A Praia e a Ligação

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"No mesmo instante em que recebemos pedras em nosso caminho, flores estão sendo plantadas mais longe. Quem desiste não as vê" - William Shakespeare


- Não acredito que você está usando all star e blusa na praia! - A voz de Charles me sobressaltou, olhei para trás e o vi caminhando em minha direção. Sorri para a escolha de roupa dele.

- Eu que não acredito que você está usando all star e blusa na praia!

Nós dois rimos e ele se sentou ao meu lado. Por alguns minutos olhei para o horizonte, admirando o azul do céu se juntando com o azul do mar em perfeita harmonia. Fechei os olhos e deixei o sol esquentar meu rosto não prestando atenção em mais nada a não ser o canto das gaivotas.

- O que você está pensando? - Abri os olhos, Charles está me encarando com um ar curioso.

- Nada - Respondi honestamente.

Não estou pensando em nada. O barulho das ondas combinada com o canto dos pássaros sempre me acalmou. Ficar sentada na areia, olhando para o oceano é uma das minhas atividades favoritas. Me ajuda a esvaziar a cabeça e só viver o momento, sem me preocupar com mais nada.

Pelo canto dos olhos percebi que Charles continuou me encarando. Mostrei a língua, tentando desfaçar a vergonha que agora aquece meu rosto. A semana passou rápida e tranquila, desde segunda depois da aula eu revesava entre ir para minha casa com Charles ou ir para a casa dele.

O único problema é William. Não tive muito contato com ele depois daquele dia, todas as vezes que ele tentou puxar assunto dei respostas curtas, deixando bem clara a minha falta de vontade de conversar. Respirei aliviada cada vez que Charles apareceu na porta da sala para me acompanhar pelos corredores da escola.

Eu e Charles combinamos de nos encontrar na praia depois da aula. Fui em casa correndo, só para trocar de roupa, e imediatamente vim o encontrar. Cheguei muito cedo, mas não importa, a praia me acalma e tenho evitado qo máximo ficar em casa sozinha com meu pai e Marta.

- O que você está pensando? - Perguntei, talvez de uma forma mais incisiva que Charles, mas com o mesmo tom de curiosidade.

- Em nós.

Esta resposta não é a que eu esperava. Em nós? Será que ele já se arrependeu de se reaproximar de mim? Ou será que talvez ele percebeu que meus sentimentos continuam os mesmos e que não quero só amizade? Talvez ele vai me dizer para ir embora e nunca mais voltar para sua vida.

- Pensando sobre nós? - Nunca gostei de respostas vagas. Elas me deixam com dores de cabeça, nunca entendo o que querem dizer, se são boas ou ruins.

- Se quero continuar a ser só seu amigo - E ai está, a resposta que não quero ouvir. Ele não gosta mais de mim. Quem gosta? No final do dia sou só uma garota problemática.

- Tudo bem, vou te deixar em paz - A resposta saiu baixa e tremula ao invés de alta e grossa (que era a minha intenção), mas o bolo que se formou em minha garganta me impossibilitou de falar com clareza. 

Comecei a me levantar, para Charles não ver as lágrimas caindo, mas ele agarrou meu pulso e me virou.

- Do que você está falando? - Seu rosto está uma mistura de confusão e surpresa.

- Você acabou de falar que não quer ser meu amigo. - Me soltei, e comecei a andar para longe dele mas outra vez ele me segurou, desta vez com mais firmeza. Ele se levantou e seu rosto ficou a centímetros do meu.

- Eu não disse isso, Gaia! - Meu Deus! Ele esta me enfurecendo. O que é isso afinal? Algum tipo de brincadeira sem graça?

- Você acha que sou surda? - Minha voz saiu muito alta, quase como um grito, não tentei me conter porque sei que não posso lutar contra a raiva - Acabei de ouvir você falar isso!

- Não! - Ele passou as mãos no cabelo, uma mania que ele tem quando está frustrado - Eu disse que não quero continuar a ser o seu amigo.

- Eu sei, eu ouvi. - Me soltei uma terceira vez, me preparando para correr caso ele venha atrás de mim.

- Não, você não ouviu! - Respirei fundo e continuei andando.

- Gaia - Ele gritou - Não quero ser só seu amigo, quero mais.

Congelei. Mais? Me virei devagar, procurando seus olhos para ter certeza de que eles não estão mentindo.

- Mais o que?

Esperei, ele não respondeu. Um, dois, três minutos. Contei os segundos na minha cabeça. O silêncio me torturando, mas não serei a primeira a falar e perder a guerra.

- Não sei - Finalmente ele falou, mas não o que quero ouvir.

- Então você descobre e depois vem falar comigo.

- Espera! Eu... - Eu o que Charles? Diga. - já sei, mas tenho medo da sua resposta.

Dei três passos, o suficiente para ficar a um palmo de distância dele.

- Por favor - Sussurrei - Preciso que você diga, preciso ter certeza.

- Eu quero você...Nós...Juntos.

Diferente da ultima vez, quem deu o primeiro passo foi eu. Antes de me arrepender ou voltar atrás, o beijei. Devo admitir que até eu me assustei com o minha coragem, mas segundos depois senti seus braços envolvendo minha cintura e seus lábios respondendo aos meus.

Desta vez foi diferente, nós dois sabemos o que estamos fazendo. Meus dedos se fecharam em seus cabelos, o trazendo para mais perto, aliviando todas as incertezas e frustrações que senti durante todos esses anos. Finalmente ele é meu, e eu dele.

Beijar Charles não foi tão estranho como na primeira vez. Em partes porque nesses últimos dois anos nós beijamos outras pessoas, ganhamos experiencia. Andamos pela praia de mãos dadas. Sua mão quente e firme, a minha fria e pequena demais. É como se tivéssemos estado juntos nossa vida toda. 

Discutimos como tudo vai mudar. Ainda não tenho certeza se quero espalhar a notícia para a escola e nossos pais, prefiro que isso seja um segredo nosso por enquanto, só para termos certeza que dará certo. Pelo jeito como Charles me olhou posso dizer que ele não gosta da ideia, mas mesmo assim ele concordou. Ficamos na praia até anoitecer e quando o sol se pôs decidimos ir embora.

Cheguei em casa e fui direto para meu quarto. Deitei na cama e me lembrei de cada detalhe. Como seus lábios se moveram contra os meus, como suas mãos me seguraram. Não lembro qual foi a ultima vez que me senti tão bem e feliz.

Fechei os olhos, ainda com a boca formigando por conta de nosso ultimo beijo e embarquei em um sonho tranquilo e sem sonhos.

***

Ooh, baby, don't you know I suffer?
Ooh, baby, can't you hear me moan?
You caught me under false pretenses,
How long before you let me go?

Acordei assustada com a música tocando, tateei minha cama no escuro, em busca da fonte do barulho. Meus dedos acharam meu celular, clicando em "atender".

- Alô? - Minha voz saiu rouca, meio sonolenta.

- Gaia? - Sentei, tentando reconhecer a voz no outro lado da linha.

- Quem é? - Olhei na tela do celular. Três horas da manhã.

- Gaia, é você? - Um toque de sotaque inglês apareceu na fala. William.

- William? Sim, é a Gaia. Você sabe que horas são?

- Gaia, eu me meti em encrenca, preciso da sua ajuda.

Roleta RussaOnde histórias criam vida. Descubra agora