DOIS MESES DEPOIS
As árvores se tornavam cada vez menos densas à medida em que eu corria ao longo da trilha. Minha cabeça era inundada com todos os acontecimentos dos últimos meses, depois da conversa com Veríssimo e bem aquilo lá, comecei a ir na terapia e descobri que não era esquizofrenia nem depressão como pensava, é tipo uma mistura dos dois com o extra de ansiedade. Basicamente Dr.Delilah me disse que tenho transtorno de estresse pós traumático por causa do meu passado, e sendo bem sincera é uma droga viver com isso e me sinto uma bomba relógio que pode simplesmente explodir se algum gatilho for puxado. O tratamento tá ajudando por um lado, mas por outro é horrível e desgastante porque para impedir as crises é preciso saber qual seus gatilhos, e aí vem a pior parte, para descobrir um gatilho preciso voltar ao passado.
Cada sessão era como se uma parte de mim se quebrasse ainda mais, lembrar com detalhes de tudo aquilo o que eu mais fugi durante a vida inteira. Agatha foi como sempre uma santa e me ofereceu um ombro amigo pra chorar sempre que precisava, Dr.Delilah também entendeu o quão difícil era para mim falar sobre o passado e nunca se importou de extrapolar nosso horário quando eu não conseguia parar de chorar. Os pesadelos foram outra coisa que mudou, tentei ao máximo resolver eles com Dr.Delilah, mas tem horas que a mente já está doente demais pra ser curada aos poucos, por isso fui também em um psiquiatra que me receitou remédios para dormir.
Em passos de lesma as coisas foram melhorando cada vez mais e voltando a normalidade. Hoje em especial é meu último dia de licença (fui considerada mentalmente instável para trabalhar em casos) e amanhã finalmente poderia fazer o que tanto gosto, investigar. A ansiedade de voltar pulsava por todo o meu corpo, em uma tentativa de amenizar tudo saí para correr em trilhas, uma coisa que descobri ser muito relaxante em dias ruins. Era minha pequena fuga da sociedade e de certa forma de mim mesma.
Acabei viajando de mais imersa em pensamentos e não vi o quão longe realmente tinha ido. Estava agora no topo de um morro cercado por mata de onde era possível ver a cidade quase toda, caralho eu tava muito longe, o desespero me consumia aos poucos. Eu estava sozinha no meio do nada, muito mais longe do que já tinha ido, quase sem água, já começava a escurecer e o pior de tudo completamente exausta.
Sentei encostada em uma árvore apenas para recuperar um pouco do fôlego, teria de correr contra o tempo se quisesse chegar antes do anoitecer na Ordem e levando em consideração que é possível ver o centro da cidade daqui eu devo estar a uns 30km no mínimo. Só de pensar em ter que correr tudo isso na volta meu corpo estremece em protesto, havia gastado toda minha energia na vinda e esquecido da volta. Em uma última esperança peguei meu celular, mas qualquer mísera ideia morreu assim que a barrinha de sinal apareceu zerada. Era meio óbvio que não teria sinal de Internet ali no meio do nada.
Devo ter esperado cerca de uns 15 minutos antes de retomar para o caminho de volta, na ida estava tão absorta em meus pensamentos que não percebi como aquela trilha ficava difícil. Além do péssimo caminho coberto por cascalho, bem escorregadio, arbustos espinhosos e raízes de árvore, também tinha uma dor agonizante toda vez que eu respirava a cada passo dado. Cogitei apenas deitar e descer tudo rolando, mas antes que eu pudesse pensar o quanto essa ideia era idiota o universo decidiu me mostrar na prática.
Meu pé vacilou ao pisar em uma pedra de cascalho solta fazendo meu corpo cair para o lado e sem ter onde me segurar fui caindo morro abaixo, passando por cima das pedras, espinhos, galhos, formigueiros e acho que até um pobre coitado de um passarinho. O único modo de parar era se batesse em algo ou chegasse a uma superfície plana, por sorte um tronco de uma árvore foi muito gentil e veio ao meu encontro antes que eu precisasse me preocupar com mais alguma coisa.
