A CARTA CHEGA em uma terça-feira, mas só vejo na quarta de manhã, antes da aula. Estou sentada na cozinha, em frente à janela, comendo uma maçã e olhando a pilha de correspondência enquanto espero Bárbara chegar. Conta de luz, conta da tevê a cabo, um catálogo da Victoria's Secret, a edição de Dog Fancy (For Kids!) do mês, de Sophi. E uma carta, em um envelope branco, endereçada a mim. Letra de menino. Um endereço de remetente que não reconheço.
Querida Carolina Voltan,
Uma árvore caiu na nossa entrada de garagem na semana passada, e o sr. Barber, da Paisagismo Barber, veio para retirar. Os Barber são a família que se mudou para nossa antiga casa, em Meadowridge, e, não quero ser repetitivo, mas, bem, eles têm uma empresa de paisagismo. O sr. Barber trouxe a sua carta. Vi pelo selo que você a mandou em setembro, mas só recebi esta semana, porque foi enviada para minha casa antiga. Por isso demorei tanto para responder. Sua carta me fez lembrar um monte de coisas que achei que tivesse esquecido. Como aquela vez em que sua irmã mais velha fez pé de moleque no micro-ondas e vocês decidiram que devíamos fazer uma competição de dança para ver quem ficava com o maior pedaço. E a vez em que fiquei trancado fora de casa uma tarde e fui para a casa na árvore e você e eu ficamos lendo até ficar escuro e precisarmos de lanternas. Eu lembro que seu vizinho estava fazendo hambúrgueres na churrasqueira, e você me desafiou a ir pedir um para nós dois, mas eu não tive coragem. Quando fui para casa, fiquei muito encrencado porque ninguém sabia onde eu estava, mas valeu a pena.
Eu paro de ler. Eu me lembro do dia em que nós dois ficamos trancados fora de casa! Éramos Miih, Bak e eu, mas Miih teve que ir embora e ficamos sozinhos. Meu pai estava em um seminário; não lembro onde Lara e Sophi estavam. Ficamos com tanta fome que acabamos com o saco de balinhas que Thaiga tinha escondido debaixo de uma tábua solta no piso. Acho que eu podia ter procurado Arthur para conseguir comida e abrigo, mas foi divertido ficar por aí com Gabriel Bak McClaren. Era como se fôssemos fugitivos.
Preciso dizer que sua carta me pegou de surpresa, porque, quando eu tinha treze anos, ainda era tão infantil, e lá estava você, uma pessoa de verdade, com pensamentos e emoções complexas. Minha mãe ainda descascava a maçã para mim no lanche da tarde. Se eu tivesse escrito uma carta para você no oitavo ano, teria escrito: seu cabelo é bonito. Só isso. Só seu cabelo é bonito. Eu era tão sem noção. Não fazia ideia de que você gostava de mim. Alguns meses atrás, vi você no evento do Projeto das Nações Unidas na Thomas Jefferson. Duvido que você tenha me reconhecido, mas eu estava lá representando a República da China. Você deixou um bilhete para mim, e eu chamei seu nome, mas você continuou andando. Tentei te procurar depois, mas você tinha sumido. Você me viu? Acho que o que me deixou mais curioso foi por que você decidiu mandar a carta depois de tanto tempo. Portanto, se você quiser me ligar, me mandar um e-mail ou outra carta, faça isso, por favor.
Com carinho, Bak
P.S.: Já que você perguntou: as únicas pessoas que me chamam de Gabriel são minha mãe e minha avó, mas fique à vontade.
Solto um longo suspiro. No ensino fundamental, Gabriel Bak McClaren e eu tivemos dois encontros "românticos": o beijo durante o jogo de "girar a garrafa", que não foi nem um pouco romântico, e aquele dia na chuva na aula de educação física, que até este ano era o momento mais romântico da minha vida. Tenho certeza de que Bak não se lembra da mesma forma. Duvido até que se lembre. Receber essa carta dele depois de todo esse tempo é como ter notícias de alguém que voltou dos mortos. A sensação é diferente de vê-lo por aqueles poucos segundos no Projeto das Nações Unidas em dezembro. Aquilo foi como ver um fantasma. Isso é real, uma pessoa viva que eu conhecia, que me conhecia. Bak era inteligente; tirava as melhores notas dentre todos os garotos, e eu tirava as melhores dentre as garotas. Participávamos de turmas especiais juntos. Ele adorava história, sempre lia tudo o que o professor mandava, mas também era bom em matemática e ciências. Tenho certeza de que isso não mudou. Se teve algum garoto que foi o último da turma a ficar alto, Bak foi o primeiro. Eu gostava de seu cabelo que ele pintou algumas mechas de louro, ensolarado e claro como milho no verão. Ele era inocente e bochechudo, tinha o rosto de um garoto que nunca se meteu em confusão, e todas as mães o adoravam. Ele tinha um jeito todo especial. Era o que o tornava um parceiro de crimes tão bom. Ele e Bárbara se metiam em todo tipo de confusão. Bak era o inteligente, tinha ótimas ideias, mas era meio tímido na hora de falar porque gaguejava um pouco. Ele gostava de ser o coadjuvante, enquanto Bárbara amava ser a astro. Então, todo mundo dava o crédito e atribuía a culpa a Bárbara, porque ela era a malandra, e como um anjo como Gabriel Bak McClaren podia ser culpado de alguma coisa? Não que houvesse muita gente botando a culpa neles. As pessoas ficam tão encantadas por pessoas bonitas. As pessoas bonitas só ganham um balançar indulgente de cabeça e um "Ah, Bárbara", escapam sem nem mesmo um castiguinho. Nossa professora de inglês, a sra. Holt, os chamava de Butch Cassidy e Sundance Kid, de quem nenhum de nós tinha ouvido falar. Bárbara a convenceu a passar o filme para nós na aula, e os dois ficaram um ano discutindo sobre quem era Butch e quem era o Sundance Kid, apesar de ficar bem claro para todo mundo quem era quem. Aposto que todas as garotas da escola gostam dele. Quando o vi no evento do Projeto das Nações Unidas, ele parecia tão seguro, sentado ereto na cadeira, com os ombros alinhados, totalmente concentrado. Se eu estudasse na escola de Bak, aposto que seria a mais aficionada do fã-clube dele, com um binóculo e uma barrinha de cereal, acampando perto de seu armário. Eu saberia as aulas dele de cor; saberia o que ele gosta de comer no almoço. Ele ainda come sanduíches de creme de amendoim e geleia com pão integral? Eu queria saber. Tem tantas coisas que não sei.
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P.S.: Ainda amo você |ADAPTAÇÃO BABITAN|
RomanceEm Para todos os crush's que já amei, Carolina Voltan não fazia ideia de como sair dessa enrascada, muito menos sabia que o namoro de mentirinha com Bárbara Passos, inventado apenas para fugir do total constrangimento, se transformaria em algo mais...