Jeff
Eu estava amarrado. Num primeiro momento, não me importei tanto, afinal, sempre desconfiei que as coisas acabariam assim. Estava conformado e até ri da ironia de me encontrar preso com alguém de quem havia escapado há quase vinte anos.
Minha tentativa de forçar as cordas que prendiam minha mão à cadeira não deu em nada. Era uma cadeira de ferro, dessas estilo tubular, toda enferrujada; os pés sem proteção faziam um ruído agudo no piso quando eu me mexia, e o som reverberava no espaço vazio e malcheiroso. Lamentei não ser como naqueles filmes de ação nos quais o prisioneiro se joga da cadeira para quebrá-la e assim escapar. Nos filmes, a cadeira era sempre de madeira. Na realidade, tudo era sempre uma merda.
O local onde eu estava cheirava a um misto de mofo e algo estranho, ácido, difícil de identificar. Havia uma goteira num canto do espaço de paredes sem acabamento, e não havia janelas. De modo geral, eu estava bem, mas não sabia por quanto tempo permaneceria assim.
O homem tatuado, cujo nome era Thor (esse provavelmente não era seu nome, mas se ele se identificava assim, quem era eu para julgar...?), estava sentado à minha frente. Fiquei impressionado com o fato de me lembrar tão bem dele, mesmo depois de tanto tempo. Ele era branco, olhos castanhos e o cabelo, que outrora fora loiro, agora estava cinzento; seu rosto comprido e coberto com uma barba farta era duro e encovado, com sobrancelhas grossas que quase chegavam a se unir no cenho e o maior nariz que eu já tinha visto na vida.
Feio para caralho!
— Cara, na moral. Se quer matar, mata logo. Se quer brincar, diz qual é o jogo, mas para de ficar me encarando. Não faz meu tipo, desculpe — lancei o deboche. Ele não mudou a expressão.
— Você sabia que a Larah foi encontrada?
Eu fiz um esforço sobre-humano para não demonstrar meu terror. Não queria que ele pensasse ter algum domínio sobre mim, sobre meus sentimentos e medos.
— Ela está com a mãe? — Imaginei que, se tentasse pautar uma conversa, conseguiria tirar mais informações para usar ao meu favor, caso conseguisse escapar.
— Não. Está com o Juizado de Menores. Sua ex fritou o cérebro, quase foi pro saco com a última dose.
Não soube dizer se a história me aliviava ou me apavorava.
— Como chegaram a ela? — Essa era uma resposta que eu precisava obter. Depois de todo o cuidado que tive, só havia um motivo plausível.
— O policial fodão que resolveu o sequestro da filha do prefeito. Sabia que ele era bom, só não dava tanto crédito. Quando Hannah falou que ia contratar ele, achei que não ia dar em nada. O melhor de tudo é que ele só precisou foder sua bunda para conseguir a menina de volta.
Acho que entrei em stand by nessa hora. Minha alma se encolheu num canto da mente e ficou ali, em silêncio, esperando o vendaval passar. Eu não podia acreditar que André faria algo assim, e estava disposto a jogar isso de volta na cara desse idiota que falava essas merdas sem sentido, até que ele me mostrou a tela do próprio celular.
Nela havia uma imagem do André com Doralice, que carregava minha filha no colo, entrando numa delegacia de polícia. A manchete trazia: "Foi encontrada a filha da digital influencer Hannah Albuquerque, pelo mesmo investigador que, no passado, localizou a filha sequestrada do prefeito".
Ainda assim, eu não conseguia acreditar. Podia ser negação, ou burrice mesmo, mas depois que me convenci de que André gostava de mim, não podia simplesmente acreditar em qualquer outra coisa, ainda que ela gritasse na minha cara através de um canal confiável de notícias.
Eu bem sabia que a mídia podia distorcer tudo. No máximo, André ficou sem opção e teve que fazer algo, afinal, já fazia dois dias que eu estava "desaparecido".
— Certo. E agora? O que você quer?
Rapidamente concluí que, se eu estava amarrado e Larah não estava sendo usada como elemento de chantagem, provavelmente não conseguiram chegar a ela. Se não chegaram, eles não tinham vantagem sobre mim, por isso ficavam me cozinhando no porão até descobrir como agir.
