na ponta dos dedos

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Há muito tempo que não dormia tão bem. Uma sensação de segurança e  pertença inunda-me a alma e sinto uma chama a aquecer-me o coração.
Recuso abrir os olhos- estou a onde pertenço- é aquilo que o meu corpo e coração dizem e eu sei que quando eu abrir os olhos essa sensação boa vai desaparecer.
Mas não posso ficar nesta cama, neste quarto para sempre, por mais que essa ideia seja tentadora.

Toma coragem abro os olhos e levanto a cabeça. Miguel dorme pacificamente, as pestanas claras tocam na pele douradas e as pálpebras escondem os seus olhos claros. Sinto vontade de o tocar, do sentir sob os meus dedos. E sem me dar conta é isso que começo a fazer.
Com a ponta do indicador começo a mapear as suas linhas.
Das sobrancelhas com um tom mais escuro que o cabelo, os seus olhos, passando pelo seu nariz reto, as maçãs do rosto altas e cinzeladas e finalmente nos seus lábios. A sua boca que me tocou e tomou como ninguém mais fez.
O Miguel tem uma boca linda, nem muito grande nem muito pequena, mas os seus lábios são grossos e rosados e tão macios.

Sem controle, levanto o meu tronco equilibrando-me no meu cotovelo e sem pensar beijo o Miguel. Nem sei se posso chamar de beijo, porque só toquei com os meus  lábios nos seus.

-Mariana!- o Miguel sussurra e é o bastante para me trazer á realidade.

O que estás a fazer, Mariana.

E mais rápido que consigo, sem fazer barulho, saiu daquela cama e daquele quarto.

_____

Faz duas semana desde que saí do quarto e deixei o Miguel a dormir. Desde então mantemos um acordo silencioso, quando eu chego ele sai e quando ele entra em alguma divisão eu lembro-me de algo para fazer repentinamente.
Até mesmo nas refeições o Miguel já não aparece. Por aquilo que a minha avó comentou ele tem chegado cada vez tarde a casa bêbado e acompanhado pela Raquel. Que segundo a minha avó é a culpada do mau comportamento só seu menino. Disso não posso discordar, aquela cobra não está a ajudar no comportamento destrutivo do Miguel.
O estágio na empresa também já começou o que significa que o tempo que ele passa em casa é pouco.

Por outro lado, o tempo que passo com o James é cada vez maior. Não posso negar que ele é uma ótima companhia. Ele é divertido e inteligente, mas não consigo ver nele mais do que um amigo. Ainda não me sinto bem com os seus avanços e  toques.
A D. Sílvia é que está nas nuvem com a nossa relação, para ela é como se eu fosse já sua futura condessa. Fico sem saber o que dizer.

Porque é  que não podemos mandar no coração. Era todo mais fácil se eu me apaixonar-se pelo James.

Estúpido coração masoquista. Que parece que gosta de ser humilhado e espezinhado.

-Mariana, podes levar esata roupa o quarto do Miguel!- a minha avó pede.
Deixo de divagar e vou fazer o que me pediu.

Quando abro a porta do quarto dele todas as lembranças da última vez que estive aqui inundam a minha mente.

Não vás, fica por favor.

Vem, vamos dormir, princesa

Porque é que é tão difícil

É como se tivesse a arrancar a minha alma.

Fecho os olhos é é como ainda sentisse a sua carícia nos meus cabelos, o cheiro da sua pele e o som do seu coração a bater.
Uma lágrima molha-me a face e eu passo as costas da mãos e me obrigo a acordar do delírio.

Mas quando coloco a roupa em da cama reparo pelo canto do olho, uma garrafa vazia, uma garrafa de whisky ao seu lado um restos de um pó branco mancham a só tampo da secretaria.

Que não seja o que penso.
Rezo para o universo.

Vou ao banheiro e encontro um copo e uma garrafa meio cheia.

O que andas a fazer Miguel.

_____

Mais uma refeição onde somente eu e a senhora estamos sentadas a mesa. O Miguel voltou a não aparecer e a cobra da Raquel foi passar uns dias em casa de uma amigos. Bem que podia desaparecer e nunca mais voltar.

Um barulho faz com que eu a D. Sílvia levante a cabeça e vemos um Miguel de terno surgir a porta.

- Querido, vieste almoçar conosco?- é visível a alegria na voz dela.

-Não, só vi buscar uns documentos que deixei no escritório. Já vou voltar para a empresa.- ele fala mas nem olha na minha direção é como se eu não tivesse ali. E isso magoa-me, não devia, mas doe a sua indiferença.

Quando ele vira as costas e peço desculpas e digo que tenho que ir ao banheiro.

-  O que andas a fazer, Miguel?- falo assim que entro no escritório e fecho a porta atrás de mim.

- Eu estou a procura uns documentos que preciso!- nem levanta a cabeça para me responder.

- Eu estou a falar a sério. Miguel, o que significa aquelas garrafas no teu quarto?

- Estava com sede- ironiza.

- E aquele pó branco?- ele levanta a cabeça e olha nos meus olhos assim que digo a última palavra.

- Cuida da tua vida, ratinha, e deixa a minha. Vai foder com o teu namoradinho.

- Miguel, por favor, pensa no que estás a fazer!

- Pensar, pensar?- o seu sorriso é frio - Eu estou justamente a não querer pensar. Não percebes que não quero pensar, eu quero esquecer.

Ela avança para mim com fúria nos olhos. Eu recuou até bater com as costas na estante de livros que fica ao lado da porta.

- Eu quero esquecer os teus olhos,  tua voz, o teu cheiro. Eu quero esquecer a porra do teu sabor. Eu quero esquecer o caralho do teu corpo e de como gemes quando te faço gozar. Eu quero esquecer que agora os teus gemidos são dele e que agora ele sabe qual é o teu sabor.

Não consigo falar nem me mover
Tenho a respiração acelerada e o coração a bater descontrolado.

- Por isso, ratinha, eu bebo, eu cheiro para assim não conseguir me lembrar.- ele olha uma última vez dentro dos meus olhos.

- Já tenho o que vi buscar. - abre a porta e sai.

Filha Da OutraOnde histórias criam vida. Descubra agora