— Eu espero que você tenha uma boa desculpa para ter precisado passar a tarde na universidade, sendo que você nem saiu da escola, e me deixar cuidando do Miguel. — Clarisse disse com seu jeito passivo-agressivo.
Ela estava sentada na minha cama com os braços cruzados me esperando dizer alguma coisa. Seus cabelos castanhos ondulados estavam em um coque, o que provavelmente significava cansaço extremo.
Eu não sabia por onde começar, então contei desde o início. Ela não acreditou quando disse que entrei num ônibus e só faltou ter um troço quando falei sobre o homem estranho com bafo de cana. Quando contei de Thomas e como ele me salvou ela espremeu bem os olhos como se estivesse suspeitando de alguma coisa, mas dei de ombros e continuei.
Contei da proposta de Thomas para ajudá-lo com o Irineu e ela riu, o que já era esperado. Mas quando disse que ia ficar indo toda quinta-feira para o outro lado da cidade ela fechou a cara, talvez porque aconteceria o mesmo de hoje, e ela não pareceu ter gostado.
— Não me leve a mal. Eu amo Miguel, mas eu não posso ficar de babá. Tenho mais o que fazer. — Ela disse cruzando os braços.
— Lisse, eu dei a minha palavra. O que eu vou fazer? — Perguntei.
Eu realmente estava em conflito. Meu pai logo chegaria em casa e eu não tinha uma desculpa para ter deixado Miguel com Clarisse. Eu não gostava de mentir, mas nessa situação parecia mais sensato do que dizer para meu pai que eu estava indo para faculdade com um desconhecido.
— Você se meteu nessa. Você que se vire. — Ela disse se levantando, mas eu protestei choramingando. — Sei lá! Inventa aí um cursinho ou então uma isolada! Qualquer coisa, só não me meta no meio.
Lembrei do que Thomas disse sobre as cabines da biblioteca da universidade. Eu poderia usar essa desculpa para justificar as idas para a faculdade, mas ainda tinha que pensar o que fazer com meu irmão.
— Eu acho que já sei o que fazer... — Falei.
Acompanhei Clarisse até a saída, eu agradeci por ter me acobertado e na mesma hora que nos despedimos meu pai chegou com uma sacola na mão. Ele parecia estar mais cansado do que Clarisse.
— Eu trouxe janta! — Ele disse forçando um sorriso.
Eu lhe dei um abraço e ele retribui. Eu sempre pensava em como aquela situação estava difícil para a minha mãe, mas não tinha parado para pensar que meu pai também estava sofrendo. Enquanto isso Lisse disse que ia embora e aproveitou que meu pai estava de costas para gesticular um "boa sorte" com a boca.
Depois que ela foi embora eu chamei Miguel para jantar e enquanto comíamos comida chinesa eu aproveitei para ver se a minha ideia colava.
— Pai... Eu queria falar com o senhor. — Disse e ele me olhou preocupado. — É que eu não estou conseguindo estudar direito. Não sei... Estou tendo muita dificuldade para me concentrar e aprender os assuntos. Estava pensando em como fazer para resolver isso.
— Sério? E você pensou em alguma coisa? — Ele perguntou soltando o garfo.
— Na verdade, sim. Eu pensei em estudar em cabine. — Ele franziu a sobrancelha para tentar entender. — É um lugar onde as pessoas apenas estudam, cada um na sua. Eu fui conhecer uma hoje, por isso Clarisse estava aqui. — Era mentira porque eu nem se quer fui na biblioteca.
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As Palavras Não Ditas
Teen Fiction+12 | E se, por um momento, tudo o que você achava ser perfeito na sua vida começasse a desmoronar bem diante dos seus olhos? Aquilo que você jurava ser impossível de dar errado te surpreendeu. Clara, em meio à transição para a vida adulta, se vê di...