JiSung ocupava uma cadeira em volta da grande mesa. Variedades de comidas estavam postas em sua frente, contudo, ele não tinha tocado em nada.
Da outra ponta Bang Chan se levantou, sentou ao lado da quina onde o menino estava. Semelhante às criadas queria saber como JiSung tinha se machucado:
— Me falaram que você estava mentindo.
As criadas consideraram uma mentira. Era improvável existir um menino fantasma, um menino mascarado que estava em seu quarto. JiSung também não quis convencer Bang Chan, afinal, qualquer outra desculpa soaria mais real:
— Eu tentei pegar um caixote.
As palavras eram falsas. Uma criança como JiSung não conseguiria arrastar uma daquelas enormes caixas. No entanto, Bang Chan fingiu aceitar, não persistiu. Se não tinha a confiança de JiSung, deveria a conquistar.
JiSung remexeu os talheres. O barulho do atrito entre a peça de prata na porcelana ecoou para a sala, ecoou nos ouvidos de Bang. Ele olhou para o prato vazio, percebeu que o príncipe não tinha comido ainda. Teve uma ideia:
— Em vez de jantarmos aqui... Estava pensando em te levar para o centro da cidade. É o festival da Décima Segunda Lua Cheia... Mas acredito... que você prefira descansar?
O príncipe exclamou: — Não! — como se estivessem lhe privando de seu maior desejo.
O garoto mais velho riu, achou que o príncipe gostava de festivais, mas o outro menino nunca esteve em um. Qualquer lugar seria melhor do que voltar para seu quarto, estar o menino mascarado, o menino que a pouco tempo tinha tentado lhe matar.
Bang Chan levou o príncipe para o festival da cidade. Comprou alguns doces para JiSung, tentava o conquistar. Se o desconforto existia, não houve mais: o príncipe se mostrou uma criança muito falante, muito agitada. Mas não era pelas guloseimas. Era pelos comerciantes que vendiam produtos mirabolantes, coloridos e chamativos, pelas dançarinas que performavam ao ar livre, em belos vestidos rosados, pelos musicistas que tocavam um bom som. Pelo cheiro de comida fresca...
Era pela magia que aquela cidade exalava e pelos magos com luzes azuis em seus peitos, um mais brilhante que o outro. JiSung estava maravilhado com tudo, nunca pôde sair do castelo e andar tão livremente em meio a tantas pessoas...
— Está ficando tarde. O que acha de irmos embora?
JiSung concordou com Bang Chan, se arrependeu quando chegou em casa. Tinha se esquecido: o menino mascarado ainda estava em seu quarto, agora deitado, ocupando um dos lados da cama.
JiSung pediu para dormir em outro cômodo, entanto, Bang insistiu que ele esperasse alguns dias, tempo até que o quarto principal fosse mobilhado.
Assim, quando as luzes foram apagadas, o príncipe jogou o travesseiro no chão. Preferia passar a noite deitado na superfície gelada. Foi o que fez, mas quando acordou pela manhã, estava sobre o colchão macio.
Bang Chan ia conferir se o menino dormia bem. Em certas madrugadas o encontrava no chão, outras o via dormir tranquilamente na cama.
O menino mascarado esperava, e quando demoravam para colocar o príncipe na cama, a criança fantasma decidia por si mesma carregar JiSung no colo, o colocar na cama e o cobrir com o lençol...
Bang Chan não entendia o porquê do príncipe estar fazendo aquilo. Seria sonâmbulo? Estava tendo problemas de sono?
— Por que você está dormindo no chão?
O Bang tinha até mesmo conferido na extensa lista de hábitos da criança. Desconsiderou ser uma mania estranha e sim um caso clínico.
JiSung não precisava de um médico, um curandeiro. Pediu desculpas, prometeu não dormir no chão, nunca mais fazer isso.
— Suas aulas começam amanhã. Você precisa estar descansado.
O príncipe voltou para o colchão, sem olhar para o menino mascarado, sem conversar com ele. Manteve-se distante.
