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QUANDO EU ACHAVA que a história do vídeo do ofurô estava encerrada e esquecida, outra versão surge e me lembra de que esse pesadelo nunca vai acabar. Nada na internet morre; não é isso o que as pessoas dizem? Desta vez, estou na biblioteca, e pelo canto do olho vejo duas garotas do primeiro ano compartilhando fones de ouvido, vendo um vídeo e rindo. Ali estou eu, de camisola, colada a Bárbara como um cobertor. Por alguns segundos, fico sentada  ali, indecisa. Confrontar ou não confrontar? Eu me lembro das palavras de Lara sobre ser superior e agir como se eu não ligasse. E então, penso: Que se dane.

Eu me levanto, ando até elas e puxo os fones do laptop. "Parte do Seu Mundo" explode nos alto-falantes. 

— Ei! — diz a garota, se virando na cadeira.  Mas ela vê que sou eu, e ela e a amiga trocam um olhar assustado. A menina  fecha o laptop. 

— Vá em frente, coloque pra tocar — digo, cruzando os braços.

— Não, obrigada — responde ela.

Estico a mão, abro a tampa do laptop e aperto o play. Quem fez o vídeo intercalou com cenas de A pequena sereia. "Quero saber, quero morar naquele mundo cheio de ar..." Eu fecho o computador. 

— Para vocês saberem, ver esse vídeo é o equivalente a pornografia infantil, e vocês podem ser presas por isso. Seu endereço de IP está no sistema. Pensem nisso antes de espalharem o vídeo. Isso é distribuição.

A garota ruiva fica boquiaberta. 

— Como isso é pornografia infantil? 

— Sou menor de idade, e Bárbara também.

A outra garota dá um sorrisinho.

— Pensei que vocês tivessem alegado que não estavam fazendo sexo. 

Fico sem palavras.

— Bem, vamos deixar que o Departamento de Justiça resolva isso. Mas, primeiro, vou notificar o diretor Lochlan. 

— Nós não éramos as únicas assistindo! — exclama a ruiva. 

— Pensem em como se sentiriam se vocês estivessem nesse vídeo — argumento.

— Eu me sentiria ótima — murmura a garota. — Você tem sorte. A Passos é uma gata.

Sorte. Certo. 

• • •

Não estou preparada para a reação de Bárbara quando mostro o vídeo de A pequena sereia. Porque Bárbara não guarda rancor; ela sempre deixa as coisas ruins para trás. É por isso que as pessoas gostam tanto dela, eu acho. Ela é segura, é controlada. As pessoas ficam tranquilas. Mas o vídeo de A pequena sereia acaba com ela. Nós assistimos no carro, no  celular dela, e ela fica com tanta raiva que tenho medo que vá jogar o aparelho pela janela. 

— Esses babacas! Como ousam fazer isso?! 

Bárbara dá um soco no volante, e a buzina toca. Eu tomo um susto. Nunca a vi chateada assim. Não sei o que dizer, não sei como acalmá-lá. Eu cresci em uma casa cheia de mulheres, com um pai gentil. Não sei nada sobre acalmar uma adolescente com criação diferente. 

— Saco! — grita ela. — Odeio não poder te proteger disso. 

— Não preciso que você me proteja — digo, e percebo na hora que é verdade. Estou lidando muito bem com isso sozinha. 

Ela olha para a frente. 

— Mas eu quero. Achei que tinha resolvido, mas agora isso de novo. É como uma maldita herpes.

P.S.: Ainda amo você |ADAPTAÇÃO BABITAN|Where stories live. Discover now