— Você sabe o que eu quero. Onde estão os vídeos? E o acesso ao canal? Quero essa porra destruída, tá me entendendo?
— Como pode ver, estou com as mãos amarradas às costas. Não posso te dar nada, sequer usar o celular. — Tempo. Eu precisava de tempo para pensar em algo. Vi o homem ficar de pé e se portar à minha frente. Havia uma arma em sua mão, que ele usou para acariciar meu queixo.
Eu não esperava pelo golpe. A coronha bateu com força acima da minha orelha, e no mesmo instante o sangue começou a escorrer, morno e viscoso até a gola da minha camiseta.
Porra! Eu havia acabado de sarar as merdas dos machucados!
— Você acha que sou idiota ou o quê? — Agora ele enfiava o cano da pistola na minha boca.
— Aoa ão osso aiar...
— Quê? — Ele puxou a arma de volta.
Puta cara burro!
— Agora não posso falar, seu imbecil! Você amarra minhas mãos, depois enfia uma arma na minha boca. Vai ter que me ajudar aqui, tá legal?
Mais um golpe, agora na bochecha. Senti os dentes romperem a pele por dentro e cuspi o sangue nos pés do sujeito.
— Você vai me dar esse vídeo, tá entendendo?
Fiquei pensando por um instante. Por que será que ele demorou dois dias para começar a forçar essa resposta? Eu fiquei sentado nesse buraco, sem comer, apenas com uns goles de água que ele jogava no meu rosto, sujo de urina porque, convenhamos, ninguém consegue ficar dois dias sem mijar, e durante esse tempo todo, ele não tentou arrancar a resposta de mim.
— Você não conseguiu, não é? Não conseguiu quebrar meus códigos.
É, eu sabia uns lances fodidos sobre criptografia avançada. Longa história.
Mais um golpe alcançou meu corpo, agora com a ponta da bota na lateral acima da cintura. Bem onde uma costela fraturada se recuperava, fixada por pinos e placas.
Soltei o ar e esperei que a onda de náusea causada pela dor se dissipasse. Mais uma vez, eu me encontrava nessa situação, e já estava muito cansado disso. A diferença é que, dessa vez, eu não queria morrer. Eu precisava ficar vivo pela Larah! Precisava viver para dizer ao André que acreditava nele. Eu acreditava que ele gostava de mim, e que não me trairia. Eu tinha tanta certeza disso que minha alma se desencostou daquele canto da mente e reagiu ao meu favor.
Olhei para o meu agressor e ele estava agachado, encarando-me de perto. Num rompante, eu me levantei e a cadeira presa a mim se moveu comigo. Dei uma cabeçada no nariz dele e girei o corpo. O pé da cadeira acertou em cheio com a lateral da sua cabeça. Pego de surpresa, ele deixou a arma escapar e tombou para o lado, e eu me joguei com tudo em cima dele, usando meu próprio peso para fincar a cadeira em seu tronco.
Talvez a vida real seja mais interessante que nos filmes. Um pé de ferro enferrujado e sem proteção podia ser bem mais letal que a madeira chique das cadeiras dos filmes de ação.
Thor urrou de dor e eu vi sangue sob sua roupa. Ele tentou me tirar de cima de si, eu firmei os pés no chão e saltei mais uma vez, sentado em cima dele, os pés da cadeira prendendo seu corpo. Mais um ruído rasgado escapou dos seus lábios acompanhado de um som sinistro de ossos quebrando; ele deslocou o corpo com energia tirada não sei de onde, e minha cadeira praticamente voou. Minha cabeça alcançou o chão antes do resto, e tudo ficou escuro.
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Improvável (Romance Gay)
Romance🌈 Romance Gay 🥉TOP 3 NA CATEGORIA "ROMANCE LGBTQIA+" - 3ª Ed.CONCURSO CÓSMICO 2024 🥇 #1 romancegay (Jun2024) 🥇 #1 sensual (Mai2024) 🥇 #1 homoerótico (Abr2024) 🥇 #1 autodescoberta (Abr2024) 🥇 #1 policial (Set2024) 🥈 #2 novos (Abr2024) 🥈 #2...