Improvável (Romance Gay)

Capítulo 37

André

Eu me sentia vibrando. Tudo em mim tremia por dentro. Não era pela brisa gelada, tampouco pelo estresse das últimas horas. Era por causa dele. Por causa do que ele dizia, eu me sentia em combustão lenta. Cheguei a olhar a ponta dos meus dedos para conferir se era só por dentro que eu era chacoalhado. Para meu alívio, minhas mãos estavam firmes, como sempre estiveram.

Nunca fui um cara muito emotivo; acho que já falei sobre isso. Contudo, a cada minuto que eu passava perto desse cara, mais empurrado e atraído eu era pelo grande imbróglio chamado Jefferson Prado. Não sei quantas vezes nessa mesma noite eu tive que me controlar para não deixar transparecer o turbilhão que se passava dentro de mim só por tê-lo por perto.

Todavia, ele me veio com essa história. Quando ouvi, compreendi, e muitas peças se encaixaram de uma vez. O resultado me deixou atordoado e assustado, e agora, tudo o que eu queria era colocar Jeff dentro de uma caixa e só tirá-lo de lá quando eu mesmo tivesse descoberto e resolvido tudo.

Não ia rolar, obviamente.

– É por isso que a Hannah não te denunciou pelo sequestro? Por causa da filmagem?

– Ela sabia que poderia ser presa. Não é só essa filmagem que possuo; tenho registro dela se drogando perto da menina, negligenciando sua segurança e, o pior de tudo, permitindo essa situação, tudo em troca de drogas.

– E por que você não a denunciou?

– Porque o buraco é muito mais embaixo. Eu não podia deixar a Larah vulnerável porque... Ela pode se tornar um dano colateral.

– Eu não consigo entender...

– Veja bem: Hannah é uma influenciadora digital. É famosa e noventa porcento de sua verba vem de patrocínios e contratos com grandes marcas. Além do mais, ela vive com um traficante que tem costas quentes com a polícia. Se essa história vier à tona, eles terão muito a perder. Na real, eles vão perder tudo, inclusive a liberdade. É certo que o companheiro dela será executado pelo tribunal do crime só por entrar no radar da mídia, e Hannah faria qualquer coisa para se safar.

– Eu não entendo... Como você ainda está vivo? Diante do que está me contando, desaparecer com você seria o caminho lógico.

– Seria, se eu não tivesse me garantido.

– Como você fez isso?

– Eu criei um canal com todas as "catracas" de segurança e agendei a postagem dos vídeos, com as devidas marcações dos principais canais de comunicação, para ocorrer sempre três dias no futuro. Se algo acontecer comigo, a publicação será feita. Enquanto estou seguro, continuo reagendando a data da publicação. Por isso, preciso ficar entrando no canal e monitorando as datas.

– É por isso que você não desgrudava do celular.

– É por isso que fiquei tão puto quando você não me devolveu.

– Entendo... Esse é o motivo de aqueles homens ficarem te seguindo e tentando tirar o controle de você. Eles te surraram, te torturaram, mas não podiam...

– Me matar. Por isso Hannah fica procurando uma brecha, qualquer merda que eu tenha feito, principalmente da época em que eu era policial. Ela quer jogar na mesma moeda. Por isso ela contratou você pra me investigar.

Eu não me lembro de ter me sentido mais sujo em algum outro momento da vida. Nem quando caí numa poça de vômito ou quando carreguei Jeff fedendo a esgoto e sangue.

– Genial, Jeff. Seria um grande plano, se você não ficasse dando a cara a tapa, esperando ser morto por acidente. Por que você não fez esse lance do canal e se escondeu? Desapareceu?

– Eles querem a Larah.

– Por quê? Ela é só uma criança, duvido que possa testemunhar acerca deles!

– Eu não me importaria de morrer com essa bomba, André; mas eles sabem que eu entregaria tudo por ela. Eles querem usá-la como moeda de troca pelo acesso ao canal. Se estiverem com ela sob tortura sabem que eu faria qualquer coisa, até meteria uma bala na cabeça. Bom, nem preciso te dizer como isso não seria um problema para mim.

– Puta que pariu, Jeff...

– Eu não confio em trocá-la pelo acesso ao canal porque na primeira oportunidade, eles vão acabar comigo e ela voltará para a Hannah. Vai acontecer com ela o mesmo que aconteceu comigo... E não vai ter ninguém para defendê-la. A única saída é descobrir sobre o esquema, desmantelar a quadrilha e garantir que ela vá para um lugar seguro, longe da Hannah.

Tudo aquilo era tão confuso pra mim que nem meu cérebro nerd conseguia chegar a uma conclusão. Havia tantas vertentes de um mesmo problema que a coisa mais parecia a metástase de um câncer.

– É por isso que você fica de bar em bar? Está procurando pelo homem da tatuagem? – Rendido, perguntei.

– Quando eu era pequeno, o local de filmagem era no subsolo de um bar. Eu captei numa das conversas da câmera os rapazes falando do ponto de encontro, um tal bar, nas imediações do Centro. Triangulei e mapeei os bares das regiões do entorno até o Centro. Eu segui fazendo meu trabalho, rastreando pistas, não preciso te explicar como faço, você é melhor nisso do que eu.

– Jeff... Não sei nem como avaliar tudo isso. É muita informação e, mesmo entendendo suas motivações, eu ainda tentaria recorrer aos meios legais para conseguir a guarda da menina. Sei que você tem um histórico complicado, mas se for provado que a mãe foi negligente, a guarda dela certamente vai para você.

– Seria o certo, se as pessoas certas não ocupassem as mesas erradas. Esse esquema conta com muitos tentáculos, de bandidos a juízes, todos fazendo vista grossa para manter o canal de pornografia. Dentre as filmagens que reuni, também consegui alguns nomes perturbadores. Eu preciso encontrar o lugar, por isso sigo procurando, e enquanto estou longe da minha filha, ela fica segura.

– Nada garante que eles estão no mesmo local, Jeff. E Doralice, ela não podia te passar a localização?

– Ela não vai passar.

– Por quê?

– Porque ela sabe que é um caminho sem volta, e que provavelmente vou morrer quando encontrar; não sem antes levar alguns comigo e fazer a denúncia, claro.

Ficamos um longo tempo em silêncio. Jeff olhava para o nada, como quem já desistiu de tudo, e minha mente trabalhava a mil por hora, procurando uma saída que não existia. Fortuitamente, uma garoa fina começou a umedecer a relva ao redor, e a temperatura caiu bruscamente. Vi quando Jeff esfregou as mãos e entendi que havia chegado a hora de seguir adiante. Me levantei e caminhei para o carro, falando por cima do ombro:

– Vamos. Temos uma criança que precisa se reencontrar com o pai.