Capítulo 40

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Hannah mantinha a cabeça abaixada, subitamente interessada nas enormes unhas de gel que compunham seu visual "funkeira do morro", personagem que a deixou rica. Ela era lindíssima, uma Shakira brasileira, realmente de impressionar, mas o asco que eu sentia dela nesse momento sobrepujava sua beleza estonteante.

— Como ela está? — sua voz era um sussurro rouco, quase um sibilo.

— Me pareceu ótima. E feliz — respondi à pergunta feita a respeito da Larah.

Ela balançou a cabeça, como que concordando.

— Como ele está?

Suspirei pesado antes de responder. Eu adoraria saber. Não tive nenhuma notícia por seis dias, e meu peito ardia de preocupação. Eu não sabia se ele tinha voltado a beber, se estava melhor do problema hepático, se tinha se recuperado das lesões, voltado a comer melhor... Nada. Além disso, sentia uma falta surreal dele, ainda que tenha buscado isolar meus pensamentos a fim de focar no meu trabalho.

Foi a primeira vez que não consegui focar cem porcento no que estava investigando.

— Você realmente se importa? — Tentei ser imparcial, mas falhei miseravelmente.

— Pode parecer que não, mas realmente me importo. Nós dois tínhamos problemas, ambos adictos. Não sei se Jeff já pode se encaixar nessa categoria, eu, no entanto...

— Chegaram a procurar ajuda?

Ela riu, ainda sem me olhar nos olhos.

— Você teve a oportunidade de conversar com o Jeff. Acha que ele procuraria ajuda?

Eu não abri essa parte a ela. Na verdade, abri pouca coisa. Tudo o que fiz foi um relatório recheado de detalhes a respeito de como sua filha tinha sido praticamente abusada por pessoas que frequentavam sua casa. Também coloquei informações de como Jefferson retirou a filha de seus cuidados quando soube que a menina não estava em segurança.

— Acho que, com a ajuda certa, qualquer pessoa pode melhorar.

— Fácil para você falar. Tenho certeza de que você desistiria dele rapidinho.

Ela não estava errada. Eu mesmo afirmei isso sobre ele.

— Isso não vem ao caso. O que acha da proposta que fiz?

Ela finalmente me encarou.

— Peço para você cavar uma história do passado do meu ex, e você me vem com esse relatório...

— Ao menos é uma história real, certo? É uma pena que você seja culpada até a tampa nisso. Cavei a verdade, porque é o que eu faço. Agora, se não é o suficiente para você, vou te deixar na mão das pessoas que têm te controlado. Talvez você se dê melhor em resolver sua situação sozinha.

Hannah realmente estava no fundo do poço. O fato de ter me procurado já era um sinal de desespero. Viciada, tinha a vida controlada pelo companheiro, um traficante temido. O homem se envolveu com vários negócios ilícitos, dentre os quais, o tal site de pornografia infantil, que fui descobrir mais tarde ser parte de uma rede financiada por empresários e até políticos. O centro de tudo ficava justamente em nossa cidade, nas imediações de onde ficavam os bares que Jeff frequentava. Ele estava na pista certa, mas dificilmente chegaria às pessoas certas.

Minha estratégia foi usar o máximo de informações verdadeiras para mostrar à Hannah que eu tinha controle da situação e poderia usar as evidências contra ela e os demais. Ela tinha muito medo do companheiro, e aceitou jogá-lo na arena dos leões para se safar. Como ela faria isso? Vou explicar.

Como já disse antes, trabalhei para muitas pessoas famosas, de celebridades a políticos, de bandidos a jogadores de futebol. Fiz uma network bem interessante, e fatalmente, realizei serviços para pessoas consideradas rivais. O morro estava sob o controle do companheiro de Hannah, mas havia outras facções interessadas em encabeçar os negócios. Só tive que ir atrás de alguém sujo o suficiente para fazer tráfico, mas com um nível mínimo de moralidade a ponto de repudiar qualquer tipo de negócio envolvendo tráfico humano ou pornografia infantil.

Minha proposta era entregar parte das provas a essa facção, o controle, em troca de proteção e punição dos responsáveis pelo site de pornografia. Entre contar com uma justiça corrompida e apelar para quem de fato podia tomar a frente das coisas, optei pelo controle de danos. Hannah só precisava aceitar a proposta e entregar a guarda da filha ao pai. Jeff sumiria com as evidências envolvendo a participação da ex no crime, que seguiria com a vida ou optaria por se acabar nas drogas, isso seria escolha dela.

— Acha que pode dar certo? — ela perguntou. Percebi seu cansaço e resignação, e o quanto estava inclinada a entregar os pontos.

— Acho promissor. Não vejo muita saída. É isso ou você vai continuar sob ameaça, colocando a vida da sua filha em risco e acabando com qualquer chance de futuro para qualquer um de vocês. Jeff quase morreu, Hannah. Se isso tivesse acontecido, tudo viria à tona e você se daria muito mal de qualquer maneira. Ele ainda pode morrer, e nada garante o dia de amanhã. Eu soltaria os rabos presos enquanto é tempo.

— Se der errado, todos nós podemos morrer.

— Todos podem morrer de qualquer maneira. O importante é como podem viver, é isso que está em jogo.

— Vou procurar meu advogado.

Tratamos mais alguns detalhes e saí da casa de Hannah com um misto de preocupação, ansiedade e medo. Julguem-me por não recorrer por vias legais, mas como quem já atuou do lado de dentro, eu sabia muito bem em quais portas bater, e quais dariam num labirinto sem saída.

Eu havia passado a semana inteira arquitetando esse plano. Levantei todas as informações, avaliei cada alternativa, calculei cada passo e simulei tudo o que poderia dar errado. Meu plano era a melhor opção dentre tantos outros que tracei. Não era perfeito, dependia de decisões duvidosas e passava longe de qualquer consciência moral, mas era o melhor que eu podia oferecer. A única ponta solta de tudo era não poder identificar diretamente os responsáveis pelo site de pornografia. Talvez a facção que assumisse o controle pudesse conseguir isso. Eu não consegui.

Cheguei em casa e pensei no que fazer. Meu trabalho estava praticamente concluído, restando à Hannah preparar a transferência da guarda, e com isso em mãos, eu acionaria minha rede de contatos e daria andamento no plano. Precisava falar com Jeff a respeito, explicar a ele cada passo da operação. Olhei o relógio, ansioso. Se eu corresse, conseguiria chegar até ele antes do anoitecer.

Improvável (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora