Capítulo 3

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Em Itaú, mas pensando que talvez eu devesse gritar naquele monte

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Em Itaú, mas pensando que talvez eu devesse gritar naquele monte...

      O expediente termina e eu abro o caixa apenas para encarar, mais uma vez, a nota de dez reais que resume as vendas do dia. Ou melhor, a venda do dia, no singular: uma resma de quatrocentas folhas de papel ofício.

      Suspiro alto enquanto guardo a nota em um envelope e reorganizo o que já está organizado desde que peguei  no  batente,  às  oito  da  manhã.  Fecho  a papelaria e abro o guarda-chuva, irritada porque o tempo chuvoso não para de deixar os meus óculos embaçados.

      Caminho na direção da primeira parada de ônibus, desviando das poças, procurando o dinheiro que eu tinha separado para o transporte. Vasculho o bolso da calça jeans e me surpreendo ao encontrar um bilhete lotérico.
Sorrio sem qualquer motivo aparente. Eu estou destroçada, ainda descrente sobre o que Keana me disse, arrasada por ter notado que o meu futuro será uma grande porcaria e tentada a procurá-la a fim de me ajoelhar aos seus pés e implorar para que não me deixe. Obviamente, eu não faria isso. Não faz o meu estilo e, mesmo se fizesse, tenho consciência de que a menos errada nesta história toda sou eu.

      A vida é mesmo engraçada. Talvez eu estivesse rindo de mim mesma, da desgraça que me fez, por um momento, rever os meus princípios, ou talvez estivesse rindo da maluca da casa lotérica. Certamente a tal de Camila não é itauense, pode-se perceber pelo seu sotaque e pelo modo como balança o corpo. Ela parece estar levando um choque a cada movimento, como se nenhuma posição fosse agradável o bastante para que permanecesse quieta. Além de que nenhum mineiro que se preza conversa usando palavras como "inóspitas". Recapitulo sua tagarelice dentro da minha mente enquanto prossigo com a caminhada, desta vez meio sem saber para onde estou indo, já que passo pelo ponto de ônibus e não paro.

      Os lugares que Camila mencionou nesta tarde saltam à minha vista como se eu já tivesse ido a cada um deles. Mas é claro que nunca fui. Jamais saí de Minas Gerais. Minha viagem mais longa foi até a capital, Belo Horizonte, que fica a cerca de trezentos e setenta quilômetros daqui, atrás de uns exames  que  o  meu  pai  precisou  fazer.  O  que conheço do mundo se resume ao que vejo no jornal da cidade. Camila foi capaz de ativar uma curiosidade que nem eu sabia que tinha.

      Sinto meu rosto ficar vermelho ao pensar na maluca nadando pelada em um lago, por mais escondido que seja. É impossível não imaginar uma coisa dessas. Por mais que eu seja virgem, tenho imaginação fértil. Só tento não me levar pelos desejos da carne. As pessoas costumam desprezar o ato sexual e cometer barbaridades com seus próprios corpos. Não sou dessas e pretendo nunca ser.

        Enquanto Camila falava sobre o monte na Roraima, eu quis, de verdade, viver aquela aventura e ter a liberdade de gritar qualquer nome que fosse, até que o mundo inteiro pudesse ouvir. Talvez eu tenha sentido isso devido ao meu recente rompimento, já que a vontade de gritar é quase ensurdecedora. Meu coração lateja alto, enviando comandos ao meu cérebro para que ele nunca se esqueça da mágoa. Engulo em seco e, pela centésima vez desde que Keana me deixou, procuro conter as lágrimas.

Eu Nunca - Camren (+18)Onde histórias criam vida. Descubra agora