PINGOS NOS IS PARTE II

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Valentina suspirou, preparando-se para conversar sobre alguns daqueles fantasmas. Luiza tinha razão, às vezes, é necessário colocar os pingos no is.

Ainda sem se virar, Valentina iniciou seu relato.

— Eu estava na faculdade, era o terceiro semestre. E nada fazia sentido. Não era onde eu desejava estar. E onde eu queria estar? Longe, bem longe, na estrada! Então, eu conheci aquela garota. E foi como unir a fome à vontade de comer. Ela estava ali havia um tempo, e o pai dela já havia dito que não iria mais pagar pra ela fingir que estudava, era sua última chance. No entanto, ao contrário de mim, ela não queria trabalhar, ela não tinha perspectiva alguma de vida. A família dela era de classe média baixa, e o pai não podia mais arcar com tudo aquilo.

Suspirou mais uma vez.

"Não foi algo pensado, sabe, não foi calculado. Foi paulatino.

Comecei pulando as últimas aulas, em alguns dias da semana. Nós saíamos para transar e beber. Ela trazia drogas, nada que eu já não tivesse experimentado, mas não era minha praia, eu usava às vezes. Mas então comecei com o meu real problema, jogatina. Em breve, já não assistíamos às aulas. O dinheiro suado da minha mãe, eu usava principalmente para jogar.

Eu tinha sido apresentada ao jogo bem cedo, pelo meu tio, o mesmo que me ensinou a amar as estradas.

Você já jogou, Luiza? Já apostou em alguma coisa? Na sua própria capacidade de blefar? Na sua mão? Nas cartas que tem nela? Aquela comichão nas palmas e aquela agonia na mente, toda a adrenalina correndo pelo seu corpo, uma pressão no peito, a certeza de que você vai ganhar, a despeito de quantas vezes você tenha perdido. O mundo para de girar, para de existir à sua volta. Tudo que há de importante encontra-se ali, em torno daquela mesa, as cartas, os olhares, os dedos. Você aprende a estudar as reações das pessoas, você fica boa nisso, sabe...? A fumaça do ambiente não importa, o que importa é como e quando seu adversário acende o cigarro, o que quer dizer aquele charuto na mão dele, momentos antes de mostrar a mão... A bebida... em que segundo ele pede mais uma, o instante em que ele dá um gole, a maneira que ele pousa o copo na mesa. A mão que coça o queixo, o tique de virar o pescoço sem virar a cabeça... e a certeza, a insana certeza de que você leu tudo certo dessa vez, e de que sua mão é a melhor da rodada. A insana certeza de que vai vencer!

E o prazer? O prazer de vencer, a sua certeza se confirmando, aquela sensação incrível tomando o seu ser, a sensação é absoluta, quase um orgasmo! Dos bons...!

E a perda... Ah a perda... é só um percalço no caminho, somente mais um pequeno obstáculo porque a próxima... A próxima certamente é sua! Você vai ganhar a próxima! Com certeza...!"

Valentina parou à frente da cama retorcendo o cinto do robe e olhou para Luiza, que a mirava em silêncio.

"Eu joguei todo o dinheiro que minha mãe me enviava. Algumas vezes o multipliquei... e gastei. Em farras com minha namorada, drogas, bebidas, tudo que achávamos que merecíamos. Uma vez, ela teve uma grande ideia: fomos a Las Vegas. De carona porque ela queria o dinheiro para as drogas e eu para o jogo. Eu estava com Ela, A Sorte, tinha ganhado muito.

Na primeira noite ganhei, na segunda nem tanto. Mas na terceira ah... eu perdi tudo. Não acreditei naquilo. Eu tinha certeza que se pudesse jogar mais uma rodada, somente mais uma, recuperaria tudo.

Foi quando aquele homem me fez a proposta mais indecente.

— Uma noite com você e sua namorada, contra todas minhas fichas.

— Nunca! — respondi convicta. Aquilo estava além das minhas forças.

— Tá, então... uma noite só com sua namorada"

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