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Ivy

Andar de avião seria uma maravilha se eu não ficasse enjoada toda vez que olhasse pela janela. A moça sentada ao meu lado faz cara feia quando vomito pela terceira vez. Jogo o líquido verde que está na sacola no lixeiro, limpando a boca com um lenço.

Fecho os olhos, sorrindo mesmo com a sensação de enjoo surgindo novamente. De acordo com a aeromoça, falta menos de dez minutos para o avião pousar em Barcelona. Tento permanecer calma. Tento respirar fundo e não gritar de alegria quando finalmente piso no mesmo Estado que Tokio Hotel vai pisar.

Me sinto a pessoa mais feliz do mundo.

Chamo um táxi e sou levada até um hotel meia boca que minha mãe me ajudou a achar na Internet. A estadia é barata, fazendo jus à sua composição. As escadas que subo para o meu quarto rangem a cada passo que dou. Tenho que segurar um grito ao ver um rato fugir de mim quando chego em meu quarto.

Pelo menos, a cama é confortável e os lençóis são cheirosos. Dou a volta pelo hotel para conhecê-lo melhor. Só há três pessoas aqui. Sinto um pouco de pena do dono e prometo a mim mesma dar uma boa avaliação quando for embora.

Decido dar uma volta pela cidade. Barcelona não é tão diferente de Madrid, mas a segunda supera a primeira em movimento. O dobro de carros passa pelas ruas e inúmeras pessoas andam pela calçada. Indo e voltando. Quando percebo, estou perto da arena de shows.

A olho com uma felicidade enorme. Meu coração saltita em tamanha ansiedade. Me imagino ali, amanhã, pulando e gritando ao som de Tokio Hotel. Me imagino na sessão de fotos, ao lado dos garotos que tanto admiro e amo. Me imagino roubando o coração de Tom Kaulitz e o levando para cama.

Ok, acho que exagerei.

Sonhos são bons, mas sei que alguns dos meus nunca se realizarão. Tom Kaulitz nunca daria atenção para uma garota do interior de Madrid a ponto de olhar para ela, porém me contento com o fato de que estarei no mesmo local que ele, a poucos metros de distância. E, quando a sessão de fotos chegar, poderei tocá-lo por alguns segundos.

Amo todos os garotos, entretanto Tom Kaulitz tem um lugar especial em meu coração. Sou fã deles desde dois mil e cinco, quando estavam no auge da fama. Eu tinha acabado de ganhar um fora do meu namorado quando encontrei um vídeo dos meninos em um site. Por incrível que pareça, vi meu ex-namorado no garoto de dreads. Então, me tornei obcecada por ele.

Com os anos, parei de compará-lo com meu antigo namorado e o apreciei do jeito que é. Sua personalidade forte era cativante e me fazia rir. Tokio Hotel foi a única coisa que me manteve sã quando meus pais brigavam e, quando via meu pai dando em cima de outra mulher quando saíamos. Eles me distraiam a ponto de me fazer esquecer as coisas ruins que aconteciam.

Estou tão distraída que nem percebo minha bolsa deslizar da minha mão. Quando me dou conta, um homem sai correndo com ela. Arregalo os olhos. Não penso duas vezes antes de correr atrás dele. Por sorte, eu era a garota mais rápida do clube de corrida.

Ouço o vento uivar conforme aumento a velocidade. Grito para que ele pare; grito para que alguém me ajude. Desvio, pulo. O homem está tentando me despistar, mas não vou deixá-lo levar minha bolsa. Meu ingresso do show está lá, sem contar todo o meu dinheiro. Não posso deixar que meu sonho seja destruído.

Estou a poucos metros do ladrão. Ele parece um pouco nervoso e surpreso por eu o acompanhar. Estico meu braço, tentando agarrá-lo pela gola do casaco.

- Me devolva! - grito, usando todo o ar que consigo para propragar o som - Seu filho da put...

Paro de falar assim que tropeço no meio fio e caio de cara no chão. Sinto meu peito arder pela queda e pelo formigamento de meus pulmões. Algumas pessoas me ajudam a levantar, levando um lenço até meu nariz que sangra.

Tudo perde a magia. Sinto uma vontade enorme de chorar, mas me seguro por estar em público. Assinto quando me perguntam se estou bem. Me levanto, mancando. Sinto como se alguém tivesse batido em meu peito inúmeras vezes seguidas, sem parar. Dói tanto que mal consigo falar. Começo a tremer e a suar, mesmo no frio. Penso no que minha mãe disse quando pedi se podia viajar para Barcelona.

"Você pode ser assaltada, atropelada, sequestrada"

Mordo o interior da bochecha, triste por saber que ela estava certa. Olho para a rua. Talvez seja a vez de ser atropelada, para evitar a última premonição. Sento no ponto do ônibus, com meu nariz ainda escorrendo sangue. As pessoas me olham preocupadas. Talvez devessem mesmo.

Não faço ideia do que devo fazer. Não consigo pensar em nada para sair dessa. Ao menos meu celular estava em meu bolso. Encontro alguns trocados, mas não seriam suficientes para nada. Começo a chorar, ignorando se estou sozinha ou não. Se eu ligasse para a polícia, talvez eles achassem quem roubou. Não, seria impossível. Eu não vi o rosto do ladrão nenhuma vez, como iria descrevê-lo? Fecho os olhos e jogo a cabeça para trás.

Primeiro dia em Barcelona, concluído.

Há outra opção. Eu poderia voltar para casa, hoje. Não adianta comprar ingresso. Já estão todos esgotados. Procuro em meu celular e vejo a lista de voos. Droga. Só tem viagem de Barcelona à Madrid depois de amanhã, de madrugada. Xingo mentalmente o ladrão de todas as formas possíveis. Eu o odeio tanto que se o encontrasse, o mataria.

Volto ao hotel a passos pesados. Me jogo na cama e me obrigo a dormir. Quando acordo, com o celular despertando com Ich bin nich' ich, de Tokio Hotel, choro mais uma vez. Olho pela janela aos pedaços do hotel, para o lugar em que o show vai ocorrer.

Observo os hotéis em volta. Altos e bem maiores do que o que estou agora. Os meninos devem estar em algum deles, se preparando para o show de hoje à noite. Se eu soubesse e conseguisse entrar, poderia ao menos pedir um autógrafo.

Espera... e se isso for mesmo possível? Penso em todas as possibilidades e chego a uma mais provável de acontecer.

E se eu trabalhasse como faxineira no hotel em que estão hospedados?

𝐀 𝐅Ã𝐗𝐈𝐍𝐄𝐈𝐑𝐀 | ᴛᴏᴍ ᴋᴀᴜʟɪᴛᴢ.Onde histórias criam vida. Descubra agora