"Como é que algo que deixa as pessoas felizes também é fonte de desastre?"
K𝒂𝒕𝒆A tarde na galeria era um emaranhado de emoções e expectativas. Cada canto estava repleto de arte e talento, com ajustes finais sendo feitos para a tão aguardada exposição. Confrontei-me com outros artistas, trocamos olhares ansiosos e palavras de encorajamento. Tudo estava finalmente pronto.
À medida que o sol se despedia no horizonte, o relógio marcava quase 18h. Decidi começar a arrumar meus materiais de pintura - cavalete, pincéis, quadros e tintas. O cheiro familiar da tinta me acalmava, mas havia algo no ar que me deixava inquieto. Eu não gostava de pintar pessoas, sempre achara a tarefa exigente demais, mas Tiago... Tiago era a exceção que desafiava todas as minhas regras.
Duas horas se passaram e ele ainda não havia chegado. Cada minuto de atraso parecia uma eternidade. Para não me consumir pela ansiedade, resolvi mergulhar em uma nova pintura. O tempo parecia voar enquanto pincelava cada detalhe da Fênix de fogo que começava a ganhar vida na tela. A criatura mitológica, símbolo de renascimento e força, era um reflexo das minhas próprias emoções naquela noite.
Quase três horas depois, com a pintura finalmente concluída, olhei para o relógio. Eram 23h. O estúdio estava silencioso, exceto pelo som suave das minhas pinceladas finais. A frustração começava a se instalar, e foi então que meu celular vibrou. Uma mensagem de Tiago. Com o coração apertado, li suas palavras: ele não poderia vir por motivos pessoais.
A decepção tomou conta de mim, como uma onda fria que apaga o calor de um momento. Respirei fundo, tentando conter a tristeza. Enquanto arrumava minhas coisas, olhei mais uma vez para a Fênix que pintei naquela noite. Ela, com suas chamas ardentes e asas majestosas, representava mais do que uma obra de arte. Era um símbolo de esperança e renovação.
Naquela noite, a Fênix não era apenas uma pintura. Era um lembrete de que, mesmo nas piores decepções, há sempre a possibilidade de renascer das cinzas. E assim, com o coração pesado mas cheio de determinação, guardei meus materiais e saí da galeria, pronto para enfrentar o que viesse a seguir.
A madrugada estava fria, e a lua cheia iluminava as ruas desertas da cidade. Caminhei lentamente, perdido em pensamentos. A mensagem de Tiago ecoava em minha mente como um refrão repetitivo, mas não havia tempo para lamentos prolongados. Cada passo ecoava a promessa de um novo começo, uma nova chance de criar e de viver.
Cheguei em casa e, ao abrir a porta, fui saudado pelo silêncio tranquilizador. Coloquei minhas coisas no estúdio improvisado, um pequeno quarto que se tornara meu santuário criativo. A Fênix, ainda fresca, foi colocada cuidadosamente sobre a mesa de trabalho. Sentei-me, observando cada detalhe da pintura, sentindo uma conexão profunda com a criatura mitológica que criara.
De repente, um som suave quebrou o silêncio. Era o toque do meu celular novamente. Desta vez, uma chamada de um número desconhecido. Atendi com certo receio, e a voz do outro lado era grave mas amigável.
- Hola mi musa - falou Rodríguez, aparentemente sorrindo.
- Querido, são quase 01h da manhã, você é um morcego? - perguntei, indo em direção ao meu quarto.
- E o que você está fazendo acordada a essa hora? - perguntou Rodríguez.
- Terminei de pintar um quadro e estou morrendo de sono - falei, pegando um saco de medicamentos.