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Mente aberta e coração decidido.

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O olhar de Harry Ashgray causava um certo medo em Kalissa, mesmo com um rosto angelical e aparentemente gentil, o garoto tinha a capacidade de deixar alguém realmente assustado.
   — Pare com isso, Haz. Sabe que o Kai não gosta que faça isso com a garota.
A voz doce e suave era de Valentin, um dos gêmeos e parte do grupinho estranho de Kaizo Morgenstair. O garoto tinha um sorriso que parecia amigável, mas passava a sensação de alerta como um bicho selvagem prestes a atacar. Junto dele estava sua gêmea, a garota inexpressiva Valerie. Ela tinha um olhar um pouco vago, seu rosto não demonstrava interesse tampouco divertimento. Ela definitivamente não é normal. Nenhum deles é.
   — É feio encarar os outros. — Valerie repreendeu Kalissa que desviou o olhar. Ela tinha uma voz monótona, porém firme, e sequer estava olhando para Kalissa.
   — O que vocês são?
   — Nós? Somos criaturas belas e encantadoras, não vê? — Valentin brincou enquanto Harry revirava os olhos com deboche. — Somos Herdeiros das Sombras, garotinha. Criaturas com a capacidade de matar até mesmo um rei.
   — É mesmo? — Kalissa debochou, Harry olhou para ela com uma sobrancelha levemente arqueada tentando entender aquela reação. — Então por que eu devo acabar com a tal guerra? Se existem criaturas tão poderosas como vocês, por que eu devo me sacrificar por vocês?
A pergunta foi como um soco no ego de Valentin que deu um passo para trás e engasgou, incrédulo e afetado com a coragem de Kalissa. Harry pela primeira vez sorriu, ele parecia ter gostado da resposta, mas seu amigo estranho não.
   — Como ousa?!
   — A garota tem razão, irmão. — Valerie interrompeu o irmão e se aproximou, tocando seu braço com delicadeza. — Apesar de insolente, ela tem razão. Não somos nada quando o assunto é aquele homem.
   — Nem mesmo os bonitinhos do céu podem com ele sem a ajuda de Kalissa. Patético. — Harry comentou reforçando o que Valerie disse.
   — A propósito... — os olhares se voltaram para ela novamente — Quem é ele? O que tanto temem.
   — Seu nome não deve ser dito, ninguém tem coragem. — Valentin murmurou fechando sua mão em um punho. — Aquele maldito homem que pretende destruir tudo por um coração partido.
   — Um coração partido para nós humanos é bastante doloroso, sabiam? — Kalissa rebateu. — Não sei bem como é para vocês criaturas desse mundo confuso, mas quando amamos de verdade pode ser bastante doloroso se decepcionar ou ser enganado. Há pessoas que morreriam por isso, ou matariam. No mundo, existem sentimentos fortes como raiva, tristeza, dor emocional e amor. Esses sentimentos...eles são muito fortes, podem fazer a melhor das pessoas mudar completamente. É muito poderoso.
Os três olharam para ela sem uma reação que pudesse ser compreendida. Havia um misto de emoções em suas expressões, mas pareciam surpresos com o que ela dissera.
   — Você é muito humana, Kalissa Blacke. — Harry foi quem falou primeiro, quebrando o silêncio constrangedor. — E também é uma de nós, do nosso mundo. Agora entendo porquê é você quem tem essa missão.
Eu...eu sou uma deles também...e sou humana...
Agora tudo isso fazia um pouco mais de sentido.

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A casa de Hanna era aconchegante, grande demais para uma pessoa só, mas assim que entrou e fez um devido tour entendeu o motivo; a casa era projetada para armazenar armas, equipamentos, havia uma sala enorme de livros sobre todos os assuntos que Kalissa desconhecia, também havia uma enorme sala de treino. Não era uma casa, era uma espécie de fortaleza, cheia de segredos.
   — Isso explica muito todas as vezes que negou minhas visitas e as dos meninos, ou até mesmo ter recusado tanto Liam vir aqui hoje. — Kalissa comentou enquanto olhava atentamente para uma espécie de arma de flechas.
   — Seria um problema explicar isso pra eles, e depois relatar tudo... — ela suspirou, — eu seria advertida por contar as coisas para humanos.
   — Relatar? Pra quem?
   — Pra resumir, eu preciso relatar tudo o que faço de perigoso para o "chefe" — ela fez aspas com os dedos, — ele é o responsável pelos Caçadores daqui. Estou sob os cuidados dele, e você também, pelo menos enquanto eu estiver aqui.
   — Todos estão mesmo apreensivos comigo, não é? — Kalissa olhou para seu reflexo numa lâmina brilhante e estranhou o cabelo vermelho, os olhos verdes, um visual diferente do que estava acostumada e se lembrava. — E eu estou no meio disso tudo sem saber o que fazer ou para onde ir.
Hanna abraçou Kalissa e sentiu o coração apertar com aquela confissão. De fato, tudo estava acontecendo de uma vez, e para alguém criado com outra verdade era bastante difícil aceitar aquela enxurrada de fatos como uma verdade verdadeira e absoluta.
   — Você está lidando bem, está fazendo um bom trabalho absorvendo tudo isso no seu tempo, e não se preocupe com os outros. Eu fui escolhida para manter sua segurança e é isso que vou fazer, eu não vou deixar ninguém pressionar você.
As duas se abraçaram e Kalissa sentiu os olhos ardendo pelas lágrimas que se recusaram a cair. Hanna não era apenas uma pessoa qualquer que estava ali para garantir que ela ficaria viva para cumprir sua missão, ela era mais do que isso... Era sua amiga, uma irmã. Sua família.
   — Obrigada por estar comigo.
   — E eu vou estar até o fim, até onde minhas forças aguentarem, estarei com você Lissa. Conte comigo sempre.
   — Eu já estou contando.
E dizer aquilo causou uma sensação enorme de paz, saber que teria Hanna por perto deixava seu coração mais tranquilo. Eu preciso aprender tudo que puder sobre esse mundo, farei valer a pena os esforços de todos.
Eu vou fazer isso.

A História de Uma Garota (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora