Charles Walton

378 30 2
                                    

"Quando fala o amor, a voz de todos os deuses deixa o céu embriagado de harmonia" - William Shakespeare

Passei o resto do final de semana trancada no meu quarto, a única visita que tive foi de Marta para me trazer comida. Ter que ir para escola amanhã dá um sentimento de nó no estomago. Não quero encarar todas aquelas pessoas.

Mordi um pedaço do frango assado que Marta preparou, tentando colocar alguma substância no meu estomago agitado. Desde ontem parece que tudo perdeu a cor e o gosto. O céu amanheceu cinzento, trazendo com ele a chuva, que bate incessantemente na minha janela. A comida de Marta, que tanto adoro, não tem gosto na minha boca, e cada mordida é um esforço enorme.

Ouvi uma batida na porta, não quero conversar com ninguém. Me encolhi em baixo das cobertas e aumentei o som da TV, mas o silêncio não foi o suficiente, porque menos de um minuto se passou até Marta abrir a porta.

- A senhorita tem visita. - sua voz alta e clara, me alertando para ser educada.

- Não quero falar com ninguém.

Voltei meu olhar para a televisão, ignorando Marta. A porta se fechou, mas pude ouvir ela cochichando com alguém do outro lado. Tentei bloquear as vozes me concentrando no programa de TV.

- Não quer falar nem comigo?

Senti meu estomago gelar. Aquela não é a voz de Marta. Olhei para a porta e o vi parado lá. Charles está usando um suéter caqui, calça jeans preta e um tênis da vans combinando com o suéter.

- Desculpe Srta. Marriott, eu disse para ele que está indisposta mas ele não me ouviu.

Marta começou a enrolar o avental nos seus dedos gorduchos, uma mania que tem quando esta nervosa.

- Tudo bem, Marta. Pode deixa-lo entrar.

Charles fechou a porta e se sentou ao pé da minha cama, seus dedos não demoraram a achar o meu cabelo e tira-lo da frente dos meus olhos.

- Você não respondeu minhas mensagens - Seu tom de voz não é acusatório, mas preocupado.

- Estive muito ocupada este final de semana.

- Você é uma péssima mentirosa - Ele riu e não consegui conter o sorriso que se abriu em meu rosto em resposta ao dele - Está tudo bem, Gaia?

- Já que você me pega em todas minhas mentiras, vou falar a verdade. Não.

Nos olhamos por um tempo, tentando pensar no que falar em seguida, e antes que pudesse me conter já estava contando a história inteira para ele.

Como minha mãe decidiu ir para Paris de uma hora pra outra, a recusa em me levar, a atitude estranha do meu pai enquanto ela estava fora, as inúmeras noites que ele não voltou para casa, como eu achei ele e o Sr. Dowling no escritório, o telefonema para minha mãe, a briga, o suicídio.

Cada palavra diminuindo gradativamente o preso que estou segurando em meus ombros desde a chegada da trágica notícia.

- Se matou? Ela não sofreu um ataque cardíaco? - Charles subiu a voz a cada palavra.

- Não, isso foi o que meu pai queria que todos pensassem.

Seus olhos percorreram meu rosto, quase desolados. Por um momento lembrei das tardes de sábado que Charles passava aqui quando nós dois eramos apenas crianças.

Minha mãe fazia vários brownies e chocolate quente ou chá gelado, nós brincávamos até cansar e quando o final da tarde chegava íamos correndo para a cozinha e atacávamos a comida. Minha mãe amava Charles, ela costumava brincar que nós dois acabaríamos casados. Os dois tinham uma sintonia muito boa, mesmo depois de ficarmos mais velhos, eles sempre tiveram um carinho especial um pelo outro.

Roleta RussaOnde histórias criam vida. Descubra agora