Transcender

1- Megan

Meus olhos pesavam de sono enquanto lia mais uma vez os documentos do caso sozinha na sala de computadores. Já haviam se passado semanas e nada ia pra frente ‘’eu devo ter perdido algo’’ era o pensamento que me consumia ultimamente, mas ainda não achei o meu erro. O caso era para ser simples, um zumbi de sangue aparecendo no cemitério Santa Maria, mas chegando lá encontramos vestígios de um culto e símbolos espalhados por túmulos aparentemente sem nenhum critério.
A luta contra os zumbis de sangue foi vergonhosa e precisei de ajuda para lutar contra o monstro mais simples e idiota. Agora tenho que compensar na investigação, já passa das três da manhã e ainda não foi suficiente, mas posso sentir minha visão falhando pelo cansaço.

Agatha vai me matar se eu virar a noite de novo então decido ir pra cama e amanhã eu termino "não vai fazer diferença mesmo". Desligo o computador e guardo todos os documentos apressada para voltar ao quarto que dividia com Agatha. Mesmo cambaleando de sono fiz meu caminho até a sala de rituais sem ser notada.

Não era incomum que a Agatha deixasse rituais ativos ou elementos espalhados, mas hoje ela se superou. Quando entrei na sala o símbolo do ritual de transcender estava ativo e pra piorar Estripador, meu coelho de pelúcia, estava no meio dele. Poderia ter ignorado e seguido para cama, mas não consigo dormir sem ele não sou forte o suficiente para enfrentar os pesadelos. De qualquer forma nem seria tão difícil era só pegar e sair sem focar em transcender "como pegar doce de criança".

Fui em direção ao símbolo, minhas mãos tocaram a pelúcia de Estripador quando minha visão ficou preta e meus sentidos sucumbiram à escuridão silenciosa do paranormal. Visões logo vieram à minha mente, mas não faziam sentido algum mostravam o começo e o fim de ciclos, plantas crescendo e morrendo, lagartas virando borboletas, chuva caindo e voltando a evaporar, sempre mostrando que tudo precisa de um fim.

Fim, essa palavra faz sentido agora, fim o destino necessário de tudo, todas as coisas precisam de um fim. FIM.FIM.FIM.FIM.FIM.FIM.COMEÇO.
Meus olhos se abrem e eu me levanto em um salto, tudo gira em espirais ao meu redor e o mundo parece mais lento "deve ser o sono só preciso dormir algumas horinhas". E assim fiz, entrei em silêncio no quarto mesmo sabendo que Agatha não acordaria nem com uma explosão. Desabei meu corpo na cama e dormi na mesma hora sem nem me importar em trocar meu macacão por pijamas. Os pesadelos começaram logo depois que meus olhos se fecharam.
Sempre as mesmas memórias, a floresta em chamas, meus pais gritando por ajuda, a voz da Agatha ecoando assustada pela floresta gritando palavras impossíveis de se identificar, ‘’É culpa sua, você podia ter salvado eles, podia ter evitado TUDO’’ uma voz reverbera por toda a minha mente. Flashes desgovernados inundam meus pensamentos de uma só vez congelando meu corpo, o ar se torna pesado e escasso em meus pulmões. Quando meus olhos finalmente se abrem estou suando com o coração disparado ainda sem conseguir respirar direito e o mundo todo parece se contorcer ao meu redor como se ainda estivesse sonhando.

Quem me dera ser um sonho, assim que me levanto em direção ao banheiro para lavar o rosto vejo um reflexo novo no espelho, essa não sou eu. não poderia ser poderia? Com essa pele acinzentada e meus olhos, meus lindos olhos castanhos agora estavam completamente pretos. Não pude me conter e o desespero tomou conta de mim, só me lembro de correr.

Quando me dei conta já estava fora da ordem encostada do lado de fora do bar ofegante por ar. Eu tinha transcendido, Agatha me falava sobre isso a meses mas me recusei a aceitar parte do outro lado dentro de mim, afinal meu corpo é um templo. Ou era porque agora não importa mais eu me tornei essa abominação monstruosa, posso sentir o paranormal em minhas veias clamando por medo.

      -Megan espera aí- consigo ouvir uma voz familiar se aproximando- O que deu em você garota são 4 da ma….Megan?
           O olhar de Agatha trava em meus olhos agora cobertos de preto e minha pele acinzentada.
      -Você fez- Seu tom era alegre e orgulhoso- Eu sabia que uma hora você iria se entender com o outro lado.
      -Me entender com o outro lado? Então me tornar essa abominação é me entender com o outro lado? OLHA BEM PRA MIM AGATHA!!

Não sou capaz de conter minha raiva nesse momento e minhas palavras saem mais frias que o planejado. O sorriso que antes se via presente no semblante de Agatha agora sumiu.

     -Meg se acalma eu…
     -VAI EMBORA!- Interrompo sem a mínima vontade de ouvir sermão agora- Você deixou aquele símbolo maldito na sala, você armou tudo aquilo é tudo culpa sua!

Ela se vira e volta pra dentro e sem energias para discutir não tento continuar seja lá o que isso foi, mais tarde eu resolvo. Meus dedos passavam furiosamente pelas mangas do meu macacão até quase queimar a pele, tudo se torna de mais no momento e é como se eu pudesse sentir cada fio de cabelo, cada sussurro até as batidas aceleradas de meu coração parecem ensurdecedoras. Arrependimento. Medo.Raiva. Culpa, culpa por ter me tornado isso e mais ainda por ter falado todas aquelas coisas pra Agatha.

Todos esses sentimentos me cegam e eu não percebo quando uma van branca se aproxima rápido demais, também não vejo os homens encapuzados saírem dela até que seja tarde.

     -Megan!- Posso ouvir Agatha chamar meu nome à distância mas é inútil tentar lutar quando sinto o metal de uma agulha perfurando meu pescoço. O mundo fica turvo e a escuridão toma conta.