Capítulo 53

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Jeff

Eu estava distraído com a luz que entrava pelas frestas das persianas daquele quarto de hospital. A imagem me lançou numa espécie de déjà vu, e mergulhei nas memórias de um certo apartamento. Ao meu lado, deitado desajeitadamente numa poltrona nada confortável, André ressonava. Pelo tom alaranjado da claridade do quarto, devia ter acabado de amanhecer.

Ao que tudo indicava, esse era o dia em que eu teria alta do hospital. Após o resgate, passei os últimos três dias sob cuidados médicos, principalmente devido a um traumatismo craniano. Não era nada tão sério, apenas precisei ficar em observação devido aos riscos neurológicos que, possivelmente, micro hemorragias poderiam ocasionar.

Meu breve cárcere me proporcionou, além de hematomas novos, um novo corte de cabelo. Como precisei levar pontos logo acima da orelha, minha cabeça foi raspada na lateral. Uma das enfermeiras ficou babando em cima de mim e se ofereceu para ajeitar o corte; ela tinha curso de cabeleireira ou algo assim, e me fez um corte estilo mullet que ficou demais!

Havia uma certa agitação além da porta. Repórteres e curiosos esperavam minha alta para fazerem perguntas e chafurdarem na minha história. Jogar os vídeos na rede me deixou famoso, de certa forma, e consegui tanto fãs quanto haters após ter jogado o nome da minha ex na lama.

Nunca foi minha intenção que terminasse assim. Eu queria ter a vantagem, mas não esperava precisar usá-la. No fim, eu apenas não tive escolha, pois estava impossibilitado de evitar que os vídeos fossem ao ar. Talvez fosse o destino pregando uma peça em todos aqueles filhos da puta.

Anjos, enfim, obrigado!

Além da imprensa no meu pé, tive que responder muitas perguntas para a polícia. Fui enquadrado por sequestro, mas havia vários atenuantes, o que me garantiu uma certa vantagem no caso da Larah. Mesmo assim, eu ainda não podia ver minha filha, que estava em algum canto do planeta ao qual eu não tinha acesso. Isso me angustiava, mas não abalava minha confiança de que em breve eu a teria em meus braços.

Olhei para o André. Ele não saiu do meu lado em nenhum instante desde que fui resgatado. Eu estava tão apaixonado por ele que não saberia dizer se já gostara de alguém de fato. Eu não via a hora de sair do hospital para ficar com ele num contexto mais íntimo.

Curioso como essa coisa entre a gente cresceu sem aviso e de forma tão surpreendente. Era tão improvável que, se alguém inventasse essa história, ninguém acreditaria.

Mas eu o amava.

Eu amava um homem.

Eu achava que era um homem hétero. Mas me apaixonei por outro homem, que também acreditava ser hétero!

Ele me pediu para morarmos juntos. Não fez nenhuma cerimônia, foi logo resolvendo as coisas por nós, dizendo que seria o único caminho aceitável se pensasse na Larah. Enquanto eu estava internado, ele foi até o interior e pegou tudo o que era meu e dela, até o berço. Ele queria trazer a Doralice também, mas ela não quis sair de lá. André sugeriu que fizéssemos visitas quinzenais a ela, o que a agradou, embora ela não tenha dado o braço a torcer admitindo isso.

Agora, eu esperava a visita do médico para me liberar. Queria ir para casa, e isso me deixava inquieto, porque ainda não sentia o apartamento do André como sendo minha casa.

Minha casa.

Mi - nha - ca - sa...

Nossa casa.

NOSSA CASA!

Cara, isso era louco demais para minha cabeça! Não que eu estivesse protelando, ou tivesse dúvidas do que queria.

Eu sabia o que eu queria.

— Acordado? — A voz do André soou ao meu lado. Meu coração palpitou.

— E ansioso... — respondi.

— Você está bem?

— Não sei. Acho que sim.

Ele colocou a mão na minha nuca e me puxou para um beijo. Delicioso. Molhado.

Caralho, que beijo bom! Eu queria continuar nisso, e mais um pouco...

