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Verum Dixit - A Verdade Dita
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A proteção é superestimada, quando em excesso pode fazer com que a pessoa esconda coisas de você com a desculpa de que aquilo é "para o seu próprio bem", o que é impossível aceitar.
Mas Clarice acreditava fielmente que estava fazendo a coisa certa quando começou isso...e agora sentia tudo desmoronar.
   — Eles a acharam. — Hanna murmurou enquanto esperava o próximo ataque.
   — Você acha que foram eles?
Hanna balançou a cabeça negativamente.
   — Há outra pessoa aqui, não reconheço essa aura, mas ela não é nada boa.
   — Um caído. — Clarice sentiu algo na outra noite que Kalissa estava assustada, dizendo ter visto um morcego. Ela sentiu. Estava rondando a casa.
   — Não é o mesmo que estava rondando a casa.
De fato, aquela aura não era a mesma, parecia mais densa e sufocante, mesmo que fosse um caído, ele não era o mesmo da outra noite.
   — Saia das sombras, seu covarde! — Hanna mantinha seus olhos fixos na escuridão da floresta, mesmo que não pudesse ver com clareza absolutamente nada, ela sabia que tinha alguém ali espreitando.
Uma risada ecoou.
   — Eu esperava que houvesse resistência, mas isso é muito mais interessante. Ela está mesmo muito bem protegida, não? É uma pena.
   — Você não vai tocar na minha menina. — Clarice segurava com firmeza o cabo da lâmina afiada, idêntica a de Hanna.
   — Veremos.
Rápido como vento, uma criatura com asas surgiu da floresta e voou para longe, não dava para ver quem, mas aquele com certeza era um Caído. Hanna guardou as lâminas e olhou seriamente para Clarice que suspirou aliviada ao sentir que o perigo se foi.
   — Ele vai voltar, Clarice. — Hanna alertou, falando em voz alta o que seus pensamentos já haviam dito. — Você tem que contar a verdade a ela. Agora.
   — Eu não posso. Ela não vai se lembrar disso, vai ficar tudo bem. Eu vou protegê-la.
   — Não, não vai! Vai morrer e deixá-la sozinha sem saber nem quem é de verdade! Isso é egoísta, não está dando a ela a chance de viver a vida como deve ser, você não pode evitar o destino. Além disso, este feitiço pode trazer consequências graves para ela, já está sendo usado há quase 18 anos. Os pais dela já usavam antes, e funcionou para eles?
   — Chega! Você não vai me dizer o que fazer! Nem você, nem Lucian, nem Julie e nem ninguém!
Clarice voltou para dentro da casa, furiosa, e Hanna respirou fundo sentindo o quanto havia passado dos limites desta vez. As chances de que Clarice deixasse ela ver sua amiga de novo eram mínimas agora, e muito provavelmente iriam se mudar novamente. Fugir.
   — Chegamos muito tarde?
Hanna sacou a lâmina tão rápido quanto o garoto se esquivou, defendendo com sua própria, causando um som incômodo.
   — Ah, são vocês. Como...?
O garoto sorriu de uma forma debochada.
   — Como conseguimos ver através do feitiço que colocaram na garota? Simples, da mesma forma que ele conseguiu. Está fraco, o sangue dela é mais forte e está começando a repelir o feitiço.
   — Como...?
   — Ah, fui eu quem descobriu isso. Não precisa me parabenizar, foi fácil.
Hanna revirou os olhos ignorando o outro.
   — O que querem, um prêmio? Tentar fazer o mesmo que o outro?
   — Há muitos anos recebi uma missão, e venho buscando por ela desde então. Quando soube do seu nascimento, me apressei em ir até ela, mas chegando lá não encontrei ninguém. Clarice fugiu com a garota e me deu um baita trabalho para encontrá-las de novo.
   — Missão? De quem?
   — Nós podemos ficar aqui fora, ou seremos convidados a entrar?
A garota olhou novamente para a casa de Kalissa e sentiu raiva de Clarice. É óbvio que ela não deixaria eles entrarem.
   — Venham comigo, minha casa é logo ali e poderão me explicar o que está acontecendo. — ela olhou para os dois gêmeos e sorriu. — Vocês não. As proteções impedem que entrem, desculpe-me.
   — Não se preocupe. Ficaremos aqui para vigiar em caso de uma emergência.
   — Ótimo. Venham comigo.

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Kalissa abriu os olhos e sentiu como se tivesse levado uma paulada na cabeça, seu corpo também doía e ela se sentia febril. Já era dia, e ela não se lembrava de como tinha ido parar no quarto, nem quando fez isso, também não se lembra de ter tido pesadelos ou do despertador tocar.
Merda. A escola!
O relógio marcava oito e quarenta e cinco da manhã, e Kalissa xingou enquanto chutava os lençóis para se levantar.
   — Querida, fique calma!
Sua tia correu para impedi-la de levantar, deixando antes a bandeja com café da manhã em sua mesinha de estudos.
   — Mas a escola...
   — Não se preocupe, eu avisei que iria faltar. Você está com febre. — ela explicou calmamente e Kalissa ficou sem reação. Desde quando estou doente? — Eu trouxe seu café e um remedinho.
   — Eu... — ela queria perguntar o que tinha acontecido, mas estava sentindo uma confusão em sua mente. Ao invés disso, ela disse: — Obrigada.
   — De nada, querida. Tome seu café, o remédio, fique quietinha aí e descanse.
   — Tá bem... — ela concordou enquanto sua tia colocava a bandeja em seu colo. — Onde está a tia Julie?
   — Ah, ela queria fazer chá para você, então aproveitou e saiu para comprar algumas coisas.
Tudo parecia normal, mas Kalissa se sentia estranha. Havia um vazio em sua mente, uma nevoa cobrindo alguma coisa, ela sentia isso. Mas o que?
   — Estarei na cozinha, qualquer coisa grite.
Ela assentiu e Clarice beijou o topo de sua cabeça antes de sair e deixá-la sozinha. Kalissa olhou em volta e se sentiu perdida, e enquanto tomava seu café ela tinha certeza de que estava esquecendo algo importante. Seu quarto estava arrumado, mas ela não lembrava de ter feito isso, e se fez não lembrava de quando ou como. O dia anterior parecia uma nevoa, estava tudo bagunçado e sua cabeça doeu quando tentou se forçar a lembrar.
O que há de errado comigo? Eu sequer me lembro de por quê estou doente.
Um pássaro com lindas penas escuras entrou no quarto e pousou na cama de Kalissa, deixando cair um bilhete preso em sua perninha.
   — Oi amiguinho. Eu nunca vi você, de onde trouxe isso?
A caligrafia no bilhete não era familiar, mas ao ler ela sentiu seu coração acelerar.

A História de Uma Garota (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora