Capítulo 24

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André

Foram dois dias de UTI, dois dias num quarto regular, e consegui assinar uma porrada de papéis para trazer o Jeff pra minha casa. Nos dois dias em que ele ficou no quarto, eu fiquei com ele, só me afastando nos momentos em que ele ia fazer algum exame ou estava sob cuidados médicos.

Ele estava paranoico e eu não podia culpá-lo. Era como se a qualquer momento aqueles dois elementos fossem surgir do nada para terminar o trabalho, e ele já tinha sofrido demais.

Hannah tinha saído do radar depois que garanti a ela que estava quase chegando a uma história mirabolante, e que esse era o intuito da minha aproximação com o Jeff. Ela mordeu a isca e eu me senti sujo, contudo, não havia o que fazer; enquanto eu não pudesse arrancar de Jeff a verdade, ainda tinha que andar na corda bamba.

Eu fui visitar Doralice enquanto ele estava na UTI. Eu ainda não sabia qual era a história com a Larah, não perguntei se havia mais alguém na casa, mas resolvi atualizar a mulher do quadro de saúde do Jeff porque se algo pior acontecesse, ela ia querer saber. Ela me perguntou quem eu era e qual era a minha relação com o Jeff. Respondi que era um amigo e nada mais.

No momento, não me sentia nem amigo, nem nada mais.

Não falamos mais sobre nós; me resignei a ficar no quarto e manter distância. Ele não pareceu se importar, e me perguntei se aquele lance todo que tinha rolado entre a gente não tinha sido coisa da minha cabeça.

– Acho foda esse sofá – ele murmurou com uma voz arranhada, enquanto tentava se acomodar na parte estendida do móvel. Dava dó de ouvir. Ele parecia fraco e sua garganta estava esquisita por causa do tubo respiratório.

– Na verdade, eu pensei se você não preferia ficar na cama.

Ele me olhou assustado, e só então me dei conta do que tinha parecido.

– Não, não... Não comigo, quero dizer... Eu cederia a cama para você se sentir mais confortável enquanto se recupera.

Ele sorriu. Lamentei o fato de ele sorrir tão pouco.

– Eu ficaria na cama com você.

Wow, por essa eu não esperava. Senti meu rosto corar como um adolescente idiota.

– Não acho prudente – desconversei – tenho medo de me mexer, encostar em você e causar algum tipo de desconforto. Tem muita coisa pra sarar ainda no seu corpo.

– Tem partes do meu corpo que estão muito bem, obrigado.

Buguei.

– Jeff...

– Relaxa, cara. Estava brincando contigo.

Estava?

Droga.

– Não sabia que você tinha senso de humor.

– Não tenho, mas fiquei com vontade de te zoar. Você está tão bonzinho que fico com vontade de te irritar só pra você ficar puto e voltar a ser o chato de sempre.

Quê?

– Qual o seu problema? – Ralhei.

– Viu? Consegui.

Eu fiquei com vontade de arrancar aquele sorriso petulante dele com... Um beijo.

– Bom, você precisa de alguma coisa? Quer comer algo? Daqui há pouco a Ângela chega pra te colocar no soro.

– Qual o seu lance com a Ângela? Ela é sua ex-mulher e tal, mas parece muito mais do que isso.

Senti um tom acusatório. Fiquei confuso. Ele estava perguntando por ter interesse nela, ciúmes dela ou... Ciúmes de mim?

Não. Por que ele teria ciúmes de mim?

– Ela é minha amiga. Sempre foi. Nos casamos por conveniência, convivemos três anos e depois decidimos nos separar. Foi tranquilo, e ela disse que eu não seria capaz de me apaixonar de verdade por alguém, mas eu...

Engoli as palavras. Por pouco eu não dava com a língua nos dentes.

– Então ela está livre?

Olhei para ele meio rápido demais. Ele tinha o mesmo sorriso zombeteiro nos lábios.

– Eu não sei. Ela fodia com o terapeuta. Você pode perguntar a ela quando ela chegar. – Respondi e dei as costas para sair da sala, nervoso. Me senti meio ridículo, infantil. Sentimento esquisito do caralho! Nem parecia que eu já tinha meus 30 anos!

Ignorei o Jeff me chamando de volta e fui para o escritório. Eu havia começado um arquivo novo relacionado à investigação. Mantive o anterior, mas comecei de novo acrescentando alguns detalhes sobre o Jeff que eu não havia considerado inicialmente. Acreditava que havia algo que conectava passado e presente nessa história, e nada podia passar em branco.

Perto da hora do almoço, Ângela chegou e trouxe o almoço, as medicações e o soro para administrar ao Jeff. Colocou o acesso no braço dele, auscultou coração, pulmão e o sei lá o que mais, porque ela ficava passeando com aquele estetoscópio no corpo dele todo, e isso foi me deixando meio cabreiro.

Ela tinha sido muito foda nos feitos dos últimos dias. O médico que recebeu o Jeff desacordado e fez a triagem para encaminhá-lo para a cirurgia elogiou o trabalho dos pontos no abdômen. Ela também tinha acertado na medicação, e me perguntei por que ela não optara por ser médica.

Não posso julgá-la. Humanos são um pé no saco. Um cachorro não vai contestar sua receita, nem te acusar por um tratamento errado. Ele vai lamber sua mão depois de uma vacina, se você for bacana com ele. É fato que ele não vai te perguntar como foi seu dia, mas certamente vai te ouvir enquanto você fala, vai te considerar o ser mais importante do mundo dele, e não vai te encher o saco por não fazer as coisas de um jeito ou de outro, ou do jeito que só você acha certo.

Como eu costumava fazer.

– Por que você fica passeando com esse estetoscópio por todo lado? – Não consegui conter a língua.

Ângela me olhou com uma expressão engraçada. Deu muito na cara que eu estava com ciúmes.

- Preciso ver se há movimentação de fluídos. Se houver, é porque há hemorragia. Não estamos num hospital, então todo o cuidado é pouco – ela respondeu com uma voz sedosa e terminou encarando Jeff, que a encarou de volta. Acho que fiquei vermelho. Claramente, eles estavam me provocando.

Não respondi e fui até a cozinha separar o almoço que Ângela trouxera para comermos. Depois de um tempo, ela foi conversar comigo.

– Ei, fique calmo, tá legal? Eu só estava sondando.

– Não precisa me explicar. Você estava fazendo o seu trabalho.

– Estou me referindo a outra coisa. Eu estava sondando ele. Quero entender o que ele sente, o que pensa, se pensa em você da mesma forma. Eu o provoquei de propósito, ok?

Me segurei para não perguntar qual tinha sido a conclusão dela. Eu estava chateado e não queria falar disso. Pronto.

Imaturo nível dois.

Voltei à sala e Jeff me olhava com aquela mesma cara de sonso. Ofereci um sanduíche para ele, e na hora que ele foi pegar, me puxou pelo braço. Eu xinguei porque quase caí em cima dele, e isso me deixou assustado.

– O que tá fazendo? Tá louco? – Perguntei quando ele continuou me puxando para perto.

– Vem cá – ele deu mais um puxão e eu acabei caindo sentado ao lado dele. Sem me dar tempo de pensar, ele puxou meu rosto e me deu um beijo na boca.

Depois do branco inicial, eu meio que entrei em combustão. Teria deixado a carícia durar, mas estava preocupado com ele e um pouco constrangido com a Ângela logo ali, na cozinha.

Não que eu estivesse com vergonha de beijar o Jeff, era mais porque, sei lá, tínhamos acabado de nos separar, enfim... Eu separei nossos lábios e o encarei, meio confuso.

– Por que fez isso?

– Você sabe por quê.

Essa ia ser a nossa vinheta agora?

Improvável (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora