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O barulho de conversas, música alta e gargalhadas espalhafatosas eram ouvidas com clareza, mesmo que a porta do quarto de Lily-Rose estivesse trancada. Sua mãe estava viajando, e seu irmão havia decidido dar uma festa de última hora. Normalmente Lily seria a primeira a apoiar e ajudar a organizar, mas não foi o que aconteceu.

Primeiro ela foi contra, disse que não estava afim de ver ninguém, não queria sequer saber que haviam pessoas bêbadas perambulando por sua casa e vomitando nos jarros de flores de sua mãe. Tentou de tudo, brigou na tentativa de fazer Jack esquecer aquela ideia, mas não conseguiu. Ao invés disso, teve que se contentar com a lacrada seca que levou de seu irmãozinho: "Você sempre fez festas, independente da minha opinião ou do quão sem paciência eu estava. São meus amigos, e eu quero dar uma festa. E você me deve isso por todas as vezes que eu te acobertei."

Agora ela estava trancada no quarto, tinha feito do cômodo seu covil. Duvidava que aquela festa durasse mais que 12h, mas ainda assim tinha comida e água o suficiente para um mês, mesmo que não estivesse com nenhum apetite. Além do mais, tinha um banheiro no quarto, então não precisaria dar as caras tão cedo. Ainda assim, estando absolutamente desanimada e deixando isso bem claro para todos que ousassem cruzar seu caminho, pôde ouvir Jack bater na sua porta e chamá-la para se "divertir" pelo menos umas cinco vezes. Lily, é claro, ignorou.

Ela não fazia por mal, quem dera pudesse controlar seu péssimo humor nas últimas semanas. Desde que descobriu sobre Emma e seu pai, a loira passava a maior parte de seus dias completamente dissociada da realidade.

Achou que o golpe fatal havia sido receber a informação de que eles estavam juntos, mas não foi. O que mais doeu foi descobrir, mais tarde, que todos sabiam, menos ela. Jack tinha uma vaga ideia do que estava acontecendo, Vanessa sabia de tudo. Até mesmo Marilyn já sabia, e ele sequer estava presente em tempo integral. Lily se sentia enganada, deixada de lado. Ela se sentia a peça menos importante de um jogo, completamente descartável. E aquela sensação era o que a deixava entre a vida e a morte; Seu coração com certeza ainda batia, mas não significava que ela estava viva. Era como se tivesse criado seu próprio mundinho confortável e seguro dentro de sua cabeça, e agora simplesmente não via sentido algum em sair de lá.

De uma hora para a outra, todo o mundo de Lily-Rose parecia ter perdido a cor. Todas as coisas que ela antes considerava serem tão interessantes, tinham perdido completamente a graça. Tudo estava chato. Desde modelar e fazer compras, até comer e tomar banho. Em sua cabeça, não havia mais sentido em se esforçar para fazer qualquer coisa, era como se toda a alegria tivesse sido sugada de seu corpo. Não restou nada. Agora ela era um grande vazio.

A loira respirou fundo quando ouviu o que parecia ser alguém vomitando no corredor, bem próximo da porta de seu quarto, e contou mentalmente até dez. Jack estaria ferrado quando Vanessa descobrisse, mas isso já não era mais de sua conta, afinal: Ela não compactuou.

Ela levantou-se do chão com seu edredom sobre os ombros e lançou-se na cama, se encolhendo e fechando os olhos. Em qualquer outra circunstância, a música estaria alta demais para qualquer ser humano conseguir pegar no sono, mas para Lily, que já sentia a fraqueza proveniente de três dias sem comer invadindo seu corpo, foi absurdamente fácil adormecer.

