Capítulo 1

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Jeff

— Mãe, cheguei.

Abri a porta e um aroma de cigarro temperado com gordura velha me cumprimentou. Eu já deveria estar acostumado, contudo, mesmo após anos vivendo sob aquele teto, nunca me habituei ao cheiro que muitas vezes ouvi meus colegas de escola classificarem como: "cheiro de pobre".

Passei pela sala e empurrei com o pé uma caixa de papelão cheia de qualquer coisa que minha mãe decidira doar dessa vez, e avancei até a cozinha, nos fundos do barracão onde, provisoriamente, eu estava acampado.

— Você demorou. Estava bebendo de novo?

A mulher, que aparentava ter 10 anos a mais do que sua verdadeira idade, me perguntou, entre uma baforada e outra, à porta dos fundos da cozinha. Era um hábito que ela mantinha visando impedir que o cheiro do cigarro entrasse em casa. Infelizmente, essa era uma atitude inútil, pois não havia como neutralizar o aroma que emanava dela, desde as profundezas de seus poros até a roupa que vestia.

— E você, está fumando de novo?

Pff — bufou, depois tragou novamente.

Ignorei a pergunta dela assim como ela ignorou a minha. Ignoramos um a outro, como sempre fazíamos, já que eu não deveria beber, do mesmo jeito que ela não deveria mais colocar um puto de um cigarro nos lábios.

Diferente de mim, que caminhava à borda de uma dependência química, minha mãe tinha enfisema pulmonar. Eu bebia para sobreviver, ela fumava para morrer. O objetivo era diferente, mas o fim era o mesmo.

— Comeu? — ela perguntou, depois tossiu por uns dois minutos.

A brisa que entrava pela porta da cozinha fez arrepiar minha pele por baixo da blusa fina. Devia estar fazendo uns 12 graus e a casa tinha tantas infiltrações que, mesmo no calor, o clima ali era úmido e pesado. Doralice, minha mal-humorada mãe, descartou a bituca no terreno baldio do outro lado da cerca que separava o barracão do resto do absoluto nada que nos cercava, e fechou finalmente a porta.

— Não — respondi.

— Quer que eu prepare alguma coisa?

— Larinha comeu? — Ignorei a pergunta com outra. Não queria dar trabalho, já passava da meia-noite e ela já deveria estar deitada, mas estava ali, se intoxicando um pouco mais enquanto me esperava por algum motivo que só ela sabia.

— Muito pouco. Ela quer aquela vadia da mãe. Não posso forçar, você sabe.

Engoli em seco e caminhei até meu quarto. Não que pudesse ser considerado um quarto, a metade de um aposento separado por um guarda-roupa velho. De um lado, minha mãe dormia sobre um sofá-cama barato e contava com o benefício de uma janela. Do outro, ficava o meu colchão sobre um improviso de estrado feito de vigas de madeira e blocos de cimento. No fundo da divisória, encostado na única parede livre do aposento, um berço desmontável acomodava o motivo da minha maior preocupação.

Ela dormia. A boquinha rosada fazia movimentos reflexivos, como se estivesse falando em sonhos. Os anéis dourados dos cabelos tinham o mesmo tom dos cabelos da mãe, mas os olhos fechados tinham a mesma cor do meu, um prata azulado que poderia ser considerado bonito para muitos, mas para mim refletia a frieza e o desbotamento que resumia minha vida.

No entanto, em Larah o tom ficava bonito. Diferente dos meus, os olhos dela brilhavam como se tivessem luz própria. Aquela luminescência seria embotada pela vida conforme ela fosse crescendo; isso, claro, se eu não desse um jeito de mudar a realidade dela para uma melhor.

— Em quem você bateu dessa vez? — O tom rouco e rasgado de Doralice estava cheio de reprovação. Ela tocou o tecido rasgado e sujo do ombro da minha blusa e passou o polegar pelo sangue pisado, que ficara impresso ali quando limpei o corte do meu lábio inferior. — É o terceiro dia que você chega machucado em casa! Até quando isso vai durar?

— Não é importante. Vou fazer a ronda amanhã de novo, depois verei.

— Por que você continua fazendo isso, Jefferson?

— Por que você continua fumando, mãe?

Doralice puxou meu braço e me virou em direção a si. Senti os dedos cheirando a cigarro tocarem minha barba cerrada. Ela estava fazendo o inventário das lesões, algo que sempre fazia, noite após noite, desde que me tornei policial, desde que deixei de ser policial, desde que me tornei essa pessoa que não tinha mais uma definição, um propósito ou uma missão.

— Onde você estava, Jefferson?

— Mãe, precisamos mesmo fazer isso?

Eu tinha 27 anos e já havia passado da idade de ter que dar satisfações à matriarca, mas não podia negar que ela tinha todos os motivos do mundo para se afligir. O que um ex-policial com sinais claros de depressão, problemas com álcool e afastado da corporação estava fazendo escondido na casa da mãe, um lugar que fazia fronteira com o meio do nada, com uma criança de dois anos de idade?

Pois é, o fim do mundo ainda ficava perto demais da última confusão na qual me meti dessa vez.

Improvável (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora