O discurso do amor

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Astarco foi conhecer o templo de Nefertari e lá viu uma mulher inconsolável nas escadas. Ele se aproximou e disse:

- Não sabia que os deuses também sentiam tristeza. Diga-me por que sofre.

A mulher respondeu:

- Estou sofrendo por amor. Eu sei que ele não é honesto e me faz mal, mas eu o amo!

Astarco olhou para a jovem e disse:

- Sinto muito por isso. Se quer um conselho, posso te dar?

A jovem olhou para o velho senhor. Astarco era para ela como um avô está para uma neta. Ela então disse copiosamente:

- Eu aceito. Me ajude a tirar essa dor no peito, essa vontade de morrer de amor.

O velho seguiu a deixa e disse:

- Mais uma vez, sinto muito. Mas eu devo te alertar: o que está sentindo não é amor.

A jovem franziu a testa e vociferou:

- Como pode dizer isso? Sei exatamente o que sinto. Sou consciente de que o amo e agora sofro por isso!

Astarco então segurou a mão da jovem e disse:

- Ainda não sabe, mas vou dizer. Você sente a dor no peito, a falta de ar e as pernas inseguras. Você deseja apenas ele como o remédio para sua angústia. Ao andar na rua, você vê o fantasma de sua presença. Estou correto?

A mulher jovem confirmou com a cabeça e começou a chorar. Astarco limpou suas lágrimas e disse:

- O amor é sublime, um presente dos deuses para a humanidade. Ele é libertador, não opressor. Seu poder de união e conexão entre as pessoas é infinito. Ele é capaz de transformar duas pessoas em uma só. Além disso, tem a capacidade de desenvolver outras competências sociais, como amizade, companheirismo e lealdade.

Naquele templo de Nefertari, a jovem inconformada falou em meio a lágrimas:

- Eu não tenho isso com ele, o nome dele é Caio. Ele disse que tudo ia mudar e está sempre tendo ideias para ganhar dinheiro, mas nunca dá certo. Como posso ajudá-lo?

Astarco pegou um odre e disse:

- Minha jovem, é o que eu temia. Você está viciada em paixão. Antes de ajudar seu amado, você precisa se comprometer consigo mesma. Primeiro, vamos compreender o que habita em seu espírito e, depois, ver o mundo. Quando a paixão não é controlada, causa perturbações em todo o corpo. Devemos sempre examinar nossos sentimentos. Com o tempo, a paixão deve se transformar em amor. O sofrimento causado pela paixão tem um nome: obsessão. É um pensamento circular que nos sufoca e impede de enxergar a verdade. Por isso, você sofre. Mas, se quer um conselho, permita-se aprender com esse sofrimento e siga em frente.

A mulher continuou a chorar e Astarco apenas ficou ali em silêncio. Ele bebeu um pouco da água do odre, enquanto a jovem perguntou:

- Como posso seguir em frente?

Astarco rebateu:

- Você não nasceu presa a ninguém. Eu não compreendo como você se permite. Sua felicidade está nele ou em você?

A garota voltou a chorar e disse:

- Não sei...

Astarco então disse:

- Você consegue se lembrar da infância?

A mulher respondeu com a cabeça afirmativamente. O homem prosseguiu:

- Você, minha jovem, lembra de como se sentiu ao ganhar uma boneca como presente?

A jovem limpou as lágrimas e disse:

- Estava feliz, pois ganhei de presente. Meu pai é um soldado e me deu a boneca após voltar de uma guerra.

Astarco sorriu e disse:

- A felicidade está na boneca ou na memória?

A jovem mudou seu olhar, percebendo o que o velho queria dizer. Astarco continuou:

- O amor é um exercício, assim como a felicidade. Ele começa dentro de nós. Quando compreendemos isso, passamos a procurar estimulá-lo em todas as oportunidades da vida. Você está em obsessão, e só poderá ajudar depois de compreender seus sentimentos e passá-los pelo filtro da razão.

Astarco deu seu odre para a jovem e continuou:

- A felicidade é o amor mais importante, pois ele é o amor do tempo. Buscar a felicidade através do tempo com as pessoas é um ato de amor consigo mesmo. Devo dizer que buscar a felicidade em pequenos espaços e momentos da vida é um sinal de sabedoria e compromisso. Esse tipo de amor é muito mais vital do que um casamento consumado. Pois, mesmo que você vivesse mil anos, nunca teria o mesmo peso de viver em consonância com o amor de buscar a felicidade na vida.

A jovem perguntou:

- Então, eu não preciso de ninguém para amar?

Astarco rebateu:

- Sim, não é necessário ter outras pessoas para amar. O verdadeiro sábio ama de maneira incondicional, porque se dá o direito de fazer o seu melhor sem cobranças ou sensação de peso. Existem outros tipos de amor, como o amor de amigos e o amor de mãe. Eles não excluem o amor romântico, pois somos seres sociais que vivem em grupo. Se isolar por medo de amar é um atentado contra a vida. No entanto, o amor romântico não é o único tipo de amor, visto que é tão sublime que não possui um método específico para manifestá-lo.

A jovem, que antes chorava e sentia dor, sorriu e disse:

- Você tem razão. Eu não deveria me sentir assim. Eu devo me valorizar. Creio que mereço, ao menos, ser feliz.

Astarco sorriu e disse:

- Agora você pode refletir se deve ou não ajudá-lo. Isso eu não posso ajudar, afinal, não devo me intrometer em uma relação amorosa.

Astarco fez um sinal e sorriu de maneira maliciosa. Ele então entrou no templo, foi acender uma vela e a mulher ficou incomodada, perguntando:

- Sábio senhor, para quem está acendendo essa vela?

Astarco respondeu sério:

- Para despertar o amor na humanidade.

Os discursos de Astarco Onde histórias criam vida. Descubra agora