Não houveram sonhos, apenas a escuridão e o silêncio. Pareceu durar apenas alguns minutos, mas quando abriu os olhos e percebeu o teto diferente, o tom esbranquiçado e mórbido do cômodo, e sentiu a mão quente de sua mãe envolvendo a sua enquanto parecia fazer uma prece silenciosa, Lily percebeu que talvez tivesse extrapolado. Talvez tivesse negligenciado o seu histórico de transtorno alimentar, e levado seu corpo ao extremo que ela jurou que jamais levaria. E o pior: Dessa vez a intenção não era a magreza. Dessa vez ela não se forçou a fazer jejum, ela simplesmente não conseguiu comer. As horas se tornaram dias, e ela perdeu a noção de quanto tempo exatamente ficou sem ingerir qualquer alimento que fosse.

E agora ela estava vivendo mais uma vez a cena que jurou a si mesma que não reviveria. Sua mãe, inconsolável. Os médicos preocupados. Seu irmão irritado. Seu pai parado ao pé da cama sem saber exatamente o que dizer. Mas algo estava diferente...
Sentiu falta de Emma lhe abraçando e dizendo que não importava o que acontecesse, ela sempre estaria ali.

Ela fechou os olhos com força quando todos saíram do cômodo depois de um sermão em grupo, como se aquilo fosse ajudar em alguma coisa. Lily achou que estava finalmente só, mas sentiu o colchão afundar ao seu lado e o cheiro de tabaco invadir suas narinas. Ao abrir seus olhos, viu seu pai a fitando em completo silêncio, mas havia pesar em seus olhos cansados.

— Espero que saiba que não tem moral alguma para dar sermão dessa vez. — Foi a primeira coisa que a loira disse, com a voz fraca e falha, percebendo que já fazia um tempo que não dizia nada.

Johnny assentiu com a cabeça e respirou fundo.

— Espero que saiba que sua raiva não vai diminuir a preocupação que sinto por minha filha.

Aquilo era golpe baixo.

Lily sentiu seu estômago contorcer, e a garganta fechar. Ele não podia simplesmente entrar ali e dizer uma coisa dessas, fazia parecer que sua raiva era infundada.

— Emma está preocupada com você.

— Dispenso a preocupação dela. — Foi ríspida, virando o rosto para o lado. Não estava afim de encara-lo.

Johnny observou sua filha por mais tempo do que pretendia. Estava em absoluto silêncio. Seria mentira dizer que sabia o que falar naquela situação. A ideia de que Lily podia estar voltando para seus antigos habitos o assustava profundamente, aquela havia sido uma das fases mais sombrias das quais já passaram. 

— Essa situação já se estendeu por tempo demais. — O mais velho se pronunciou, chamando a atenção de sua filha de volta para si. Ele estava fazendo o que Lily chamava de "voz de pai", e só fazia aquilo em momentos realmente sérios. — Julguei que você seria capaz de lidar com isso sem minha intervenção, mas não é. Vocês duas não são. 

Lily abriu a boca para refutar, mas desistiu. 

— Está na hora de resolver essa situação, e não aceito negativas a respeito disso. Por bem ou por mal, vocês vão conversar sobre o que aconteceu. 

— Nós já conversamos. 

— Conversar de forma civilizada. — Lily-Rose revirou os olhos e cruzou os braços como uma criança. — Vou mandar Emma entrar. 

— O que?! — A loira praticamente gritou, arregalando os olhos. — Agora? Vamos ter essa conversa agora? 

Mas Johnny não respondeu. Ao invés disso, ele foi até a porta e a abriu. A figura de Emma apareceu ali logo em seguida, com a cabeça baixa e os ombros encolhidos. Por um segundo o mundo de Lily parou, ela prendeu a respiração e desejou que desmaiasse. Não queria lidar com aquilo, pelo menos não agora. Precisava de mais tempo para organizar seus pensamentos, era cedo demais. Mas nem todas as suas rezas silenciosas foram capaz de livra-la daquele momento. 

Emma ergueu a cabeça e lançou seu olhar sobre sua melhor amiga, ela tentou esboçar um sorriso, mas seria mentira dizer que conseguiu. 

— Oi, Lily. 

daddy issues; Johnny DeppOnde histórias criam vida. Descubra agora