui dormir me lamentando pelo fato de ter confundido a minha roupa e acordei completamente suada e com mais calor ainda.
Eu não sabia que horas eram, mas o sol já brilhava forte lá fora, fervendo o teto do motorhome e me cozinhando ali dentro como uma Airfryer.
Olhei para o outro lado da cama... sem sinal de Sucri.
Ouvi risadas vindas de lá de fora e me forcei a levantar da cama. Desfiz as tranças que tinha feito no cabelo ontem, que já estavam mais bagunçadas do que trançadas, e prendi num coque alto, tudo para evitar que os fios grudassem no meu pescoço.
Andei até a porta aberta do motorhome e assim que coloquei a cabeça para fora, contorcendo meu rosto numa careta pela claridade, vi Sucri sentado numa cadeira de praia ao lado do senhor que nos assustou ontem a noite, Bira.
ㅡ Bom dia, Rapunzel. ㅡ Sucri sorriu. Em sua mão estava um copo de alguma bebida colorida com gelo e um canudo. ㅡ Dormiu bem? Teve bons sonhos?
ㅡ Ótimos. ㅡ Cocei os olhos.
ㅡ Calor, né? A primavera é sempre quente aqui, ainda mais quando o verão está tão perto. ㅡ O homem comentou ajeitando o boné na cabeça.
ㅡ Vai repensar sobre a cachoeira? Ela é logo ali... ㅡ Sucri indicou um caminho entre as árvores, perto de outros grupos de trailers estacionados. Diferente de ontem, que não se via uma alma viva por aqui, agora tinham pessoas ao lado de fora de seus veículos. Acho que ninguém estava suportando ficar dentro de suas Airfryers dirigíveis.
ㅡ Vou me trocar. ㅡ Sucri sorriu vencedor e eu voltei para dentro do trailer. Eu tinha medo de cachoeiras, elas podiam me matar afogada ou com bichos venenosos, mas o calor já estava me matando de qualquer forma.
Para minha sorte, eu acho, minha mãe é uma pessoa que pensa em todas as possibilidades e colocou um biquíni nas minhas coisas. Eu disse que seria inútil e que eu não usaria em hipótese alguma, afinal, estou numa viagem de descobertas, numa viagem que pode decidir o meu passado e talvez o meu presente, a última coisa que passaria pela minha cabeça seria usar um biquíni numa praia, cachoeira ou coisa parecida.
Eu estava redondamente errada. Não contava com o calor do sudeste do Brasil.
Coloquei o biquíni por debaixo de um shorts e uma blusa. Escovei os dentes, lavei o rosto e me enchi de protetor solar. Refiz o coque no meu cabelo e saí do trailer bebendo uma garrafa d'água. Sucri estava rindo de algo enquanto conversava com o homem quando saí do trailer. Seus olhos pairaram sobre mim, dos meus pés até minha cabeça. Quando percebeu minha careta, ele sorriu mostrando os dentes.
ㅡ Bem, então vamos. ㅡ Ele se levantou e trancou a porta do trailer. Joguei a toalha dele nele, que estava sobre meus ombros junto com a minha. ㅡ É muito longe, Bira?
ㅡ Não, é só uns cinco minutos naquele caminho. ㅡ Apontou para a mesma direção. O homem se levantou também quando uma das pessoas que estava ali num trailer o chamou. Nós seguimos na direção do caminho enquanto eu tentava me abanar com as mãos.
Havia uma placa escrito cachoeira bem na entrada. O resto do caminho era de terra, por entre as árvores. Haviam outras pessoas seguindo na nossa frente.
ㅡ Você nem trocou de roupa. Vai molhar essa? ㅡ Indiquei a bermuda e a camiseta que ele usava.
ㅡ Eu espero ficar vazio e tiro a roupa. ㅡ Arregalei os olhos para ele. ㅡ Que foi? Você já viu tudo mesmo. ㅡ Deu com os ombros. Ameacei acerta-lo com a toalha, mas ele saiu correndo. Corri atrás dele tentando lhe dar " toalhadas ", o que deixou as outras pessoas confusas. Quem não ficaria com dois idiotas que já não são mais crianças correndo feito crianças e tentando acertar um ao outro com um pedaço de pano?
•••
Continua...
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Amor à primeira linha II
RomanceSEGUNDO LIVRO DA SÉRIE MONTGOMERY E se você escrevesse uma história de amor na qual você é a personagem principal e inventasse o cara perfeito que se apaixona por você? E se, de repente, ele saísse magicamente do livro e caísse no seu quarto?