Capítulo 27

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Sexta-feira

O desespero tomou conta de mim.
Nenhuma notícia. Nenhum telefonema. Nada.
Não sei absolutamente nada sobre ele. E isso me faz concluir que de fato fui seu brinquedinho durante alguns dias, e tudo o que quero agora é esquecê-lo.
Minha chefe é um saco. Hoje fez uma ceninha na frente de vários colegas. Não a mandei à merda porque o desemprego está alto, senão... ela ia saber quem é Ana Flávia Castela.
À tarde, minha amiga Julia me liga e marcamos um cinema. Vamos ver o filme Tengo ganas de ti e eu choro... Me acabo de tanto chorar. É lindo e triste ao mesmo tempo. Me sinto como Ginebra, uma guerreira lutadora e incompreendida, e totalmente apaixonada por um homem cheio de segredos.
Na saída, uns amigos que nos esperam riem de mim. Ninguém entende por que eu choro com os filmes, e sugerem que a gente vá beliscar alguma coisa nos bares da Plaza Mayor. A sugestão me deixa contente.
Entre uma bebidinha mais forte e outra, tomamos muitas cervejas e por fim consigo sorrir. Depois emendamos em outro bar e, às quatro da manhã, finalmente volto a ser eu mesma! Rio, me divirto e danço como uma louca, ainda que para isso eu tenha bebido o estoque de rum com Coca-Cola de toda a Madri.
Na manhã seguinte, o barulho da porta me acorda.
Tapo a cabeça com o travesseiro, mas o barulho continua e continua... Irritada, me levanto e atendo o interfone.
— Quem é?
— Oi, tia. Sou eu e a mamãe.
Era o que me faltava.
Minha irmã!
Abro a porta para elas com má vontade. Começar o dia aturando o pessimismo da minha irmã me deixa desesperada, mas não tenho escapatória. Minha pequena sobrinha se atira em meus braços assim que me vê, e minha irmã, ao reparar em meu estado, passa batido e liga logo a tevê. Procura o canal infantil e, quando Bob Esponja aparece na tela, minha sobrinha desaparece do nosso lado. Como gosta desses desenhos ridículos...
Entro na cozinha, feito um zumbi, preparo um café e minha irmã me segue. Sua expressão é séria, e eu já imagino que ela vai me encher de perguntas. Vejo como está tensa.
— Primeiro, me devolve a cópia das chaves da tua casa.
Com vontade de matar Duda, vou até o aparador, pego as chaves e ponho na sua mão.
— Segundo — continua —, você é uma péssima irmã. Te liguei milhões de vezes nos últimos dias e nada de você ligar de volta. E se tivesse acontecido alguma coisa grave comigo?
Não responde. Ela tem razão. Às vezes sou muito avoada e admito que dessa vez exagerei.
— E terceiro: que diabos aconteceu para você estar com essa cara péssima?
— Duda, ontem à noite eu saí com uns amigos e só fui dormir às sete da manhã. Estou destruída.
Minha irmã se serve de outro café e senta na minha frente.
— Bom, a noite deve ter sido maravilhosa. Sua cara diz tudo.
— Foi, sim — murmuro, enquanto pego uma aspirina. Estou precisando.
— Foi com aquele gato com quem você está saindo?
— Não.
Faz cara de decepção, e eu mais ainda ao pensar em Gustavo.
Minha irmã não gosta de Julia e meus amigos. Acha coisa de marginal usarem piercing na sobrancelha e terem tatuagens. Está muito enganada, mas, como já tentei explicar várias vezes e não deu em nada, deixo pra lá. Que ela pense o que quiser.
— Manaaaa... não me diga que a saída de ontem foi com aqueles seus amigos, porque senão vou ficar irritada.
Dou de ombros e respondo:
— Então pode ficar irritada. Assim você terá dois trabalhos: se irritar e se “desirritar”.
— E Gustavo? Esse é o nome dele, né?
— É.
— Você continua com ele?
— Não.
— Por que não?
— O que você tem a ver com isso, Eduarda?
— Poxa, Ana Flávia, ele parecia um homem com H maiúsculo. Como você deixou escapar?
Esse é um comentário típico do meu pai, mas, não satisfeita e apesar de eu olhar para ela com minha expressão de “Cala a boca senão te dou um tapa!”, ela continua:
— Eu realmente não te entendo, AnaFlávia. Vetuche é louco por você, e você não está nem aí pra ele, e agora você ainda perde aquele homem interessante, decente e com cara de sério que te dá a maior bola.
— Que saco... quer calar a boca?
Minha irmã balança a cabeça, me reprovando. Mau sinal.
— Não. Não vou calar a boca. Fico dias sem te ver e quando ligo você não atende. E hoje eu venho te ver e te encontro feito um trapo por ter saído com seus amiguinhos. E ainda por cima não está mais com Gustavo.
Solto o ar bufando. Bufando e bufando.
E, quando acho que já esgotei todos os meus suspiros e paciência, olho para a chata da minha irmã.
— Olha só, Eduarda, não quero falar sobre Gustavo, nem sobre meus amigos, nem sobre Vetuche, nem sobre nada. Não estou nem aí pra nada disso! Estou tendo uma semana infernal no trabalho e ontem saí porque precisava me divertir e esquecer todas as coisas que estão me estressando. E agora vem você e fica gritando como uma louca, sem querer entender que minha cabeça está explodindo... E, como você não cala a boca, juro que sou capaz de fazer uma coisa horrível.
Minha irmã mexe o café, toma um gole e, fazendo cara de coitadinha, começa a chorar.
Ótimo...! Era o que me faltava!
Por fim, abandono a cadeira e vou abraçá-la.
— Ah... desculpa, Duda. Desculpa por ter gritado desse jeito. Mas você já sabe que não suporto que você se meta na minha vida e...
— Preciso te contar uma coisa e não sei como, maninha.
A mudança de assunto me desconcerta.
— Deixa eu ver... outra vez a história do Jotinha estar enganando você?
Minha irmã enxuga os olhos. Levanta-se. Observa minha sobrinha de longe e, aproximando-se de novo de mim, murmura:
— Ana Flávia. Te liguei mil vezes pra te contar.
Fico concordando com a cabeça. Vi suas chamadas perdidas, mas decidi ignorar. Me sinto péssima.
— Eu... eu não sei por onde começar — cochicha. — É tudo tão... tão...
Isso me deixa nervosa, e meu pescoço começa a coçar. Será verdade que o idiota do meu cunhado está traindo minha irmã? Convencida de que dessa vez o assunto é sério, pego as mãos dela.
— Tão o quê?
Minha irmã tapa o rosto com as mãos e quero morrer de angústia. Pobrezinha. Sou pior que uma bruxa. Conheço ela e sei que está sofrendo.
— É que tenho vergonha.
— Deixa disso. Sou sua irmã.
Duda fica vermelha como um tomate. Leva a mão ao pescoço, abaixa a voz e cochicha:
— Vetuche e eu conversamos seriamente na semana passada, quando ele voltou de viagem. — Balanço a cabeça e faço cara de compreensão. Esse é um bom começo. — Me disse que não tem amante nenhuma e que gosta de mim, mas...
— Mas?
— No dia seguinte, quarta-feira da semana passada, quando Antonella foi dormir, ele fechou a porta da sala e... e... colocou um filme de mulher vadia.
— Um filme pornô?
— Sim. Ai, meu Deus...! Você não imagina as coisas que vi!
Solto uma risada. Não consigo evitar.
— Ah, Duda, não seja careta. Pessoas transando.
— ... E trios e orgias e...
— Caraca... pelo visto o Vetuche te deixou bem informada.
Ambas caímos na gargalhada.
— Reconheço que isso fez minha libido ir a mil e... bem... —sussura. — Uma coisa levou à outra e fizemos amor na sala. No chão!
— Não acredito!
— Exatamente isso que você ouviu.
Achando graça no fato de que, para minha irmã, fazer sexo nomchão é algo proibido, digo:
— Bom... e que tal?
Ela sorri. Morre de vergonha e murmura sem olhar para mim:
— Ah, Ana Flávia...! Foi como na época em que éramos namorados. Paixão em estado puro.
Pego suas mãos e a faço olhar nos meus olhos.
— Isso é maravilhoso. Não é o que você queria? Paixão?
— Sim.
— Então qual é o problema? Por que me olha com essa cara?
— Porque a história não termina aí. No sábado eu quis lhe fazer uma surpresa. Falei com a mãe de Alicia e levei Antonella para dormir na casa dela. Preparei um jantarzinho, fui ao cabeleireiro e... e...
— E?
— Ai, querida, tenho até vergonha de falar.
Faço cara de impaciência e solto um longo suspiro.
— Tá bom, se você vai me dizer que assistiu a outro filme pornô com seu marido e que vocês transaram encostados na porta, o que há de errado?
Minha irmã põe a mão no peito.
— Ana Flávia... é que não só fizemos no sofá e no chão, mas também em cima da máquina de lavar e no corredor.
— O Vetuche tá que tá... Que garanhão você tem em casa, hein?
Por fim minha irmã solta uma gargalhada.
— Ele me comprou uma lingerie vermelha muito sexy e me fez vestir.
— Que máximo, Duda...
— E depois... quando eu menos esperava, me deu outro presente e...
— E?
Duda bebe um gole de seu café. Pega seu leque, se abana e acrescenta, vermelha como um tomate:
— Me deu um... um... um... vibrador. Pronto, falei! Disse que quer que a gente brinque na cama, que nossa relação precisa disso e que devemos realizar fantasias.
Solto uma risada outra vez. Não consigo me conter!
Minha irmã olha para mim e, chateada, murmura:
— Não sei qual é a graça. Estou te dizendo que...
— Desculpa... desculpa, Duda. — Fico séria e abaixo a voz, assim como ela. — Acho muito legal que Vetuche tenha te dado de presente um vibrador e que vocês fantasiem. Se isso vai apimentar a vida sexual de vocês, ótimo! Fantasiar é bom... A imaginação tem que servir para alguma coisa, não acha?
Ela concorda, vermelha como um tomate.
— Ai, Ana...! Fico vermelha só de lembrar as coisas que Vetuche me dizia.
Tento entendê-la. Tento imaginar o que Vetuche lhe dizia, e isso me faz sorrir. No fim das contas, os seres humanos são mais parecidos uns com os outros do que pensam. Sussurro no seu ouvido.
— Tudo bem... não precisa me contar o que ele te dizia, mas que tal o Dom Vibrador?
— Ana Flávia!
— Você lhe deu um nome?
— Maninha, por favor!
— Ah, vai... você gostou ou não?
Minha irmã fica como um tomate de novo, mas, ao ver que continuo olhando para ela à espera de uma resposta, faz que sim com a cabeça.
— Ah, Ana Flávia, foi maravilhoso. Nunca pensei que um aparelhinho desses que vibram e funcionam com pilhas juntos com a imaginação pudesse ter tanta utilidade. Só posso dizer que desde sábado não paramos mais. Estou assustada. Será que tanto sexo assim faz mal? E vou te dizer que até minha virilha está doendo...
Achando graça da confidência que minha irmã acaba de fazer, eu rio de novo. Não consigo evitar.
— Diga a ele que dê um vibrador para o clitóris — cochicho. — É fantástico!
A cara da minha irmã agora é impagável.
Eu... sua irmãzinha, acabo de lhe revelar que nada do que ela me contou é novidade para mim. Deixa o leque em cima da mesa.
— Mas... desde quando você usa essas coisas?
— Há muito tempo — minto.
— E por que você nunca me disse?
Assustada com a pergunta, fico olhando para ela.
— Convenhamos, Duda, o fato de que você precisa me contar suas intimidades na cama com seu marido não significa que eu precise contar as minhas. Eu uso essas coisas e ponto. E agora, se você descobriu que te excitam, te deixam com tesão ou como queira chamar, aproveite o momento e tenho certeza de que sua vida será mais feliz.
Minha irmã faz que sim e toma outro gole de café.
— Você é minha melhor amiga e eu precisava te contar isso tudo. Eu sabia que você não ficaria escandalizada e que me incentivaria a continuar esses joguinhos sexuais com Jotinha.
Sorrio, pego sua mão, e ela sorri também. Às vezes eu é que pareço a irmã mais velha, e eu gosto disso.
— Essas coisas, como você chama, são brinquedos eróticos e tudo bem usar — cochicho, finalmente, em meio a risinhos. — E sim... eu também brinco com eles e com a imaginação.
Acho que noventa por cento do planeta faz o mesmo, mas poucos admitem. Você sabe muito bem que sexo é tabu e, apesar de todo mundo fazer, ninguém fala disso. Mas o sexo é o sexo e devemos aproveitar tudo dele.
Volto a pensar em Gustavo e, com um sorrisinho bobo, vou em frente:
— Lembro que a pessoa que me deu meu primeiro brinquedinho me disse que, quando um homem dá um objeto desses a uma mulher, é porque deseja brincar com ela e curtir. Então, irmãzinha, aproveite, pois a vida é curta!
De repente, minha irmã explode numa gargalhada e eu também. Ainda não consigo acreditar que estou falando de vibradores com minha irmã e usando a palavra “brincar” nesse contexto. Até que minha sobrinha entra na cozinha.
— Do que vocês estão rindo?
Inesperadamente, Duda pisca um olho para mim e diz, enquanto continuo rindo:
— De como eu e sua tia adoramos brincar.
Nessa noite, após uma tarde de risadas e confidências com a  agora safadinha da minha irmã, ligo o computador assim que as duas vão embora e fico boquiaberta. Um e-mail de Gustavo!
Nervosa, abro a mensagem e vejo uma foto minha da noite anterior, dançando como uma louca com os braços para o alto. Isso me dá raiva. Por acaso ele voltou a me espionar? Mas minha irritação aumenta, quando leio o texto do e-mail.


De: Gustavo Mioto
Data: 21 de julho de 2012 08:31
Para: Ana Flávia Castela
Assunto: Linda quando dança
Gostei de te ver feliz e mais ainda de saber que você está cumprindo o prometido.
Atenciosamente,
Gustavo Mioto (o babaca)

O sangue me sobe à cabeça. Ter consciência de que ele fica me vigiando, de que leu a mensagem em que o insultei e de que não me respondeu — isso tudo me irrita a um ponto indescritível. Por que não me liga? Por que não responde meus e-mails? Por que fica me seguindo?
Penso em responder. Começo a digitar, escrevendo um monte de grosserias. Mas não... me recuso a lhe dar esse gostinho e deleto a mensagem em um só toque. Por fim, desligo o computador e,  morrendo de raiva, vou para a cama. Mais uma noite em claro.

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Continua.....☆

O próximo capítulo.....

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