Cicatrizes

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"Ela tem cortes nos braços.
Dor urbana, fobia social.
Grito abafado, incompreensão geral.
Em fuga, pede ajuda.
A multidão é surda.
Pedras na mão, em fúria.
Realidade absurda.
Se automutila.
À espera de uma chama de vida" - Eduardo Keny.

- Charles! O que você está fazendo aqui?

Cheguei em casa com a roupa encharcada, os olhos vermelhos por conta da maconha e com um William em uma situação não muito melhor que a minha. Quando passei pela porta e vi Charles conversando com meu pai na cozinha, as gargalhadas logo se transformaram em pânico.

- Resolvi voltar mais cedo para casa. O que está acontecendo? 

Merda. Então ele sabe que eu estava mentindo no telefone. Começar a explicar a história toda será bem difícil. Inclusive com o meu pai aqui, ouvindo tudo. Me virei, encarando William, que de todos aqui parece o mais confuso com a coisa toda.

- Will, acho melhor você ir para casa agora. Segunda conversamos, tá?

- Tudo bem. 

Mais confuso ainda ele foi embora. Sem cumprimentar meu pai, indiquei as escadas para Charles, o levando até meu quarto.

- O que está acontecendo? Primeiro você mente no telefone, agora você chega em casa toda encharcada, e olhe para os seus olhos! Você andou usando drogas?

Charles gritou assim que fechei a porta, me encolhi e percebi que minha cabeça está estourando de dor.

- Charles, se você puder baixar o tom de voz eu agradeço, não quero que meu pai escute a nossa conversa.

Ele não respondeu. Apenas sentou-se na minha cama, provavelmente esperando por uma explicação, e uma explicação é a ultima coisa que quero dar agora. Por que diabos ele não ficou em São Francisco?

- Escuta, vou tomar um banho. Espera aqui e já te explico tudo, ta bem?

- Não! Você me explicará tudo agora.

Ele levantou e seu rosto ficou levemente avermelhado. Suspirei, exasperada com o menino na minha frente. Por onde começar a explicar? Respirei fundo, tentando clarear os pensamentos que ainda estão meio nebulados pela droga. 

- Hoje de madrugada recebi uma ligação de William, pedindo ajuda. 

- William? Suponho que William seja o menino que chegou com você aqui hoje.

- Sim, nos conhecemos na escola. Ele começou a frequentar as aulas segunda-feira. Enfim, ele me ligou e pediu ajuda, ele está com alguns problemas na família. O trouxe aqui para que ele, pelo menos, tivesse um lugar para passar a noite já que não tinha para onde ir.

- Passar a noite? Aqui? No seu quarto?

- Sim - Tentei ao máximo não soar culpada, afinal de contas eu e William não fizemos nada de errado. 

- Na sua cama? - Ele sussurrou, e fingi que não o escutei. 

- E hoje fui mostrar a cidade para ele já que é novo por aqui. Estou toda molhada porque fomos a praia. E isso é tudo.

- Então é isso que você faz quando estou fora? Traz meninos para dormir no seu quarto?

A insinuação que inunda a voz e as palavra de Charles me atingiram com força. O que ele está achando que sou? Nada aconteceu entre mim e Will. Eu só estava tentando ajuda-lo a sair de um problema. Se não tenho amigos sou antissocial, se tenho amigos Charles briga comigo.

- Você está achando que sou quem, Charles? Ele é só um amigo e eu estava tentando ajudar. Nós não fizemos nada se é isso que você está pensando! Agora se a interrogação acabou vou tomar um banho e depois quero ficar sozinha.

Roleta RussaOnde histórias criam vida. Descubra agora