— Também tô ansioso — ele murmurou, entre uma chupada e uma mordida que dava nos meus lábios.

Fomos interrompidos pela presença da enfermeira, que limpou o pigarro da garganta enquanto testemunhava nosso amasso. Nem sei por quanto tempo ela ficou ali, esperando.

— O médico já virá com a sua alta. Senhor André, poderia me acompanhar para assinar os papéis?

André se ajeitou para seguir a enfermeira. Havia uma ereção aparente na frente de sua calça, e eu fiquei com vontade de rir da cara dele. Ele pegou a jaqueta e colocou na frente do corpo antes de sair, e eu me levantei, também de pau duro, pensando em nós e no que nos aguardava quando enfim déssemos adeus a essa atmosfera ruim do hospital.

André se assumiu e me assumiu, publicamente. Mais explícito impossível! Eu assisti pela TV do quarto do hospital e foi foda demais vê-lo numa comitiva de imprensa explicando como haviam descoberto o esconderijo da quadrilha, como eu tinha planejado meu golpe e como fui resgatado com vida. Quando questionado sobre nossa relação, ele declarou abertamente que era meu companheiro. "Companheiro de que tipo?" Uma repórter havia perguntado, toda insinuante. "Do tipo romântico" foi sua resposta.

Obviamente, novas hashtags polvilharam a internet naquele dia, e nem preciso dizer que meu pau ficou duro ali, no leito do hospital. André conseguia posar de fodão em qualquer circunstância. Para mim, ele era a pessoa mais masculina que eu já tinha visto. Sua orientação sexual, fosse gay, bi ou outra, não diminuía sua masculinidade em nada, e isso me atraía demais! Muitos admiravam sua postura confiante sobre o assunto, e ouvi muitos 'Andreff' seguidos de suspiros, especialmente de enfermeiros animados. Isso me divertiu pra caralho!

Eu ainda pensava nessas coisas quando terminei de tirar aquele avental ridículo do hospital, depois coloquei minhas roupas. Na verdade, eram roupas do André, que eu pedi a ele para providenciar. Fiz questão de enfatizar que queria um conjunto de moletom dele, porque queria sentir seu cheiro. Ele riu e me trouxe um azul-marinho com o símbolo de uma universidade. No momento, eu estava me sentindo embrulhado pelo André.

O médico entrou e conversou um pouco comigo. Ele havia me incluído num programa para tratamento da hepatite alcoólica. Também fui encaminhado para cuidado psicológico e precisaria cumprir com as exigências de uma determinação judicial que visava me avaliar e me laudar, e isso determinaria quando e como eu teria minha filha de volta.

Eu realmente acreditava que, com o apoio do André, finalmente teria forças para tratar a depressão e o vício. Eu não estaria sozinho dessa vez, e isso era tão empolgante que, pela primeira vez, vi uma luz naquele túnel escuro e sem fim que habitava dentro de mim.

— Tudo certo, doutor? — André perguntou ao médico assim que entrou no quarto.

— Tudo em ordem — o médico se voltou para mim — Jeff, chega de se meter em encrenca, OK? Suas radiografias dão medo! Veja se mantém esse lindo corpo longe dos chutes e murros, e procure um nutricionista para melhorar sua alimentação. Você precisa ganhar peso, está muito abaixo da média — então, se voltou para o André —, nada de fast food e essas porcarias prontas. Você precisa cuidar bem do seu homem, está me entendendo?

Senti meu rosto queimar com a imperativa do médico. Meu gaydar era basicamente um recém-nascido, mas ficou óbvio que o médico era gay, pela forma como se referiu a mim e pelo jeito que ele olhava para o André. Isso me incomodou bastante.

Eu estava com ciúmes? Sério?

— Pode deixar, doutor — André se aproximou de mim e, sem nenhuma cerimônia, me tascou um beijo na boca —, eu sei cuidar muito bem do meu homem. Vamos para casa, Jeff!

Ahh... Isso era tudo o que eu queria ouvir!

Improvável (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora