Confiança é superestimada.
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Parecia certo agir como se nada estivesse acontecendo?
Afim de evitar atrair ainda mais atenção indesejada, talvez uma briga ou algo assim, Kalissa foi aconselhada a continuar agindo normalmente enquanto Clarice descobria como exatamente deveriam agir agora, o que fazer. Saindo para uma viagem, que agora Kalissa sabia que não eram "trabalho", sua tia deixou sua segurança nas mãos de Hanna e embarcou com Julie e Lucian – que depois ela descobriu que ele era um anjo celeste com a responsabilidade de ajudar Clarice a mantê-la em segurança por todos esses anos –, buscando informações de uma possível fonte confiável.— Então as garotas vão fazer noite das garotas, tipo, todas as noites até a tia Clarie voltar? — Liam parecia estranhamente animado. — Me convidam? Eu posso fazer skin care em vocês e contar fofocas também. Qualquer coisa.
Hanna quase engasgou enquanto Kalissa riu sinceramente daquele pedido inusitado.
— Você ficou louco? Fique longe da minha casa, Bennett.
A expressão de Liam passou de empolgação para decepção, iniciando sua nova tentativa de apelar para um outro jeito nada maduro de sua parte.
— Por favorzinho, não seja ruim Gray.
— Eu disse não.
— Mas eu fui educado e pedi por favor.
Hanna revirou os olhos enquanto Kalissa praticamente engasgava de tanto rir daquela pequena discussão dos dois.
— E eu fui educada e disse que não. Se continuar me perturbando, vou bater em você.
— Tão agressiva, Gray. Eu gosto.
Kalissa respirou fundo tentando se recuperar do ataque de risos que teve, e isso foi o suficiente para encerrar o assunto. Chris, que estava estranhamente atrasado, se aproximou deles e sorriu um pouco confuso.
— Por que a Kalissa parece que estava prestes a precisar de um médico?
— Você perdeu uma discussão incrível desses dois. — foi tudo o que Kalissa conseguiu responder, ainda puxando o ar para voltar ao normal.
— Aliás, por que está atrasado? — Hanna indagou.
— No caminho pra cá eu passei em frente a uma loja, e vi algo que definitivamente Kalissa adoraria. Demorei porque estava na fila em uma luta incansável com uma garotinha de dez anos pra ficar com o último daquele produto.
Ele estendeu para Kalissa uma caixa que escondia atrás de seu corpo, deixando a garota sem graça. Ela pegou o presente um pouco hesitante, ela se sentia estranha agora que escondia algo de seus amigos e parecia tão errado...
— Não é meu aniversário nem nada, você sabe. — ela comentou enquanto retirava o papel de presente e abria a caixa.
— Eu apenas quis dar isso a você. Sem pressão.
Havia um urso de pelúcia fofo e de tamanho pequeno, parecia ter sido feito com todo cuidado e sua roupinha bordada tinha o nome Thom. Era adorável!
— Diga alguma coisa, você gostou ou não?
Ela sorriu alegremente e abraçou Chris que retribuiu o abraço enquanto ria satisfeito.
— Obrigada, eu adorei. Você é o melhor amigo do mundo.
O sorriso de Chris vacilou, mas ele disfarçou. Eu fui dura demais em dizer isso?
— Ele é o melhor? E eu? Você me odeia, Blacke?
— Não, seu bobo. Vocês são meus amigos, os únicos e os melhores!
— Porém eu tenho um nível avançado de exclusividade. — Hanna se gabou. — Só pra constar.
— Não pense que eu esqueci, Gray. Me deixa ficar com vocês lá um pouco, vai?
O sinal tocou enquanto Liam continuava importunando Hanna que o ignorava, os quatro caminhando para a sala de aula.
— O que tá rolando? — Chris perguntou baixinho ainda sem entender.
— Vou ficar na casa de Hanna um tempo, enquanto minha tia viaja.
— E sua madrinha, não estava aí?
— Ela foi com minha tia, será uma viagem mais demorada e Julie foi acompanhar para ajudar. É um lugar que minha tia não conhece, mas tia Julie sim.
Ele riu.
— Sua madrinha realmente conhece muitos lugares, é incrível.
— É sim...
Kalissa sentiu um olhar em suas costas e virou rapidamente para olhar, encontrando os olhos de Kaizo Morgenstair. Ele estava acompanhado de seus amigos, mas sua atenção estava toda nela, e quando ela virou um sorriso brincalhão e debochado surgiu em seus lábios, seus olhos brilhando com uma estranha malícia de alguém que parecia estar pensando em coisas ruins.
Ele não é humano, sua mente lembrou. Quebrando aquele contato, ela voltou a olhar para frente e entrou na sala ocupando sua mesa de sempre. O professor parecia um pouco atrasado, então os quatro se juntaram para conversar, assim como todos estavam fora de seus lugares.
— Não vamos festejar, Liam. Pare de ser chato. — Hanna repreendeu Liam mais uma vez.
— Talvez seja uma boa, Anna. Poderíamos fazer uma coisa legal entre amigos, assistir um filme. Não precisa ser necessariamente na sua casa. — Kalissa sugeriu e o sorriso de Liam era enorme e radiante.
— Viu? Eu te amo, Lissa. Você é incrível. Vamos Hannie, diga que sim, sim?
Ela suspirou derrotada e assentiu, então Liam a abraçou todo feliz e saltitante.
— As vezes eu realmente duvido da idade do Liam, ele pode ser muito maduro e muito infantil na mesma proporção. — Chris comentou em tom de brincadeira.
— Ou talvez ele só esteja muito afim de passar um tempo com a Hanna. — Kalissa comentou e Hanna olhou para ela com seu olhar mortal. — Ops.
Salva pelo gongo, o professor entra e Chris se senta ao lado de Kalissa como geralmente fazia nessa aula, exceto por um pequeno detalhe...
— Você está no meu lugar, Hook.
A voz de Kaizo era séria assim como sua expressão, totalmente endurecida e o maxilar quase tenso. Toda aquela expressão que ele tinha a poucos minutos atrás quando Kalissa olhou para ele parecia ter sido uma alucinação. Chris, que também não estava nada contente e sorridente como antes se levantou e ambos se olharam de uma maneira estranha e hostil. Kaizo era mais alto que Chris por talvez uns centímetros, mas era intimidador o suficiente para fazer qualquer um se encolher...
Menos Christopher. Ele sequer tremeu ou vacilou enquanto pegava sua mochila.
— Nos falamos depois, princesa. Se cuida.
Havia algo naquele tom de voz que deixou Kalissa um pouco desconfortável, ou talvez fosse o "princesa", ele estava dizendo aquilo de propósito? Ele quase nunca a chamava assim.
Kaizo se sentou e parecia irritado, mas respirou fundo e olhou para Kalissa com aquele olhar novamente, o de antes; suave, divertido e com um brilho diferente.
— Bom dia, bela dama. Dormiu bem melhor depois de aceitar meus conselhos, não?
Ela sorriu.
— Eu realmente sou grata pelo que disse ontem. E peço desculpas também se ofendi você com o meu comentário...
— Shh, está tudo bem desde que não repita aquilo, afinal de contas você também não é muito humana, minha princesa.
Novamente, Kalissa sentiu aquele arrepio ao ouvir essa palavra, mas desta vez era diferente...por que? Por que eu...gostei?
Estou ficando maluca. É isso.
— Um dólar por seus pensamentos. — ele murmurou, pouco interessado na aula.
— Um dólar só? Achei que podia ler mentes.
— E eu posso, qualquer uma aqui, até do seu amiguinho irritante, menos uma...a sua.
— Isso é bom então. — ela comentou distraidamente e Kaizo ficou confuso. Ela sorriu e começou a se explicar: — Ouvir a mente dos outros pode ser útil, mas é bastante caótico na minha opinião. São várias vozes, várias mentes falando dos mais variados assuntos e se você for humano ficaria louco, então deve ser bom ter um pouco de silêncio.
O sorriso de Kaizo vacilou por um momento antes dele sorrir ainda mais.
— Você tem um ponto incrivelmente inteligente, bela dama. Estou impressionado que...me entenda assim.
Mais uma vez, Kalissa sorriu, desta vez ela sorriu tão genuinamente que sentiu uma certa felicidade em saber que havia conseguido dizer algo que realmente tocou Kaizo.
— É bastante fácil falar com você, entender você, me sinto bastante confortável mesmo quando parece um pouco frio e assustador. É estranhamente reconfortante.
Aquilo pegou Kaizo desprevenido, de novo.
— Você está dizendo que gosta de estar comigo?
Ela assentiu.
— Você está falando sério?
Kalissa não respondeu, mas sorriu enquanto fazia suas anotações. A sala estava levemente agitada, e a conversa deles sequer incomodou o professor que continuava escrevendo coisas no quadro negro.
Mesmo sem uma resposta, Kaizo ficou satisfeito em saber aquilo, uma estranha alegria fez com que seu sorriso mais sincero se mantivesse durante toda a aula. Eles trocaram algumas palavras sobre a aula, mas não com aquela frieza de antes, algo estava mudando e Kalissa parecia mais receptiva. Parecia leve.
Estou imaginando coisas, ela apenas está bem por fazer as pazes com sua tia e melhor amiga.
Mas algo estava errado... Onde está... Ah, claro. Christopher fuzilava Kaizo sem qualquer vergonha de encarar e ser pego, ele estava realmente desejando muito que fosse notado, sua raiva era forte e tinha um gosto amargo, mas não qualquer amargo, aquele sentimento não era de ódio e sim rivalidade. Christopher estava com ciúmes.
Interessante...isso fez Kaizo sorrir maliciosamente. Deveras interessante. E isso se estendeu durante toda a aula, as vezes era mais forte quando Kalissa sorria para ele ou quando ele ousava se aproximar mais para ouvir algo que ela tinha a dizer, isso manteve Kaizo entretido e bastante divertido durante aqueles minutos que pareceram horas. Quando o sinal tocou, ele permaneceu sentado e Kalissa começou a guardar suas coisas sem qualquer pressa, como sempre.
— Lissa, vamos logo. — a voz parecia tremer e não soava tão gentil quanto Kalissa esperava. Chris parecia agitado, inquieto e incomodado.
— Calma, eu já vou. Podem ir na frente e guardar um lugar.
Christopher encarou Kaizo que sorriu preguiçosamente para ele deixando-o com mais raiva.
— Você não vai sair daí? Lissa vai passar.
— Lissa tem boca, tem educação e sabe pedir licença. Qual o problema, Hook?
— Você é o meu problema, Morgenstair.
— Justo, considere recíproco.
Kalissa olhou para os dois e suspirou, deixando ambos em uma guerra silenciosa de olhares enquanto saia de fininho dali. Hanna esperava por ela com Liam em sua atividade natural de perturbar a paciência dela.
— E o Chris? — Hanna perguntou assim que ela se aproximou.
— Fazendo birra por sei lá qual motivo com Kaizo Morgenstair.
Hanna e Liam trocaram olhares desconfiados e Liam gargalhou alto.
— Lissa, você é burra ou está interpretando?
— Como é?!
— Chris é apaixonado por você, óbvio que não vai gostar de outro cara rondando no terreno dele.
A reação de Kalissa não era de surpresa, ela sabia que Christopher gostava dela, mas ouvir aquilo novamente e de outra pessoa era muito... desconfortável.
— Vamos deixar claro duas coisas, ok? Primeiro, — Kalissa tinha a voz séria e o olhar frio enquanto apontava o dedo na cara de um Liam assustado — eu não sou o terreno dele. Não sou propriedade de ninguém, e ninguém vai me dizer o que fazer. Segundo, eu acho bom você tomar cuidado com o que diz, eu não vou tolerar certas brincadeiras comigo, Liam Bennett.
— Lissa...seus olhos...
Hanna puxou Kalissa para perto e o choque fez a garota piscar várias vezes como se estivesse acordando de um transe. O que tem meus olhos...?
— Liam, já chega por hoje, ok?
O garoto assentiu e em silêncio praticamente correu para o refeitório sozinho, ele sabia que os outros viriam logo depois.
— Lissa... — ela olhou para a amiga e viu seu próprio reflexo nos olhos claros da garota: seus olhos estavam verdes brilhantes de um jeito anormal, e isso fez Kalissa fechar os olhos por instinto para não ver aquilo. — Essa é a primeira vez que se descontrola. Não pode deixar isso acontecer outra vez, é perigoso, não sabemos o que pode fazer.
— Se eu pudesse escolher, preferia ser apenas uma garota normal e não uma aberração prestes a perder o controle.
— Você não é nada disso, fica calma.
— Calma? Porque não é você quem tem que lidar com coisas que nem faz ideia do que sejam.
— Lissa...
— Eu não quero saber. Me deixa.
Mesmo que não quisesse, Hanna soltou Kalissa que saiu andando para o lado oposto rumo a saída. Tudo parecia diferente agora, seu corpo estava estranho e ela tinha plena consciência de quase ter machucado seu amigo. O que teria acontecido se Hanna não estivesse ali para impedir? O que ela teria feito? Do que ela é capaz?
Maldição. Isso é uma maldição.
— Maldição, com certeza...
Harry Ashgray parecia desinteressado, mas seu olhar era firme e intimidador; sua aparência angelical era reconfortante, mas suas palavras eram duras e diretas.
— Estava lendo minha mente? E me seguindo?!
— Veja bem, não é um trabalho que eu goste, particularmente achava exagerado, mas agora vi que estava enganado.
— Sobre o que? Do que está falando?
— Você é mesmo perigosa, senhorita Blacke. Sequer sabe do que é capaz, mas sua energia e poder não são brincadeira, eu nunca senti nenhum poder assim, é surreal que estivesse adormecido e controlado apenas com um simples feitiço de ocultação.
Como...?!
— V-você disse... — um arrepio subiu pela espinha de Kalissa e ela engoliu em seco. — Você sentiu?
— Todos temos habilidades, e a minha inclui isso. Posso sentir a aura e o poder de uma criatura, seja humana ou não. Eu sinto tudo, menos o seu e o de sua amiga ali. Talvez esteja protegida, ou isso deve ser algo mais difícil de entender, eu estou realmente curioso.
— Fica longe da Hanna.
E então um sorriso malicioso surgiu em seus lábios, apenas o canto de sua boca estava ligeiramente repuxado. O que...?
— Você está me ameaçando, senhorita Blacke?
— E-eu... — diga que sim! — Estou. Você e seus amigos, fiquem longe. Nos deixe em paz.
— Paz? Que paz? Não há paz, senhorita. A guerra está prestes a começar, e infelizmente, você é a única que pode impedir isso. Uma faca de dois gumes, ou você irá impedir isso e salvar a todos...ou...
— ...Ou o que?
— Ou você será a causa da guerra. Você será a arma ou a salvadora? Decida rápido, e reveja bem quem são mesmo seus aliados, alguns não estão nem um pouco afim de ver você bem. Cuidado em quem confia.
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A História de Uma Garota (Livro 1)
FantasyO primeiro livro da trílogia "Escolhidas" ━━━━━━━━》❈《 ━━━━━━━ Kalissa Blacke tinha o mesmo sonho todas as noites, o pesadelo que assombrava e atormentava sua vida desde que conseguia se lembrar. Tudo ficou ainda mais complicado quando se viu em meio...