Capítulo 16

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O despertador toca. Olho a hora: sete e meia.
Estico o braço e o desligo. Espreguiço na cama e minha cabeça desperta rapidamente. Olho à minha direita e vejo que Gustavo não está. Minha mente recupera a consciência do que aconteceu e eu me sento na cama quando ouço uma voz:
— Bom dia.
Olho na direção da porta e ali está ele, vestido. Vejo sua roupa e me surpreendo ao perceber que o terno e a camisa que ele está usando não são os mesmos da véspera. Ele se dá conta e responde:
— Tomás me trouxe essa roupa há uma hora.
— E a dor de cabeça? Passou? —pergunto.
— Passou, sim, Ana. Obrigado por perguntar.
Respondo com um sorriso triste. Levanto da cama sem ter consciência da minha cara péssima, toda despenteada, cheia de remela e com o pijama do Taz. Chego perto dele, fico na ponta dos pés e lhe dou um beijo na bochecha enquanto murmuro um ainda sonolento “bom dia”.
Vou à cozinha para dar o remédio de Jack, até que vejo suas coisas em cima da bancada. Paro de repente e sinto Gustavo atrás de mim. Nem me deixa pensar. Me segura pela cintura e me vira.
— Já para o chuveiro! — ordena.
Quando saio do banheiro e entro no quarto para me vestir, Gustavo não está mais ali. Então me apresso a pegar uma calcinha e um sutiã da gaveta e os coloco. Depois abro o armário e me visto. Quando já estou vestida e apresentável, vou para a sala e o vejo lendo o jornal.
— Tem café fresco — diz ao olhar para mim. — Come alguma coisa.
Ele dobra o jornal, se levanta, vem beijar o alto da minha cabeça.
— Hoje você vai me acompanhar a Guadalajara. Tenho que visitar as sucursais de lá. Não se preocupe com nada. No escritório já estão todos avisados.
Concordo com um gesto, sem ânimo para falar ou contestar. Tomo o café e, quando deixo a xícara na pia, sinto que Gustavo se aproxima por trás, mas desta vez não encosta em mim.
— Está melhor? — me pergunta.
Faço um gesto afirmativo, sem olhar para ele. Estou com vontade de chorar de novo, mas respiro fundo e consigo controlar o impulso. Tenho certeza de que Jack se aborreceria se eu continuasse me comportando como uma fraca. Com meu melhor sorriso, me viro, tirando os fios de cabelo que caem sobre meus olhos.
— Quando quiser, podemos ir.
Ele faz que sim. Não me toca. Não se aproxima de mim mais do que o estritamente necessário. Descemos até a rua e lá está Tomás, nos esperando com o carro. Entramos e a viagem começa. Durante o trajeto de uma hora, Gustavo e eu folheamos vários papéis. Sou a encarregada de manter atualizadas as sucursais da Müller, então conheço quase todos os chefes. Gustavo me explica que quer saber em primeira mão absolutamente tudo de cada sucursal: produtividade, número de funcionários que trabalham nas fábricas e o rendimento de todos eles. Isso me deixa nervosa. Com a taxa de desemprego tão alta hoje em dia, tenho medo de que comece a demitir a torto e a direito. Mas em seguida me esclarece que seu objetivo não é esse, mas sim o contrário: tentar fazer com que seus produtos sejam mais competitivos e dar início à expansão.
Às dez e meia chegamos a Guadalajara. Não me espanto quando noto que Enrique Matías não se surpreende ao me ver. Cordial, nos cumprimenta e entramos todos juntos em sua sala.
Gustavo e ele conversam sobre produtividade, deficiências da empresa e uma série de outras coisas. E eu, sentada num discreto segundo plano, tomo nota de tudo. À uma e meia, quando deixamos a sala, saio feliz ao ver que eles se entenderam. Recebo um torpedo de Vetuche. Respondo que estou bem, mas no íntimo me sinto culpada. Receber suas mensagens e estar com Gustavo faz com que eu me sinta mal. Mas por quê? Não tenho nada sério com nenhum dos dois.
No caminho de volta a Madri, Gustavo sugere que a gente pare e almoce em alguma cidadezinha. Gosto da ideia e digo que por mim tudo bem. Tomás para em Azuqueca de Henares e comemos um cordeiro delicioso. Durante o almoço, ele recebe várias mensagens. Lê todas elas com as sobrancelhas franzidas e não responde. Às quatro da tarde seguimos viagem e, quando chegamos ao hotel Villa Magna, começo a ficar tensa. Gustavo percebe e segura minha mão.
— Não se preocupe. Só quero trocar de roupa pra passar a tarde contigo. Você tem algum plano?
Penso rápido e, por fim, digo que sim, que tenho um plano. Mas não lhe dou tempo de pensar nenhuma bobagem.
— Tenho um compromisso às seis e meia — aviso. — Se você não tiver nada melhor pra fazer, pode ir comigo. De repente você vai gostar. Aí posso te mostrar meu segundo emprego. Minha resposta o surpreende.
— Você tem um segundo emprego?
— Tenho, pode-se chamar assim, apesar de que este ano é o último. Mas não vou te dizer do que se trata se você não vier comigo.
Ele sorri enquanto desce do carro. Eu o acompanho. No elevador, o ascensorista nos cumprimenta e nos leva diretamente à cobertura. Ao entrarmos em seu quarto bonito e espaçoso, Gustavo deixa em cima da mesa a pasta com o notebook e se enfia no quarto que não usamos no dia em que ficamos aqui brincando. Seu telefone apita. Uma mensagem. Não consigo deixar de olhar o visor do aparelho, onde leio o nome “Thaynara”. Quem será? Segundos depois, o celular apita de novo e na tela aparece escrito “Letícia”. Nossa, que homem disputado!

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