há felicidade depois de mim, e há felicidade por causa de mim

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oi, tudo bem?

como este é o último capítulo, as notas de agradecimento por ele estarão no final.

espero que esteja do agrado de todos. :)

***

Você já ouviu falar na sensação que temos quando sofremos algo tão profundamente perturbador para a nossa mente e corpo, que isto nos faz congelar a ponto de acabarmos presos para sempre no mesmo lugar em que tudo aconteceu? Como se alguma força nos levasse, toda vez, ao mesmo ponto em que todas as coisas desmoronaram? Exatamente onde quem amamos nos deixou?

Stenio experienciou cada partícula daquela específica sensação, no exato minuto em que assistiu à imagem do médico de Heloísa lhe chamando para fora do apartamento onde a esposa repousava, desacordada, com os olhos fechados e os ossos debilitados, logo após levar um tiro no ombro.

Ele ficaria para sempre naquele quarto, assombrando e sendo assombrado pelo canto em que seu corpo permanecia agora.

O silêncio parecia ser o mais doloroso. Entre as respirações presentes no cômodo, as máquinas eram o que promoviam mais barulho. Elas chacoalhavam, zuniam, apitavam e relembravam o que estava acontecendo naquele pedaço de mundo. Enquanto o mundo de Stenio Alencar desmoronava, as malditas faziam questão de se fazerem presentes. Ativas.

Ainda assim, mesmo com toda a orquestra robótica dos aparelhos hospitalares, era possível ouvir no ambiente um simples grampo de cabelo cair.

E que visão triste era – certamente algumas pessoas que estivessem pelos arredores do hospital, comentariam algo a respeito –. Não tinha como não lamentar pela imagem de um pai, com dois filhos para criar, esperando a sua mulher adormecida de um procedimento por um acidente tão trágico acordar. Não tinha como não lamentar a cena de um homem apaixonado tendo o seu coração dilacerado pela perda total de suas esperanças.

O advogado não soube como encontrou forças para se afastar da cama de Helô e arrastar seus pés em direção à saída. De início, antes de começar a se mover, ele quis na verdade congelar o momento para sempre ao lado dela, ainda que a mulher de cabelos acobreados não pudesse lhe ouvir. Com os lábios tremendo e a coragem se esvaindo de seus ossos, ele quis ficar perto do corpo frágil da delegada, promovendo o calor que sabia que ela precisava.

Mas ele tinha consciência de que necessitava ouvir o cirurgião. Para o bem dos seus filhos, ele precisava estar presente.

Caminhou a passos vacilantes na direção da porta, virando-se vez ou outra para checá-la. Sentia as pernas tremendo enquanto o piso rangia sob os seus pés. Ao mesmo tempo em que agarrava a sua própria morte – não a literal, mas a morte significativa pelo vazio que ficaria em seu corpo ao ver Helô partir –, Stenio pensava em quantas vezes não tinha tido aquele medo de perdê-la para sempre. Quantas vezes não tinha se visto repetindo cada um de seus passos e, com isso, repetido as mesmas cartas do passado?

Quantas vezes tinha perdido tempo longe da mulher que amava, por não conseguir entender cada um dos sinais dela?

A dor dilacerante recomeçou em ciclo. Ele se forçava a ir enquanto sua mente ficava presa nela. Na mulher feliz que um dia ela fora, na mãe zelosa que havia se tornado para os seus filhos.

Como isso poderia ter acontecido, e por que justo com ela?

De repente, veio o sentimento de raiva. Alencar parou de andar e se virou bruscamente, as orbes fixas de uma hora para a outra na Heloísa deitada entre os lençóis do leito. Aquilo não era justo. Não era certo. Não a sua Helô, que no final das contas, tinha lutado tanto por eles. Pelo amor que ela ainda via neles dois. O destino não podia simplesmente se encarregar daquela tragédia, ignorando tudo o que ela havia feito para se inserir na vida dos filhos.

chuva da meia noite (steloisa)Onde histórias criam vida. Descubra agora