Jeff
Eu estava pouco me fodendo. É sério. Tirei aquela mão enorme de mim e virei as costas. A cada passo que dava, sentia agulhadas em meu torso, mas isso não doía mais do que outras coisas.
A vida inteira eu me senti desprezado. A vida inteira eu mendiguei atenção em meio a pessoas que me possuíam. Sim, essa é a palavra: possuíam. Eu não fui tirado de um orfanato por ser uma criança que precisava de uma família, nem fui escolhido por uma família que desejava um filho. Eu fui adotado por um par de pessoas que queria usar minha aparência para ganhar dinheiro.
Eu era um menino bonito. Tinha olhos claros e, na época, meus cabelos eram dourados e ondulados. Aos sete anos, eu já estava inserido num esquema de pornografia infantil e posava para fotos e vídeos que posteriormente seriam disponibilizados em sites para pedófilos.
Pesado, não é?
Pois bem. Doralice me encontrou. Ela era faxineira no estúdio que os caras usavam para fazer as vinhetas, e me encontrou sozinho, chorando num canto.
Ela fugiu comigo.
Fuga era a minha constante. Talvez por esse motivo eu vivia em fuga e me sentia bem com isso. A adrenalina me alimentava e me motivava. Talvez eu precisasse dessa adrenalina como uma droga para me sentir infimamente vivo.
Bem, traumas à parte, agora eu precisava fugir de novo, e buscava meu aparelho em meio aos cobertores jogados no sofá. Doía me inclinar, doía me levantar, mas já passara por coisas bem ruins antes. Não tão ruins fisicamente como desta vez, mas ruins a ponto de me subjugar e me manter com a cara no chão pedindo para morrer.
Conferi a carga do meu celular e usei a internet do André para fazer uma última atualização na página que vinha acessando ao longo do último mês. Eu precisava fazer isso a cada dois dias para garantir minha cartada, caso contrário, perderia toda a vantagem. Ouvi passos atrás de mim e o som seco de um tênis jogado aos meus pés.
André deu as costas e, antes de voltar pelo corredor, jogou minha arma no sofá. Não me olhou nos olhos nem proferiu uma palavra sequer. Aquilo me aborreceu de um jeito que eu não poderia descrever.
Eu não tinha me ligado que havia um sentimento crescendo em mim. Eu era profundamente grato pelo que André havia feito, e embora na maioria das vezes ele tivesse agido de modo estúpido, éramos homens e isso era perfeitamente normal. Homens se xingam, se enfrentam e são neandertais na maior parte do tempo, mesmo assim se respeitam e se admiram ainda que sem palavras.
Eu o admirava pra caralho. Ele era um cara paciente, centrado, organizado, superinteligente e profundamente humano. O que ele teve que aguentar nesses dias em que fiquei enfurnado em seu espaço privado até seria suportável se eu fosse um velho amigo, um parente ou um irmão, mas eu não era nada além de um encrenqueiro com um caminhão de problemas, e isso já era motivo suficiente para ele me escorraçar sem dó.
Mesmo assim, eu não esperava por isso.
Certo. Eu falei que iria embora, por que estava murmurando?
Me sentei no sofá e demorei um tempo sobre-humano para colocar a porra do tênis. Ficou grande no meu pé e, tudo bem, antes grande do que pequeno. Ao menos era um tênis e meu pé não congelaria nos oito graus que fazia do lado de fora.
Peguei os remédios, a arma, o celular e o carregador e enfiei tudo no bolso do blusão. Fechei o zíper, cobri a cabeça com o capuz e comecei minha peregrinação até a portaria do prédio.
Era um conjunto de apartamentos bem bacana. Alto padrão, com um hall todo marmorizado e espelhado, coisa chique. Me sentiria diminuído se minha capacidade de sentir não tivesse sido vaporizada pela mágoa.
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Improvável (Romance Gay)
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