- Capítulo 19 - Culpa. -

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Aqui entramos na percepção de Kyara após a luta.

Eu me arrastava para subir as escadas, o que era pra ser meu corpo estava com feridas por toda parte, os machucados mais sérios não paravam de jorrar o líquido dourado escaldante, o ferimento de minha cabeça fazia com que esse escorresse por meu rosto e me fizesse manter um dos olhos fechados, enquanto a ferida do estômago deixava um rastro de sangue por onde eu caminhava, tudo doía, tudo queria me impedir de continuar, mas eu não podia parar, não agora, não depois de tudo que havia acontecido.

No final da escadaria havia uma sala, logo entrei chutando a porta com o restante de força que tinha, ofegante eu encarei uma cadeira que se virou, mostrando Papa Lennon nela.

— De todos os finais, eu não esperava que você fosse quem ia ganhar, K. — O velho falava de pernas cruzadas me olhando.

— Desgraçado... você fez isso, você matou ele. — Imediatamente corri pra cima dele.

Não havia uma única reação por parte dele, eu facilmente o peguei pelo colarinho de sua camisa, minha respiração pesava com meu olhar mortal de ódio, nisso dei uma cabeçada nele o fazendo jogar a cabeça pra trás.

— VOCÊ DESTRUIU A MINHA VIDA! — Novamente o acertei com o ataque anterior. — MATOU TODOS QUE EU AMAVA! — Gritei o jogando no chão o fazendo bater na parede, o golpe havia sido executado com mais força do que controlei já que fez ele sangrar e rachou a estrutura do cômodo. — E ME TRANSFORMOU NESSE MONSTRO QUE EU SOU HOJE! VOCÊ É ASQUEROSO, VOCÊ É PODRE, VOCÊ É O MAIOR MALE DA HUMANIDADE!

— Eu... só superei a raça humana... estava garantindo um futuro e abrindo espaço pros Succhiares. — Ele falava em meio a tosses cuspindo sangue. — Tudo que eu fiz tinha um motivo por trás... você não entenderia...

— MATAR INOCENTES? FORÇAR CRIANÇAS A COMETEREM HOMICÍDIOS? CANIBALISMO? SUBMETE-LÁS A FAZEREM MISSÕES SUICIDAS? — Caminhei para perto e chutei o rosto dele cortando uma parte do mesmo fazendo sangue jorrar, continuei a executar mais golpes enquanto lágrimas começaram a cair de meus olhos.

Os golpes o fizeram ter dificuldade para respirar, ele tentava os parar com as mãos mas meus chutes ultrapassavam elas. — Matteo… Ele virou aquilo…. por sua culpa…

Por um momento eu parei, tive um choque e mais lágrimas escorreram, não tinha forças pra continuar. — MENTIROSO!!!! NÃO!!! Não... Não pode ser.....

— Você o abandonou… fugiu com sua namoradinha… e deixou ele apodrecendo aqui… — Papa Lennon falava ofegante, cuspindo sangue enquanto se ajeitava para sentar apoiado na parede. — A diversão dele nas missões era por sua causa… Ele podia ter me traído antes mas não o fez… Isso porque matar pra mim era a única coisa que fazia ele lembrar de você.

Senti um choque, meus olhos arregalaram e eu me afastei tremendo, não podia acreditar no que aconteceu tava ouvindo, isso explicava tanta coisa.

— Matteo se tornou sua pior versão… tudo porque a irmã dele o largou aqui… ele matava sem hesitar, bebia sangue sem reclamar, ele não tinha personalidade perto de mim além de ser um cachorrinho… — falou com uma risada debochada no final.

Abaixei o rosto me lembrando das palavras finais de Matteo, eu realmente fui a culpada por o deixar para trás.

— O que foi...? Com dificuldade de terminar o serviço? Não te criei assim… — O velho falou com vários machucados expostos e sangrando, sangue esse também dourado.

— Sabe, fui eu quem abandonou o Matteo, mas você é o culpado dele ter nascido um monstro. — Levantei meu rosto passando minha mão nele a lambuzando de sangue. — Então estamos quites.

— Hahahahah até parece-

Não deixei ele terminar sua frase e comecei a socar seu crânio, distribuindo socos sem parar, batidas essas que iam rachando pouco a pouco até que o crânio explodisse em minha mão. Eu sentia o sangue dele escorrer por meus dedos, em todo impacto e movimento de meu braço o líquido voava para os lados mas eu não parava, ele já estava morto mas eu não estava satisfeita, eu nunca ficaria bem, essa história é uma cicatriz que não pode se fechar.

Papa Lennon:- Raça desconhecida.
Status:- Morto por ter o corpo obliterado.

Após 20 minutos destruindo o cadáver dele eu não aguentava mais, todo o meu cansaço de antes havia sido multiplicado, com dificuldade eu me levantei e me apoiei na parede.

O rádio de antes trocava a faixa: tocando agora:-  Creep - Radiohead.

— Ei, Matteo… Você foi pro inferno? Ou pro céu? Ikkarus preparou o que pra você hein? — Ri de mim mesma falando sozinha enquanto comecei a andar para fora da sala.

Memórias vieram na minha cabeça, a infância que tive com Matteo, brincávamos todo santo dia, sempre uma ideia diferente, uma nova história onde no fim sempre acabamos lutando e não é que isso se repetiu? Eu sempre ganhava, porque eu sempre representava o bem naqueles joguinhos, ele dizia que ser o vilão era mais legal já que o cara do mal era quem tinha os apetrechos mais divertidos e que davam mais graça. O sorriso dele criança grudou na minha cabeça, o meu irmãozinho, eu tinha acabado de matar meu irmãozinho e isso doía em mim mais que todos os ferimentos que haviam sido causados naquela luta, todo o sangue derramado por mim jamais poderia voltar, eu matei o Matteo, eu tinha abandonado ele de novo, eu com toda certeza sou a pior pessoa de todo mundo, nem pessoa eu sou... Eu sou um monstro.

— Ikkarus, você provavelmente pode me ouvir, se você representa os deuses e tal... Arrume um lugar de redenção pro Matteo... Hahaha que porra eu tô falando... Acho que estou enlouquecendo no final de tudo... — eu ria de mim mesma de novo, o efeito de estar a beira da morte com certeza era crescente e eu estava pior.

De frente para a escadaria minha visão começou a ficar turva, tudo estava escurecendo, eu pisava nos degraus me arrastando, tomando cuidado pra não cair.  Finalmente eu havia escutado um som, passos, muitos passos correndo da única entrada daquele enorme bloco de concreto, quando cheguei na metade da escada eu vi Louise, o cadente e toda minha força policial.

— Haha, vocês vieram… Eu disse pra não virem… — Foi o que eu disse apontando para eles.

Foi a minha última frase antes de tudo escurecer de vez e eu cair.

Fim da visão de Kyara.

Louise e o cadente correram escada acima e chegaram em Kyara, a francesa apoiou a cabeça dela em seu colo e o garoto checava o pulso dela, ambos estavam com os olhos marejados.

— Mon amour… acorrda… MÉDICO! VOCÊS SÃO TÃO INCOMPETENTES AO PONTO DE NÃO TER UM MALDITO MÉDICO? — A loira gritava aos prantos com ódio e amargura na voz.

O cadente pegou na mão de Louise e olhou sério nos olhos dela, a mesma ficou sem reação por nunca ter visto ele assim.

— Louise… ela se foi…

Uma poça de sangue estava debaixo dos dois, ambos estavam completamente sujos do sangue dourado, o que os incomodava por queimar, aquele líquido escaldante exalava vapor que subia passando na frente do rosto dos dois.

Kyara Vitale:- Succhiare de nível 10.
Status:- Morta por não resistir a ferimentos fatais.

A força policial se moveu e tampou o cadáver de Matteo, outro grupo correu em busca do que havia sobrado de Papa Lennon, e o último batalhão tentou tirar Louise e o cadente dali para fazerem o mesmo com a delegada. Os dois se recusavam a soltar o cadáver, a francesa começou a gritar e chorar alto, a gêmea marrenta que sempre estava de cara fechada desabou, perdendo a pessoa mais importante da sua vida. O cadente não conseguia acreditar mesmo depois de dar a notícia, ele estava estático enquanto chorava, sua feição era uma mistura de arrependimento com culpa. Um sofrimento enorme caiu sobre ambos, haviam perdido um pilar importante em suas vidas, nunca eles iriam ter ou encontrar alguém como Kyara e isso tomou conta do pensamentos dos dois.




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