o papai

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Heloísa sentiu o coração apertar ao ver a pequena chorando tanto.

— Clarinha, meu amor. A mamãe tá aqui. Não precisa chorar.

— Mas o papa-

Ela chorava tanto que nem sequer conseguia terminar a palavra. No auge de seus dois anos, não havia absolutamente mais nada que ela pudesse fazer. O grude da pequena com o pai era algo além de seus poderes.

Ela suspirou, incômoda.
Preferia a morte do que ter que ligar pra ele em pleno processo de divórcio, mas não tinha o que fazer.

Tinha dado a luz a mais uma criança com aquele traste, e por mais que ela quisesse jogar as memórias pela janela e se esquecer de tudo.. Ali estava, na cama dela, uma coisinha pequena que tinha a misturinha perfeita deles dois, chorando e berrando de saudade do pai.

Heloísa ressentia Stenio por muita coisa e sabia que ele também a ressentia por outras. O fato de eles nunca darem certo evidentemente não era fácil de se aceitar, ainda mais depois de terem a segunda filha juntos. Nessas tentativas da vida, acabaram se machucando demais, passando por coisa demais um com o outro.

Ela engoliu seu orgulho. Fazia tudo por aqueles olhinhos de jabuticaba, que infelizmente eram exatamente iguais aos de seu pai.

— A mamãe vai ligar pra ele, ta bem? — Heloísa prometeu, beijando a cabeça da menina, sentindo o cheirinho de neném naquele cabelo recém saído do banho.

Amava aquele cheirinho. Amava ser mãe. Amava quase tudo sobre sua realidade atualmente. Quase tudo.

A menina finalmente aceitou a chupeta e ficou soluçando, extremamente sentida.
Ela detestava isso. Detestava fazer outra filha sofrer com a separação. Detestava a incompatibilidade de gênios.
Por que ela não teve filhos com outros homens, mesmo?

O telefone agora chamava o número de seu ex que tinha sido deletado de seu celular, porém não de sua mente. Ela o sabia de cor, portanto não adiantava apagar o contato. Ficou ansiosa, sabendo que teria que falar com ele. Seu ego jamais a deixaria ir atrás de Stenio, não quando ela mesma insistiu tanto para ele sair de casa. Ela tentava priorizar a filha e calar as vozes que falavam em sua cabeça dos casamentos fracassados por um milhão de vezes.

Helô? — O tom dele era de preocupação.

O desgraçado a conhecia muito bem.

— Clarinha tá com febre ainda. — Ela foi pratica. — Tá num dengo danado, falou de você o dia inteiro. Tentei driblar mas não estou conseguindo mais. Se ela chorar mais um segundo chamando o papai meu coração vai quebrar de vez. — Heloísa explicou, aflita.

— Coloca ela no telefone. — Ele pediu.

Heloísa colocou o telefone no viva voz e se deitou com a filha na cama. Ela apoiou a cabecinha em seu peito, ouvindo a voz de Stenio e finalmente se acalmando, e parando de chorar quase que instantaneamente.

— Por que minha filhota tá chorando? — Stenio falava super carinhoso do outro lado do telefone. Aquela bebê era, definitivamente, uma das maiores paixões dele. — Tá com saudade do papai, amor? Não acostumou ainda com o papai longe de casa, né? Mas tá tudo bem, o papai tá indo ai agora.

— Popoooi.. — A menina falou sentida, fazendo um biquinho, enquanto coçava os olhos preguiçosamente.

— Amor, o papai já está quase chegando. Cadê o papai? — Ele brincava com ela pelo áudio.

A menina, esperta como era, já começou a olhar ao redor buscando por ele. Heloísa não conseguiu evitar a risadinha que surgiu de dentro. Clarinha era apaixonada por Stenio, e não havia nada que ela pudesse fazer. Mais uma vez, a história se repetia. Será que algum dia fariam um filho menino e ela finalmente ganharia de Stenio? Bom, isso não estava nos planos, não depois de três divórcios.

— O papai tá chegando heeeinn.. — Stenio a mantinha entretida. — Cadê a mamãe pra te levar pra procurar o papai?

Heloísa suspirou. Pegou a neném no colo e a ficou segurando com o braço esquerdo, enquanto com a mão direita segurava o celular.

— Vamos ver se o papai tá no banheiro? — Heloísa olhou para a neném com uma expressão divertida e surpresa.

Ambas entraram ali, e a menina chamou por seu papai algumas vezes até perceber que ele não estava ali. Ficou agitada, mexendo as perninhas e os braços, agoniada.

Heloísa a levou pelo corredor.

— Será que o papai tá no quarto da Clarinha? — Heloísa a distraía, fazendo de conta que estava realmente procurando por Stenio pela casa.

Mais uma vez a menina chamou por ele repetidas vezes mas ele não estava ali.
Ótimo, assim ela ganhava tempo e sua filha parava de chorar. Plano perfeito.

Ela entrou em mais alguns cômodos ganhando tempo, até que ouviu o carro de Stenio estacionar na frente da casa que eles compraram assim que ela se descobriu grávida da segunda filha.

Seu coração de mãe se aliviou por Stenio ter finalmente chego, mas seu coração de ex mulher apertou na mesma proporção.

Stenio abriu a porta da frente com os olhos arregalados e dando um gritinho de comemoração. Heloísa não se surpreendeu ao perceber a festa que Stenio fazia ao gritar "aeeee o papai tá aqui!!"

Se surpreendia, na verdade, com o quão rápido ele havia chego. Não sabia onde ele estava morando agora que tinha expulsado ele de casa, mas sabia que onde quer que fosse no Rio de Janeiro, não era fácil chegar tão rápido assim.

Seu coração torceu para que ele estivesse morando por perto, e então ela tentou calar essa sensação.
Quando se deu conta, ele já estava tomando a menina de seus braços, e ela se sentia impotente de novo.

Era uma merda precisar dele.
Era uma merda maior ainda não poder negar a presença dele.
Era uma merda ter que vê-lo durante o processo de divórcio, e era uma merda completa ver o quão apaixonante ele era com uma neném no colo, evidentemente dedicando todo seu amor e atenção àquele serzinho que eles fizeram com tanto amor e carinho um pelo outro.

Era quase como se por um segundo ela quase se esquecesse o porquê de não estarem juntos. Assim que se lembrou, voltou com os pés no chão. Engoliu a seco, cruzou os braços, e assistiu enquanto ele beijava e brincava com a filha. O rostinho tão sofrido e choroso agora se iluminava com o maior sorriso do mundo. É isso bastava para ela.

Que sua filha estivesse bem no fim do dia, mesmo que ela não.

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