Transcender

12- Veríssimo

Quando assumi o cargo de Veríssimo deixei muitas coisas de lado, inclusive meu próprio nome. Desde o começo sempre soube dos riscos que esse trabalho exigia e de como seria difícil lidar com as perdas que cercam as batalhas. Perdi agentes, conhecidos, pessoas inocentes e amigos.

Uma coisa que prometi a mim mesmo quando aceitei ser o Veríssimo foi de não me apegar a nenhum agente, pode parecer frio de minha parte, mas com o tempo as perdas se tornam tamanhas que fica impossível seguir em frente. Segui bem durante muito tempo com essa promessa até Agatha aparecer, ela era apenas uma garota que foi forçada a crescer rápido demais após a prisão da mãe. Acolhê-la na Ordem é algo que jamais me arrependerei de fazer, mas diferente do que muitos acreditam não a vejo como minha filha ou algo do tipo. Agatha é uma garota muito talentosa que conseguiu estudar o paranormal, escolheu usá-lo para o bem e como qualquer adolescente merece uma chance de viver.

Demorou para todos da Ordem aceitarem a presença de uma adolescente ocultista ainda, mas logo viram o quão valiosa ela é. Pensei que Agatha seria um caso isolado e nunca se repetiria até que Megan apareceu.

Seus pais foram agentes durante mais de 10 anos, trabalhavam em uma das minhas melhores equipes de elite. Devido a uma perseguição de um grupo de exoterroristas a membros próximos de agentes de alta patente como forma de desestabilizá-los, Megan foi aceita na Ordem com apenas 15 anos na tentativa de protegê-la.

Em pouco tempo a garota se mostrou interessada em ajudar e se destacou na área de investigação resolvendo antigos casos por conta própria. Ela tinha um futuro brilhante pela frente, um futuro que foi esmagado pelo paranormal com a morte de seus pais em uma missão. Não posso mentir, quando a vi destruída física e mentalmente com o corpo marcado com cicatrizes que a lembrariam diariamente do acidente, não hesitei em aceitá-la na Ordem.

Mais uma vez havia quebrado minha promessa, só que dessa vez senti como se estivesse pagando uma dívida com os pais da garota. Oferecer segurança, abrigo e um futuro é o mínimo depois de tudo que essa família sacrificou pela Ordem.

Parece que a parte da segurança falhou. Depois do sequestro sua mudança de hábitos foi perceptível e não foi difícil interceptar suas tentativas de ataques virtuais, mas confesso que me surpreendeu muito quando Megan mentiu no interrogatório. Pensei que pudesse não se lembrar ou estar acobertando algo que fez, contudo depois de levá-la a prisão ficou claro que ela não está em condições de responder por suas próprias ações.

Com seus olhos completamente pretos fica difícil de saber para onde ela olha, mas seu rosto se virava para todas as direções enquanto murmurava para si mesma. Meu intuito nunca foi prendê-la e sim mostrar o quão diferente ela é de todos os outros condenados, tentar fazê-la perceber a principal diferença entre eles, o poder de escolha. Megan estava sendo controlada por sabe-se lá quem quando fez tudo o que fez, enquanto os exoterroristas escolheram cometer seus crimes.

O plano foi por água abaixo quando vi o estado em que a garota ficou ao entrar na cela, todo o seu corpo tremia à medida que ela se encolhia cada vez mais em um canto ainda murmurando palavras inaudíveis. Um arrepio de medo percorreu meu corpo quando uma cena muito familiar me veio à cabeça. Essas mesmas atitudes de Megan eu já havia visto em outros agentes, esquizofrenia paranoide foi diagnóstico que todos receberam.

Assim que a lembrança me atingiu corri de volta para minha sala, precisava fazer uma ligação. Por sorte ela atendeu, Delilah, uma ex-agente que decidiu se dedicar a cuidar da saúde mental dos agentes. Fui breve ao falar sobre Megan pois ela ainda estava na cela e deixar alguém em crise sozinho nunca é uma boa ideia.

Acertei as coisas com Delilah, pedi instruções e voltei para cela, mas não sem antes chamar ajuda. Delilah me disse que o cérebro humano pode se confundir entre alucinação e realidade, trazer um rosto conhecido e que remete ao conforto é uma boa maneira de ajudar na distinção.