Jeff
Pois é. Eu acordei, mas preferia ter continuado dormindo. Me sentia todo zoado, doído e estragado. Queria poder falar, mas havia um tubo na minha garganta que me dava vontade de morrer de novo.
Ok, eu prometo que não vou mais dizer que quero morrer.
A luz era muito forte, os ruídos muito altos e irritantes, e tinha gente demais, gente que eu não conhecia, o que me deixava tenso porque eu estava por demais vulnerável conectado àquele monte de fios e tubos infernais.
– Olá, Jefferson. Não tenho como perguntar como você está se sentindo, mas gostaria que me respondesse algumas perguntas sinalizando com os dedos de um a cinco, tudo bem?
A médica começou a perguntar sobre nível de dor, visão, ouvido e uma caralhada de coisas. Dei cinco pra tudo porque queria sair logo daquele estado. Agi mal? Sim, mas agir mal era tudo o que eu vinha fazendo ao longo dos últimos meses, ou anos.
Um outro médico veio conversar comigo depois de um tempo. Ele falou que meu fígado estava todo fodido (não com essas palavras), e que eu teria que parar de beber. Eu não sabia como me sentir acerca disso, e me lembrei da minha mãe, Doralice, e sua incapacidade de parar de fumar mesmo ante um enfisema pulmonar.
Nunca a entendi tanto quanto naquele momento.
Por fim, uma enfermeira entrou com o André.
Confesso que deveria ficar feliz em vê-lo, mas não foi o caso.
Eu queria me esconder. Estava envergonhado, e se todas as situações que passei ao lado dele nos últimos dias não tivessem sido suficientes para massacrar minha autoestima, esse quadro de mim, deitado, usando um avental expoente de bunda, um tubo na boca e um monte de fios que me faziam parecer uma marionete, isso sim decretaria o fim da minha masculinidade.
Eu queria dizer muitas coisas a ele. Queria dizer que estava com medo, que não queria que ele saísse do meu lado, que ele deveria confiar em mim e não na Hannah, e que eu gostava dele.
Eu gostava dele.
"Gostar" era uma palavra leve para o que eu sentia, mas eu não me atreveria a nomear o que sentia no momento.
Ele se aproximou. Tinha olheiras, assim como antes de... Eu não sabia quanto tempo tinha se passado desde que apaguei no escritório dele. Tempo se tornou irrelevante nesse lugar sem janelas que não me permitia ver se era noite ou dia.
E os ruídos, bipes e vuco-vuco de gente, as pontadas de dor, a angústia do tubo em minha boca, a imobilidade, o medo, medo da vida...
Sério mesmo que eu não posso mais dizer que quero morrer?
André segurou minha mão, e nesse instante, tudo silenciou. Meu coração acelerado entrou no compasso e isso se tornou evidente pelo monitor cardíaco que bipava revelando meus segredos.
Ele não teve vergonha de fazer isso na frente dos outros. Ninguém se importou de fato, mas eu fiquei tocado por ele não ter medo de segurar minha mão.
Achei foda. Achei corajoso, assim como era ele.
– Não vou perguntar se você está bem. Sei que você não pode responder, mas eu nem precisava ser nerd para saber que você está pra lá de fodido. Sei também que parece egoísmo da minha parte falar o que tenho a falar, mas de qualquer maneira, vou te responder por mim. Eu não estou bem. Estou preocupado, confuso, ansioso pelo seu quadro geral, seu problema no fígado, tudo que testemunhei nos últimos dias... Estou com medo, Jeff.
Só aquiesci. Eu podia entender.
– Estou com medo desse lance novo que começou entre a gente... Sei que não é o momento de falar disso, mas eu quero que você entenda que estou confuso porque... Eu realmente gosto de você. Mesmo te detestando, eu gosto de você, e isso é confuso pra caralho.
Apertei seus dedos. Queria dizer que tudo bem, que talvez não fosse dar certo mesmo, que eu era todo estragado e ele era todo perfeito, que era eu e não ele, os clichês de sempre.
– Você bagunçou minha existência, cara! Não sei o que você fez, mas se tinha alguém mais improvável de me atrair, era você. Não me leve a mal, eu sou o chato da relação, então, se depois que você melhorar, quiser falar sobre isso, podemos falar. Eu não ligo se você é homem, não ligo mesmo, só não quero começar algo em cima de segredos então, preciso saber se você vai ser honesto comigo.
Movimentei a cabeça afirmativamente. Eu ia ser honesto com ele, assim que conseguisse ser honesto comigo mesmo.
Ele fez uma pausa e passou um tempo só olhando pra mim. Foi constrangedor, mas também foi... Gostoso. Me senti aquecido com o calor dos seus olhos naquele ambiente estéril, e de certa forma, acolhido. Ele levantou minha mão e depositou um beijo na palma, e o gesto me emocionou e me eletrizou inteiro, mesmo eu estando praticamente anestesiado e sob o efeito de analgésicos superpotentes.
– Eu preciso te contar outra coisa.
Senti que ia vir merda. Senti todas as minhas defesas se erguerem, e esperei.
– Por favor, não surte com o que eu vou te dizer. Não foi culpa minha, não sei como ela descobriu, mas a Hannah está aqui.
Cara, eu gostaria de não ter nada ligado ao meu corpo nessa hora. Uma porque tudo começou a bipar ao mesmo tempo, explicitando meu estado emocional; isso causou um certo frenesi de enfermeiros em volta de mim e o André teve que ser afastado, para minha tristeza.
Outra razão para não estar preso era porque, se eu não estivesse parecendo um protótipo de robô, eu teria tentado me levantar da cama e correria para fora do hospital.
Eu tinha medo da Hannah?
Não.
Eu tinha medo de matá-la.
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Improvável (Romance Gay)
Romance🌈 Romance Gay 🥉TOP 3 NA CATEGORIA "ROMANCE LGBTQIA+" - 3ª Ed.CONCURSO CÓSMICO 2024 🥇 #1 romancegay (Jun2024) 🥇 #1 sensual (Mai2024) 🥇 #1 homoerótico (Abr2024) 🥇 #1 autodescoberta (Abr2024) 🥇 #1 policial (Set2024) 🥈 #2 novos (Abr2024) 🥈 #2...