Capítulo 18

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Jeff

Nada aconteceu.

Ouvi o ruído e esperava que a dor se dissipasse, mas meu ombro doía como fogo, atingido por um chute quando me encolhi. O segundo chute pegou nas costelas, senti algo se deslocando por dentro, e tive certeza de que o próximo golpe me colocaria mais perto da morte ou até mesmo causaria meu fim.

Eu preferia que a arma tivesse funcionado. Seria uma morte mais rápida. Olhei para a pistola em minhas mãos e só então caiu a ficha de que ela havia falhado.

Ela não havia disparado.

Minhas mãos tremiam e eu sabia que era pela adrenalina do momento. Eu poderia estar morto, mas estava vivo.

Eu estava vivo!

Demorou para eu perceber que mais nenhum golpe chegava ao meu corpo. Levantei os olhos e vi os dois homens no chão. Um deles dava uns solavancos estranhos. Não entendi nada. Fechei os olhos e encostei a cabeça no muro atrás de mim. Soltei a arma e deixei o ar gelado resfriar meu corpo em chamas.

Eu precisava de um tempo.

Senti uma presença próxima, mas não me senti ameaçado. Por algum motivo inexplicável, eu sabia.

Eu sabia que era ele.

Abri uma fenda nas pálpebras, o suficiente para enxergar um par de pernas se agachar ao meu lado. Ele recolheu a arma e foi até os dois sujeitos no chão. Cutucou com a ponta do pé e se certificou de que estavam desacordados, depois voltou para o meu lado e passou os braços por baixo dos meus, me colocando de pé.

Eu não queria me mover, mas ele me ajudou. Ele tinha um cheiro tão bom, acho que enfiei meu rosto em seu peito e roubei um pouco daquele aroma. Devo ter esfregado meu nariz ali, como um gatinho carente. Para meu alívio, ele me ajudou a entrar num carro e eu não precisei mais andar.

Ele arrancou e dirigiu por um bom tempo. Eu imaginei que ele estivesse dando voltas para se certificar de que não seria seguido. Cara esperto! Num dado momento, ele parou numa rua movimentada e desligou o carro. Quando tirou o cinto, olhou para mim.

– Como você está se sentido? – Perguntou.

– Você foi atrás de mim...

Ele não disse nada. Apenas suspirou. Olhei para ele e o vi esfregando os olhos. Estava nervoso, parecia cansado, triste...

– Você é o cara mais idiota que eu já conheci na minha vida – rosnou.

– Tanto assim...?

– Por que faz isso? Por que se meter num bar e beber até cair? Por Deus! Você está cheio de drogas no corpo! E isso não é o pior! Você ia usar a arma! Ia não, você usou a porra da arma em si mesmo! Por quê?

– Quer mesmo ouvir a resposta?

Silêncio. Ele não queria ouvir. Quem iria querer?

– Você disse que usaria a arma se fosse para ajudar a alguém que você ama. Nunca para si mesmo. Foi egoísta, foi covarde e... – Ele esmurrou o volante.

Mais silêncio. Me senti cansado e não queria mais falar. Esse papo estava chato pra caralho e eu só queria dormir. Dormir e não acordar. Sim, seria perfeito. Anjos, poderiam ouvir minhas preces? Por favor?

André deu partida no carro e o colocou em movimento. Algum tempo depois, eu me encontrava no estacionamento do prédio dele. Ele me levou de volta, e eu fiquei tão aliviado que quase chorei.

– Você está fedendo de novo. Está fedendo a vômito, a álcool e a puta. Não vou te dar banho dessa vez.

– Ah... não seja um chato!

Eu estava bêbado?

– Vamos.

Ele me ajudou a sair do carro e me arrastei com ele até o elevador. No apartamento, ele abriu a ducha e praticamente me jogou debaixo da água com roupa e tudo, só deu para eu tirar os tênis.

– Se vira aí pra tirar a roupa. Se conseguiu da primeira vez que esteve aqui quando seu estado era bem pior do que agora, pode dar seu jeito. Eu vou sair e não se dê ao trabalho de me esperar. Vou deixar suas coisas no sofá.

Fiquei um tempo sentindo a água me cobrir da cabeça aos pés. Meu curativo estava seguro, Ângela o havia coberto com um tipo de plástico adesivo gigante então não chegava a penetrar água. Aos poucos, comecei a me sentir minimamente melhor e tirei as peças de roupa, lentamente. Tirar era bem mais fácil do que pôr, era só deixar tudo cair aos meus pés. Quando notei que meu tempo sob a água já se tornava uma ofensa à natureza, saí do banho.

Havia toalhas limpas (claro) sobre a pia. Um par de chinelos e mais nada. Fui até a sala e havia mais um conjunto de moletom, calça, blusão e camiseta de malha. Me perguntei quantos moletons esse cara tinha. As peças estavam metodicamente dobradas no braço do sofá, e ao lado, minha arma, meu aparelho celular e meu carregador. Peguei a arma e inspecionei.

Estava sem o pente.

Ele havia removido o pente antes de me devolver.

Por que ele havia feito isso?

Coloquei as roupas com a lentidão de um certo personagem de Zootopia. Aspirei o aroma e me dei conta de que estava viciado nesse cheiro. Meus medicamentos estavam sobre a mesa, e eu alcancei as cápsulas para o estômago. Fui até a cozinha, bebi água (um excelente hábito que eu não praticava, infelizmente). Voltei à sala e me joguei no sofá.

Não tinha notado, mas no outro braço do sofá havia um travesseiro e um cobertor, e o quadro todo, desde minha saída desse lugar, a tentativa de suicídio, ter sido salvo de novo, a volta para esta sala, as roupas dobradas, o cobertor, essa atenção que André dava a cada detalhe e o fato de ele ter removido o pente da arma... Tudo isso me atingiu em cheio no peito, e uma onda de emoção sem precedentes me envolveu.

E então veio. As lágrimas jorraram dos meus olhos e a angústia foi tão esmagadora que eu cheguei a soluçar. Aquele pranto contido por anos, desde quando fui resgatado por uma faxineira de um futuro sem futuro, veio com tudo, me quebrou e me dobrou de uma só vez.

Eu não merecia nada disso. Não merecia, mas parecia que os anjos queriam me dar uma chance, uma oportunidade para fazer escolhas diferentes, para fazer a coisa certa. Eu tinha Larah, eu tinha um sonho, de ter um futuro. Se eu conseguisse ficar longe do álcool, se conseguisse me manter vivo, talvez fosse possível ter esperança.

Essa esperança tinha nome. André não desistiu de mim. Ele me mandou embora, mas foi me procurar, e por causa disso, eu estava vivo agora. Ele salvou minha vida de novo, me salvou até de mim mesmo, e eu precisava parar de desperdiçar o que a vida lançava diante de mim.

Com ele nos meus pensamentos, eu puxei o cobertor, me acomodei naquele travesseiro macio com o perfume que já estava impregnado na minha pele, me entreguei à imagem do céu noturno com as estrelas em meio às nuvens, e mergulhei no adorável mundo dos sonhos.

Improvável (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora