002 °• Doce e amado •°

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2008

Ivy

É a décima vez que estou lendo essa notícia e ainda não foi o suficiente para me fazer acreditar. Minhas mãos tremem e lágrimas começam a desfocar a minha visão. Não pode ser possível. Estou aliciando? Estou ficando maluca?

Tokio Hotel irá mesmo fazer show no meu país? Na Espanha?

Sinto uma onda enorme de felicidade me atingir e corro até a minha cama. Pego uma almofada de Gustav Schäfer e abafo um grito nela. Agarro-a com força, pensando que finalmente poderei abraçá-lo de verdade. Me levanto e vou até o pôster de Tom Kaulitz. Dou um beijo em sua bochecha e saio rodopiando até o boneco de papelão com o tamanho real de Georg Listing. Acaricio seu rosto e me olho no espelho em seguida. Estou vestindo uma blusa com o Bill Kaulitz sorrindo. Sorrio também.

Pego meu cofre em cima da mesa e o coloco no chão. O encaro por alguns segundos, pensando mesmo se devo quebrá-lo. Passei quatro anos juntando a mesada que meus pais me dão e finalmente a usarei para algo. A porcelana se despedaça com facilidade. Conto todas as moedas e notas de papel. Faço as contas de quanto dará para ir de Madrid até Barcelona.

Desço as escadas com um sorriso de canto a canto. Encontro meus pais sentados no sofá assistindo algum tipo de programa. Ambos estão afastados um do outro, com o celular em mãos. Paro bem no centro da sala, estalando os dedos em nervosismo.

Torço para que eles me deixem ir. Eles precisam me deixar ir. Tenho dezenove anos e sou grande o suficiente para sair de casa. Com certeza me virarei sozinha em Barcelona.

Demora um pouco até meus pais perceberem minha presença ali. Minha mãe me olha com seus olhos cansados, ainda vestindo a roupa do trabalho. Ignoro a pontada de dor que sinto ao pensar que terei que deixá-la só. Meu pai está com outra roupa, contudo ainda enxergo manchas cinzas em seu rosto. Ele é um ótimo pedreiro mas um péssimo marido. Assim que ambos os olhos estão em mim, começo:

- Bom - engulo em seco, me sentindo ainda mais nervosa ao ver suas caras inexpressivas - Vocês sabem que sou fã de um banda desde dois mil e cinco. Acontece que, essa banda, irá fazer um show aqui na Espanha na semana que vem, em Barcelona. Contei todo o meu dinheiro e vai dar para pagar a passagem de avião e o ingresso do show. Se eu achar um lugar barato para ficar, também será o suficiente. Vocês não precisam me emprestar nenhum dinheiro, só me permitir viajar.

Meu pai franze o cenho e se espreguiça. Ele me olha com insignificância e dá de ombros, se levantando e deixando-me a sós com minha mãe. Interpreto aquilo como um sim e olho esperançosa para a mulher vestida de terno. Diferente do meu pai, ela me olha como se eu tivesse dito algo que a ofendeu. Sinto meu peito arder mas recuso transparecer minha dor.

- Mãe... - tento soar confiante, mas minha voz me trai.

- Não - ela responde e me sinto péssima.

- Mas mãe, eu já sou de maior - tento persuadi-la, segurando as lágrimas que ameaçam jorrar de meus olhos.

- Ser de maior não significa que você é capaz de viver sozinha em outro estado. Você pode ser assaltada, atropelada, sequestrada! - ele diz tudo aquilo com uma expressão horrorizada - Não posso deixar.

Cerro os punhos. Por mais que eu não queira admitir, sabia que ela diria isso. Sinto um nó na garganta e uma vontade enorme de chorar. Me ajoelharei se necessário.

- Mãe, é meu sonho... - digo, desistindo de conter as lágrimas e deixando-as escorrer pelo meu rosto - Por favor.

Os olhos castanhos idênticos aos meus me analisam. Sempre fomos eu e ela. Mesmo meu pai morando na mesma casa, ele raramente fica presente. Sei que ele já traiu minha mãe inúmeras vezes, mas não se divorciaram por minha causa. Talvez, quem sabe, mamãe se livre dele se eu for embora, já que não terá motivos para conviver com ele.

- Olha, sei que você também tem vários sonhos mas que muitos deles você não pôde realizar - continuo, tentando persuadi-la - Uma vez você me disse que seu sonho era encontrar seu príncipe encantado. Na época, eu não entendi bem o que você quis dizer porque achei que você e papai se dessem bem.

"Mas agora eu entendo. Sei que você nunca entrou em processo de divórcio porque achou que isso me deixaria triste. Pais separados. Mas... eu fico ainda mais triste sabendo que você não é feliz e que não realizou seu sonho. Então, mãe, peço que me deixe realizar o meu porque o seu torcerei para que aconteça"

Ao terminar de falar, seguro a respiração. Espero que ela me diga alguma coisa. Segundos se passam mas parecem horas. Mamãe me olha estranho, não sei bem como interpretar isso. Quando acho que o que eu disse não adiantou de nada, ela sorri.

- Achei que você não se lembrava do meu sonho - sua expressão de cansaço fica ainda mais evidente quando sorri - Ok, pararei de ser a mãe super protetora por algum tempo. Deixarei você ir contanto que me ligue a cada três horas.

É impossível não conter um grito de felicidade. Corro até ela e envolvo meus braços ao redor da mulher que mais amo nesse mundo. Ela pede para parar assim que a aperto demais. Estou tão feliz que poderia andar na rua totalmente despida e não sentiria vergonha. Talvez um pouco, mas quem liga?

Eu iria para Barcelona.

Eu iria para o show do Tokio Hotel.

Ficaria apenas três dias lá e mamãe pagaria minha passagem de volta. Só precisava encontrar um lugar que estivesse ao meu alcance para me hospedar. Começo a arrumar minhas malas mesmo que viajaria daqui dois dias. Encaro os pôsteres na minha parede. Olho para o garoto de dreads e com um piercing no lábio. Meu coração salta de alegria ao saber que o verei no palco.

Meu doce e amado, Tom Kaulitz.

𝐀 𝐅Ã𝐗𝐈𝐍𝐄𝐈𝐑𝐀 | ᴛᴏᴍ ᴋᴀᴜʟɪᴛᴢ.Onde histórias criam vida. Descubra agora