Capítulo 26

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Aquele dia começou normal, como qualquer outro no salão. Eu e a Mel estávamos ocupadas, ela terminando uma trança nagô numa cliente e eu fazendo uma francesinha no pé de outra. O ambiente tava cheio de risos e conversas leves, até que a Mel começou a falar do Levi, que eu sempre chamo de Cerol.

- Menina, você não sabe o que aconteceu ontem - Mel começou, a voz cheia de frustração.

- O que foi, Mel? - perguntei, curiosa.

- O Levi simplesmente surtou e foi embora depois que eu falei que não queria assumir ele - ela disse, balançando a cabeça.

- Sério? Ele não mandou mensagem nem nada depois disso? - perguntei, tentando entender a situação.

- Nada, Beca. Nem uma mensagem. Desapareceu - Mel respondeu, ajeitando a trança na cliente.

A cliente de Mel, que parecia estar ouvindo a conversa, decidiu dar sua opinião.

- Esse tal de Levi é maluco. Se não te respeita, não merece seu tempo - ela disse, com firmeza.

Outra cliente, cuja unha eu estava fazendo, discordou.

- Ah, eu acho que você devia dar uma chance. Às vezes os homens precisam de um tempo pra entender as coisas - ela sugeriu.

De repente, o som da televisão chamou nossa atenção. Era o jornal das 13 horas. A repórter anunciava uma notícia bombástica.

- Últimas notícias: o traficante Pedro Fraga, conhecido como Fraga, fugiu da prisão durante a madrugada - a jornalista disse, com um tom sério.

- Mel, aumenta isso aí! - pedi, meu coração disparando.

Mel aumentou o volume e ficamos ouvindo os detalhes da fuga. Eu e ela nos olhamos, sem dizer uma palavra, mas sabendo que isso ia mexer com nossas vidas.

Depois que terminei de fazer a unha da cliente, olhei para a Mel.

- Vou passar em casa pra almoçar. Quer que eu traga uma marmita pra você? - perguntei.

- Quero sim, Beca. Tô morrendo de fome - Mel respondeu, com um sorriso agradecido.

Peguei minhas coisas - chaves, celular, uma bolsa com meu dinheiro - e saí do salão, indo em direção ao morro. O salão era perto, então fui a pé, subindo as escadarias. Quando tava quase chegando no último degrau, senti uma mão puxar meu cabelo com força.

Caí no chão e olhei pra cima, vendo a Kathlyn com uma expressão de ódio no rosto.

- Agora que o Fraga voltou, não quero que você fique com meu marido! - ela gritou, avançando pra cima de mim.

- Você é maluca, Kathlyn! O próprio Fraga disse que não é nada teu! Eu nem sei onde ele tá! - gritei de volta, tentando me defender.

A Kathlyn começou a me bater, e eu tentei revidar, mas ela era forte. Acabei caindo no chão de novo, e ela subiu em cima de mim, batendo no meu rosto com facilidade. Um monte de gente começou a se juntar, olhando e gravando com os celulares.

Desesperada, vi a chave que tinha caído perto de mim. Peguei e enfiei no braço da Kathlyn, que gritou de dor e se distraiu com o sangue que jorrava. Empurrei ela de cima de mim e tentei me levantar.

Nesse momento, Cerol e Hg chegaram. Hg segurou a Kathlyn enquanto Cerol ficou na minha frente.

- O que tá acontecendo aqui? - Cerol perguntou, olhando pra mim.

- Ela me atacou do nada, Cerol. Eu só me defendi - respondi, ofegante.

- Essa vagabunda é talarica! - Kathlyn gritou, ainda sendo segurada pelo Hg.

- Vai se fuder, Kathlyn. Eu não sou tua amiga e não tenho nada com ele - rebati, com raiva.

Cerol olhou pra Kathlyn com uma expressão ameaçadora.

- Sai da minha frente agora, Kathlyn, ou vou levar você pra boca pra resolver isso - ele disse, a voz firme.

Kathlyn xingou todo mundo, mas saiu, ainda gritando e se debatendo.

Cerol se virou pra mim, preocupado.

- Você tá bem, Beca? - ele perguntou.

- Tô. Só machucada - respondi, tentando me recompor.

Hg, que tinha ficado observando tudo, se abaixou e pegou minhas coisas do chão.

- Aqui estão suas coisas, Beca - ele disse, entregando minhas chaves e a bolsa.

- Valeu, Hg - respondi, pegando as coisas dele.

Ele parecia arrependido, e eu aproveitei pra falar o que estava entalado na minha garganta.

- Olha, eu perdoo você, Hg, mas nunca vou esquecer que tô assim, machucada, no morro, sem minha casa, sem minha moto e quase perdi meu salão por causa de você. Você entrou pro tráfico e destruiu minha vida como juros da dívida que você mesmo criou. Mas tá tudo bem. Pelo menos isso me mostrou como eu sou forte - desabafei, sentindo uma mistura de alívio e tristeza.

Cerol colocou o braço em volta de mim, me ajudando a andar.

- Vamos pro postinho. Você precisa de cuidados - ele disse, gentilmente.

Caminhamos até o postinho, que ficava a poucos metros da escadaria. Lá, levaram dez pontos na minha testa, enfaixaram meu braço e colocaram alguns curativos nos meus dedos e joelho, que estavam bem arranhados. Hg ficou ao meu lado o tempo todo, enquanto Cerol foi comprar marmita pra gente.

Quando ele voltou, trouxe as marmitas e nós comemos em silêncio. Eu tive que cancelar toda minha agenda do dia, porque fiquei em observação e tomando soro, já que minha pressão tinha subido por causa do estresse.

Enquanto estava deitada na maca, olhando pro teto do postinho, pensei em como minha vida tinha virado de cabeça pra baixo. Mas sabia que, de alguma forma, ia encontrar uma maneira de seguir em frente. A vida no morro era dura, mas eu era mais forte. E agora, com Miguel e todas as pessoas que dependiam de mim, não tinha outra escolha senão continuar lutando.

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