Passou a ver menos o garoto. As aulas tinham começado e um dia após o outro JiSung gastava metade do dia reunido com um mestre e um grupo de meninos da mesma idade.
Gradativamente, o pequeno Ji Sung adquiria novos conhecimentos, lia diversos livros, decorava novos feitiços, mas não conseguia avançar se não podia aplicá-los em prática.
As crianças estranharam, até mesmo outros adultos. Se JiSung tinha o sangue da realeza, a magia já estava instituída em seu peito. Entanto, até os feitiços mais simples, o príncipe não conseguia realizar.
— Por que você acha que ele está aqui? É por isso que o rei o desertou, ele não têm seu sangue, ele não é seu filho.
Escondido atrás de uma árvore, JiSung ouvia os meninos. As palavras desferidas pelas crianças atingiram seu pequeno coração. O príncipe deixou cair algumas lágrimas e naquela tarde se isolou, se trancou em seu quarto e não quis ao menos jantar.
Deitou na cama. Chorou. Acreditou que aquelas crianças tinham razão. Nunca tinha visto seu pai, porque ele não queria o ver, porque não era seu filho...
Passou a noite chorando até os olhinhos secarem, até sentir o vazio...
Ali, tão solitário, o príncipe se virou ao outro lado da cama, onde outra pessoa também estava deitada. Pelo brilho do luar invadindo o quarto, a silhueta do outro garoto podia ser vista.
Era o menino mascarado. JiSung não tinha se dado conta.
E naquela escuridão parcial, o príncipe viu uma luz, uma energia emanar do corpo ao seu lado.
O menino fantasma tinha uma aura. Vermelha.
Vermelha.
JiSung ficou desacreditado. Somente algumas vezes via aquela cor: quando se olhava no espelho, quando via dentro de si mesmo. Acreditava que o vermelho pertencia àqueles que não tinham magia, porque nunca tinha visto em mais ninguém. Mas dentro do fantasma a cor brilhava como uma estrela.
E parecia quente, como fogo.
JiSung levou a mãozinha em direção às costas do menino de preto. Mas o menino estava acordado e rapidamente se virou para JiSung. O príncipe recuou, abaixou a mão. Mas não ocultou sua curiosidade. Se não podia tocar queria ver, entender porquê ela era tão brilhante.
Era brilhante.
A magia dentro do menino mascarado se espalhava pelo corpo dele. Era seu centro, como um coração. Aquecendo ele, o mantendo vivo.
— Por quê? — JiSung desejou que o vermelho dentro de seu corpo também fosse grandioso. — Você domina magia... Como? Aprendeu sozinho?
O menino de preto balançou a cabeça. Afirmou que sim.
O príncipe viu uma oportunidade:
— Você pode me ensinar? Me ensine... — estava desesperado. — Eu vou embora! — sentou na cama. — Se você me ajudar, poderei ir embora, e esse quarto vai ser todinho seu. Só seu!
JiSung viu o menino de preto se levantar e as lanternas se acenderem. Ele caminhou até a escrivaninha, sentou-se, colocou tinta na caneta bico de pena e começou a escrever.
O príncipe não entendeu o que acontecia. Esperou até o menino terminar e o papel que escrevia flutuar em direção a cama. E com a caneta também no ar, JiSung os pegou.
— O que é isso? — leu ligeiramente centenas de palavras. — Um contrato? Por que tantos termos? Se eu só assinar isso, você vai me ajudar? Vai me ensinar?
JiSung viu o menino balançar sua cabeça, para cima e para baixo.
— Certo — JiSung se levantou da cama, colocou o papel sobre a escrivaninha, escreveu seu nome...
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Minsung - Espectro Vermelho
RomanceQuando o príncipe fechava os olhos sentia a aura de um homem deitado ao lado, em sua cama. O fantasma de aura vermelha afagava os cabelos de JiSung até que esse estivesse em sono profundo.