" A ilusão é como uma pedra em nossos ombros, que pesa com a dor do que nunca existiu"
K
ate
Tiago mal tirava os olhos da estrada enquanto dirigia, mas sua voz transbordava uma gratidão profunda.
— Kate, meu pai agradece por você ter encontrado Adrielly — disse ele, o alívio evidente em cada sílaba.
— Sem problemas. Eu tinha prometido — respondi, tentando soar casual, mas minha voz saiu estranha, uma tonalidade diferente que ele não conseguiu notar, ocupado demais com a felicidade de ter Adrielly segura ao seu lado.
A dor na minha perna estava se tornando insuportável. Cada movimento era uma tortura, mas o medo de causar mais alarde ou preocupar Tiago me mantinha em silêncio. Não queria acrescentar mais peso àquela noite já carregada de tensão.
— Tiago, você se importaria de me deixar em casa? — perguntei, tentando manter a voz firme.
Ele concordou sem questionar, talvez ainda absorvido demais com o reencontro com Adrielly ou talvez processando a confusão que acabara de acontecer. Mantive a mão firmemente pressionada contra a ferida na minha perna, tentando disfarçar o quão grave era. Sentia o sangue escorrendo pela minha mão, quente e pegajoso, mas continuei a fingir que estava tudo bem.
Quando finalmente chegamos em frente à minha casa, desci do carro com dificuldade, tentando não chamar atenção para a minha perna ferida. Cada passo era uma luta contra a dor.
— Obrigado por tudo, Tiago — disse, forçando um sorriso. Minha voz estava estranhamente calma, uma máscara perfeita para o caos interior.
Ele acenou, claramente aliviado por ver Adrielly sã e salva, mas também preocupado com algum pensamento que não conseguiu disfarçar. Talvez estivesse refletindo sobre o perigo que havíamos enfrentado ou sobre o homem que nos havia atacado.
Assim que eles partiram, senti meu corpo desmoronar. Cambaleei até a porta de casa, abrindo-a com a chave que sempre carregava. A casa estava silenciosa, todos já deveriam estar dormindo. Fiz meu caminho até o banheiro, fechando a porta com cuidado para não fazer barulho. A cada passo, a dor na perna se intensificava, latejando com uma força quase insuportável.
Levantei a barra da calça e vi o quão profundo era o corte. Precisava de cuidados médicos, mas como explicar a situação sem envolver Tiago ou Adrielly? Sem mencionar o acordo que eu tinha feito com aquele homem, que agora parecia ter ido por água abaixo.
Peguei o kit de primeiros socorros debaixo da pia e comecei a limpar a ferida o melhor que pude. A dor era quase insuportável, e eu sabia que estava correndo o risco de uma infecção. Enquanto limpava o corte, lágrimas silenciosas escorriam pelo meu rosto. Não era só a dor física, mas o peso de tudo o que tinha acontecido naquela noite.
Depois de fazer um curativo improvisado, arrastei-me até meu quarto. Cada movimento era uma batalha contra a dor e o cansaço. Deixei-me cair na cama, exausta e ainda tentando processar os eventos da noite. Tiago havia prometido que não daria dinheiro, mas ainda assim Adrielly estava salva, e eu ferida.
Enquanto a escuridão da noite me envolvia, uma coisa era clara: não havia retorno. Coisas haviam sido colocadas em movimento que não poderiam ser facilmente desfeitas. E, embora minha ferida fosse eventualmente cicatrizar, as cicatrizes invisíveis daquela noite permaneceriam comigo. Eu tinha conseguido cumprir minha promessa, mas a que custo?
Fechei os olhos, tentando encontrar algum consolo no silêncio do meu quarto. O cansaço finalmente venceu, puxando-me para o esquecimento temporário que o sono oferecia. Acordaria amanhã enfrentando as consequências dos meus atos, mas por esta noite, ao menos, permiti-me descansar.