O tronco estava caído então pelo menos não bati com tudo nele, foi mais como dar uma cambalhota bem dolorida. Tudo girava ao meu redor e tenho quase certeza que coloquei meu almoço pra fora, pelo cansaço não sentia dor mesmo sendo evidente que deveria doer. A adrenalina é um hormônio poderoso que pode inibir até as piores dores, então tenho de aproveitar seus efeitos por hora e tentar chegar na Ordem ainda viva.
Olhando para cima onde estava minutos atrás calculei que devo ter caído por volta de uns 10 metros ou mais, estava em uma parte bem mais plana da trilha. Verifiquei se não havia nenhum osso quebrado ou arranhões mais graves e com muito custo segui meu caminho de volta.
Meu pico de adrenalina pós queda não durou tanto quanto eu queria e logo as dores me atingiram, era como se toda a minha pele estivesse sendo queimada por pequenos fósforos e depois mergulhada em veneno. Mas não podia parar, não agora tão perto do fim da trilha. Me segurei a uma árvore para descansar e reunir o pouco de força que me resta, só mais um último esforço e aí eu conseguiria ajuda. Só mais um pouco e eu estaria em casa, em casa com ela.
Pensar em Agatha me deu o impulso final de que precisava, clichê eu sei, mas eu amo ela e amar é clichê mesmo.
Com muito custo corri os últimos quilômetros restantes até parar em frente a um portão onde se lia " Área monitorada, proibido a caça e qualquer atividade envolvendo fogo". Desmoronei no chão exausta e aliviada por ter chegado pelo menos até aqui. Sem pensar duas vezes peguei meu celular, agora com a tela rachada pela queda, e disquei o único número que tinha certeza que me atenderia sempre. Agatha.
O telefone chamou, chamou e chamou por bastante tempo sem resposta, talvez não pudesse ter tanta certeza assim no fim das contas. Agora só me restava uma última opção, andar o resto do caminho até a Ordem já que em meu estado não conseguiria nem entrar em nenhum uber sem lotar o carro de galhos e terra.
Descansar infelizmente não era uma opção em uma corrida contra o Sol para chegar antes do anoitecer. Tirando forças de não sei da onde, fui caminhando pelo caminho de volta tentando não desmaiar de cansaço a cada passo. Subi e desci, não sei quantos morros, atravessei por entre as ruas, fiz carinho em cachorro me mantendo focada em apenas uma coisa, voltar pra casa.
O caminho já estava gravado em minha memória de tanto fazê-lo, mas não me lembrava de ser tão longo quanto pareceu hoje. Finalmente ver o Suvaco Seco foi como se tivesse ganhado na loteria. Corri, corri com meu corpo já mole ameaçando cair ali mesmo, mas não era hora de parar estava tão perto. Os cantos de minha visão escureciam enquanto me aproximava cada vez mais estando agora apenas alguns poucos metros do bar.
Era apenas uma corrida e agora tenho certeza de que foi minha última pelos próximos 5 anos.
Finalmente, já quase me arrastando, cruzei a porta do Suvaco Seco e uma onda de alívio me invadiu. Eu consegui.
-Megan?-indagou- Megan no que você se meteu dessa vez? Tá parecendo morto.
-Obrigada pelo elogio Agatha- falei desmoronando em uma das típicas cadeiras amarelas da Skol- eu lutei com uma onça pintada na trilha.
Sentia todo meu corpo tremer em uma mistura estranha de cansaço e alívio por finalmente ter voltado. Na luz pude ver o meu real estado, e deprimente era elogio para minha atual situação. O suor encharcava todas as minhas roupas, tênis e nem o coque foi suficiente para manter meu cabelo a salvo, parecia que havia feito natação e não corrida. Isso sem falar dos arranhões, que queimavam como fogo, e galhos por todo lado.
Com uma mão Agatha segurou meu rosto virando pra si enquanto com a outra mão tirava mechas rebeldes e as colocava para trás.
-A onça ganhou né? Você tá destruída.
Apenas olhei em seus olhos, incapaz de responder.
-Vem, tá precisando de banho, depois eu cuido do resto.
Não estava em posição de discutir e no fundo Agatha estava certa, um bom banho era tudo o que precisava agora.
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Transcender
ActionAgatha x oc!Megan Após transcender Megan aparece com uma aparência de luzídio, culpando a Agatha por isso elas têm uma briga feia e Megan vai dar uma volta, perdida em seus pensamentos acaba sendo sequestrada por exoterroristas. Megan e Agatha s...