FUGA

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Os olhos de Luiza, voltando de um grande mergulho no passado, caíram sobre Valentina, e ela viu que a caminhoneira trazia os olhos molhados.

— Não chore! Não chore, Valentina! — disse, descendo da cama. Ajoelhou-se diante da poltrona em que Valentina estava sentada e colocou as mãos em suas pernas. Valentina inclinou-se para a frente. — Por favor, Valen, não chore.

— Desculpe... — Valentina não pôde continuar falando ou choraria mais e abertamente, quando tentava conter as lágrimas. Passou as mãos no rosto de Luiza, delicadamente. Deixou que elas ficassem ali, segurando a face que tanto amava, os olhos de um castanho profundamente cristalino prendiam-se aos seus. — Eu sinto tanto, Luiza...

— Eu estou bem, Valentina. De verdade.

— Eu devia tê-la conhecido antes, Luiza...

Luiza lhe dirigiu um pequeno sorriso, passou as pontas dos dedos nos seus olhos, enxugando-os. Os dela estavam secos como se já não tivessem mais a capacidade de chorar. Acabaram perdendo-se no olhar uma da outra. Foi Luiza quem quebrou a conexão, tirou as mãos de Valentina do seu rosto delicadamente e se levantou, afastando-se dela.

Toda a dor da morena a dilacerava, Valentina quis puxá- lá de volta, abraçá-la e protegê-la para sempre. Contudo, não teve ação. Consciente de que também a machucara, desejava respeitá-la em suas decisões.

Novamente em pé diante da janela, Luiza cruzou os braços à frente do peito, as mãos pousaram nos braços, acariciando-os, subindo e descendo vagarosamente.

— Eu considerei muito a ideia de tirar minha vida. Eu considerei muito todas as possibilidades.

"Cheguei à conclusão de que eu fugiria dele, de uma maneira ou de outra, eu não poderia viver daquela forma para sempre. Eu tentaria a fuga, se fosse mal sucedida, um de nós teria que morrer.

Passei a observar a tudo e a todos naquela casa, com maior interesse. Comecei a prestar atenção na rotina alheia, nos horários e costumes dos empregados. Brenda e eu cuidávamos do trivial da limpeza. A faxina pesada era por conta de duas diaristas que iam duas vezes por semana, mas elas não pareciam saber do meu martírio. Eli, o motorista, era um senhor de mais de sessenta anos que tinha acesso à cozinha e à casa, mas não abusava. Lorenzo era o jardineiro, também de idade que nunca entrava em casa, sem ser chamado. Ambos moravam nas dependências destinadas aos empregados, nos fundos da propriedade, ao contrário das duas mulheres que ocupavam quartos no primeiro andar da mansão.

Eu procurava uma falha, uma brecha por onde pudesse começar a planejar minha fuga. Sentia-me vigiada o tempo todo, nem mesmo ao jardim eu conseguia ir sozinha. Mas a maior parte dos empregados era silenciosa, quase tanto quanto Brenda. Eles apenas falavam comigo o necessário, sempre se mostrando presente para que eu nunca esquecesse de que era uma prisioneira.

O meu lugar preferido naquela mansão era a biblioteca que ficava no térreo. Uma ampla sala cujas paredes eram forradas de estantes repletas de livros, contava com uma enorme janela, uma escrivaninha antiga, um sofá e duas poltronas. Não havia vestígios de tecnologia ali, e os livros eram os mais diversos. Era o melhor lugar para eu fugir da minha triste realidade. Eu aproveitava as horas da tarde que me sobravam para ler. Deitada no sofá, eu viajava para dentro de realidades que podiam até serem piores que as minhas, mas não eram a minha e, frequentemente, tinham um final feliz.

Passei semanas procurando uma saída, pensando no que eu precisaria para escapar. Dinheiro, roupas, um carro. Mas como? Como?!

Foi quando eu perdia as esperanças de qualquer coisa, além da morte minha ou dele, que uma luz me surgiu no fim da minha tenebrosa caverna.

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