O Eco Do Passado

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"O passado é um eco de dores que ainda
ressoam no presente."

Kate

Numa manhã de outono revestida pela beleza melancólica de Boston, com suas folhas pintando de laranja o chão ainda úmido da chuva noturna, abri as janelas de meu apartamento. A brisa carregada pelo aroma de terra molhada invadiu o espaço, trazendo consigo uma espécie de tranquilidade rústica. Absorta nos detalhes das gotículas de chuva que se prendiam à vidraça, servia o chá de camomila, esperando que ele despertasse em mim alguma inspiração. Foi nesse momento de contemplação que a campainha tocou, arrancando-me abruptamente do meu devaneio.

Uma visita inesperada àquela hora só podia ser Tiago. Sem o habitual cuidado de olhar pelo olho mágico, guiada mais pelo instinto do que pela razão, abri a porta. E lá estavam eles, meus pais, com expressões tão tomadas de surpresa quanto a minha própria.

Minha mãe, com seu tom arrogante e autoritário, foi a primeira a romper o silêncio.

— É assim que recebe os seus pais? — disse ela, com uma dureza que só ela conseguia imprimir nas palavras.

Engoli em seco, tentando encontrar as palavras certas.

— Ah, entrem — murmurei, mesmo que minha mente insistisse para que eu fechasse a porta, meu coração não permitiu.

Eles entraram, minha mãe com um ar de superioridade, meu pai, como sempre, silencioso e submisso, seguindo-a. Ela olhou ao redor, avaliando cada detalhe.

— Até que é uma casa muito bonita para alguém como você. Onde conseguiu tanto dinheiro? Não me diga que foi aquele cara engravatado que pagou por isso — disse minha mãe, a voz carregada de desdém.

— Não foi ele. Eu paguei sozinha — respondi, lutando contra a maré de lembranças dolorosas daquela noite.

Meu pai, como sempre, apenas a seguia, o menos culpado de todos, mas ainda assim, cúmplice pelo silêncio.

— Que ingrata você é, que ingrata — foi a última coisa que ouvi antes que minha mãe agarrasse meus cabelos cacheados.

— Emily! — gritou meu pai, tentando ajudar, mas sem a coragem de intervir.

— Sua irmã te ajudou a pagar e mesmo assim você não reconhece o esforço dela — minha mãe me lançou ao chão, desferindo tapas enquanto eu tentava cobrir o rosto.

— Você sempre tentou ser como ela, você sempre quis ser ela. Você é uma invejosa, eu amaldiçoo você e essa sua vida de merda. — As palavras foram mais dolorosas do que todos os puxões que ela me deu ou de todos os tapas.

Meu pai gritava para ela parar, mas ela não parava.

— Você foi a nossa maior desilusão. — Minha mãe finalmente me largou ali no chão, com alguns cabelos arrancados, marcas no corpo e um coração partido.

Meu pai olhava para mim com desgosto, e ambos saíram pela porta que eu não deveria ter aberto, pois junto com eles, os ecos do passado também entraram.

Tentei ligar para o Tiago diversas vezes, mas não atendia. Ou o número estava ocupado, ou a chamada era recusada.

Sozinha, o reflexo no espelho mostrava um exterior que mal reconhecia, e, no entanto, era o caos interior que mais assolava. As tentativas de contato com Tiago, em busca de algum conforto, se mostraram infrutíferas.

No silêncio de meu apartamento, enquanto tentava fisicamente me recompor, enfrentava uma batalha muito mais árdua internamente. A demora na cicatrização de feridas emocionais é sempre mais penosa. Foi nesse momento de vulnerabilidade que a ansiedade fez-se mais presente do que nunca, assumindo o controle e mergulhando meu ser em uma profunda espiral de pânico.

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