A noite de Ano-Novo carregava simbolismos. Heloísa Sampaio bem sabia disso, afinal, ela sentia o peso dessa data há algum tempo. A noite que marcava novas resoluções e um novo recomeço era difícil para ela faziam três anos.
No primeiro ano havia sido uma questão de necessidade. Após o novo divórcio com Stenio, a noite de Ano-Novo havia adquirido um tom melancólico. Incerta de onde passar essa data, e fugindo das perguntas como "vocês se separaram de novo?" ou "não deu certo mais uma vez?", Helô acabou se oferecendo para plantão de fim de ano. Trabalhando, ela não precisaria pensar em tudo que havia perdido na sua vida naquele ano. Trabalhando não precisaria pensar em Stenio Alencar.
Mas pensou.
E quando o relógio marcou 23h55 ela refletiu, nesses cinco minutos, tudo que a havia levado até esse momento: sentada, na delegacia, chorando silenciosamente a entrada de mais um ano. Enquanto ouvia os fogos que marcavam o início de um novo ciclo, ela limpou as lágrimas e prometeu a si mesma que o próximo ano seria diferente. Seria tudo novo.
E foi. A vida seguiu como sempre segue. Sem Stenio, com muito trabalho, e algumas questões, Helô observou a vida passando diante de seus olhos antes que a delegada pudesse se dar conta. Seria sempre assim? Ela vivendo mecanicamente, tentando não se lembrar do ex-marido, se enfiando em relacionamentos sem futuro, apenas esperando o ano novo seguinte? Era solitário. Ela não queria viver assim.
E no ano novo, ela se dispôs a ficar de plantão novamente. Ela já estava se acostumando à solidão, ao estar sozinha, ao não ter ninguém com quem quisesse – de fato - estar junto nesta data. Até havia, mas isso não era possível, e não fazia sentido privar outras pessoas da presença da família, do momento bonito do abraço e do beijo que marcam o início de um novo ano.
A data era amarga para ela, mas não precisava ser para mais ninguém.
E mais uma vez ela se isolou, como sempre havia sido boa em fazer
E quando o relógio marcou as 23h55, ela de novo pensou nele. Onde ele estaria passando o réveillon? Estaria em alguma festa? Estaria feliz? Ficou surpresa consigo mesma quando as lágrimas não desceram. Quando o riso triste saiu pelo lábio, olhando o vazio ao redor.
O barulho de fogos lá fora indicava que a meia noite havia chegado.
- Feliz Ano-Novo, delegada -sussurrou para si mesma, sentada em sua mesa.
Seria sempre ela por ela mesma.
No ano seguinte, quando a listagem de plantões foi liberada e o nome dela constava novamente, ninguém mais questionou. Era como se tivessem entendido que o trabalho era tudo na vida dela naquele momento. Que talvez a delegacia fosse o lugar onde ela se sentia segura, onde ela se sentia parte de algo.
23h55.
Não havia mais pensamentos tristes ou de rancor. A vida que se apresentava era essa e assim ela seguiria. Dessa vez, se distraiu andando pela delegacia e, se não fossem os fogos vindos do lado de fora novamente, ela poderia ter perdido o grande momento. Indo até os fundos do prédio, ela se sentou lá fora e observou, pela primeira vez em alguns anos, os fogos de artifício brilhando no céu.
Fosse pelo motivo que fosse, ela se sentiu esperançosa. Deixou a lágrima que teimava em cair, escorrer. Permitiu que a alegria dos outros trouxessem presságios positivos para ela também.
Se permitiu esperar um ano verdadeiramente bom.
E, então, 2022 chegou e com ele Stenio Alencar.
Por que precisava ser tão difícil tirar algumas pessoas da nossa vida? Por que precisava ser tão difícil deixar de amar uma pessoa?