5 | as damas do reino

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O SEGUNDO ANO do ensino médio era divido em duas turmas. No ano anterior, as gêmeas foram separadas do resto do grupinho de amigas porque as cinco garotas passavam o tempo todo fofocando durante a aula e atrapalhavam consideravelmente a exposição dos professores.

Agora que não estavam na mesma classe que Marcela, ela se sentia vulnerável. Havia uma certa segurança na presença de Antônia e Alice em sala. Agora, ela não podia mais contar com o escudo de indiferença que lhe era concedido pelo fato de que as irmonstras tinham horror à ideia de que alguém soubesse que, em teoria, eram uma família.

A qualquer momento, seu porto-seguro de inexistência social poderia ser invadido pelo tédio da ditadora Bárbara Buaiz Brito, que era conhecida no colégio por humilhar as pessoas por entretenimento.

Ninguém queria estar do lado errado do humor de Bárbara.

Certamente não Marcela.

Com o caderno aberto em suas minhas anotações rabiscadas às pressas no carro a caminho da escola, Marcela fixou seu olhar no professor. A aula de história era sua favorita, e o tema do dia – Revolução Francesa – era fascinante para a garota, que bebia o conhecimento que o professor José Carlos, também um favorito, despeja.

Marcela era quase capaz de conseguir bloquear os ruídos de falatório que vinham das carteiras às suas costas.

Quase.

— Você tem que nos contar. Eu não aguento mais não saber. — A voz aguda e abobada que Marcela reconheceu como pertencendo a Sofie Fux falou. Era uma garota de baixa estatura, muito magra. Tinha cabelos ruivos sempre arrumados em ondas casuais (ou, ao menos, arrumados milimetricamente para assim parecerem), e sua pele branca era salpicada de sardas.

Sofie tinha a fama de ser uma central de fofocas. Se alguma coisa estava acontecendo no perímetro do Colégio André Ruschi ou envolvia algum dos membros do corpo discente, a história dava um jeito de chegar até seus ouvidos. Marcela entreouviu as gêmeas comentando sobre isso enquanto pendurava os cabides com roupas passadas em seus respectivos closets.

— Me deixa, caray. — Bárbara, dona do rosto que frequentemente aparecia nos pesadelos de Marcela, respondeu com rispidez. Bárbara a assustava. Sua voz era grave e tinha uma certa autoridade que parecia meio inapropriada para uma garota de dezesseis anos.

Aparentemente, os três anos de divórcio de sua mãe com o empresário argentino ricaço que era seu terceiro marido – de acordo com as fofocas que as gêmeas não cuidaram para que Marcela não ouvisse – foram insuficientes para que Bárbara parasse de forçar o sotaque. Ela justificava o uso de um portunhol bem arranhado por sua herança hispânica.

Antônia e Alice caçoavam dela em suas costas por isso. Marcela até que achava charmoso.

Arriscou dar uma olhada na direção de Bárbara. A garota estava reaplicando brilho labial.

— É uma regra, Babi. — Foi a vez de Lua dizer com malícia. — Você sabe como o sistema funciona.

Lua Neves era, de longe, a pessoa que menos causava em Marcela a sensação de que era capaz de fazê-la chorar. Embora fosse absurdamente rica, as gêmeas diziam que ela era muito "pé no chão". O que era admirável, considerando-se que seu pai era uma celebridade e sua popularidade era assegurada pelos convites vitalícios a festas na casa do rapper, às quais Marcela nunca tinha comparecido, mas eram assunto nos corredores do colégio sempre que ocorriam.

Ser humilde de coração não significava que Lua o era em sua aparência. Tinha pele negra e cabelos platinados extravagantes, cílios tão volumosos que só poderiam ser extensões, e quase sempre estava vestida de cor-de-rosa da cabeça aos pés, à exceção das joias que adornavam seus dedos e pescoço, essas sempre prateadas.

— Eu sei. — Bárbara bufou, cautelosa. — É só que... eu estou protegendo vocês. É perigoso que vocês saibam.

Marcela quase podia visualizar a BBB – apelido maldoso e sexista concedido a Bárbara pelos garotos nojentos da panelinha, que faziam trocadilho com suas iniciais e um dito popular utilizado para descrever garotas "fáceis", o que quer que isso significasse – acenando com a cabeça e negociando consigo mesma sobre o que deveria compartilhar.

Embora Marcela não soubesse como o tal sistema a que Lua tinha se referido funcionava, muito raramente alguém conseguia dizer não a Sofie e Lua. As duas estavam no topo da pirâmide social do colégio, ao menos no quesito serem gostadas, não temidas. Todo mundo queria ser amigo delas.

Pareceu a Marcela que essa amizade tinha um preço.

— Os segredos nos protegem — argumenta Lua. — Garantem que ninguém vai sair dedurando ninguém.

— Vocês já sabem coisas ruins o bastante a meu respeito para durar uma vida. — Bárbara protestou. Era estranho ouvir sua voz tremer. Bárbara era como um general. A força invisível que fazia com que os populares mantivessem seu status.

— Não é assim que funciona. — Lua repetiu, sua voz apagada. Ela devia estar retocando o batom cor-de-rosa enquanto falava — Você tem até as cinco horas de amanhã para contar. Senão, pode esquecer a festa no sábado.

Um silêncio desconfortável se sucedeu por alguns segundos. Marcela levou as mãos a boca como se estivesse disfarçando um bocejo, mas, na verdade, estava tentando encobrir qualquer ruído de exasperação. Até ela própria, que possuía o mesmo traquejo social que uma abóbora, sabia que o tal segredo de Bárbara devia ser um dos bons, se ela tinha hesitado em revelar imediatamente.

— Cinco horas, Bárbara — Sofie reforçou quando o sinal anunciando o fim da aula tocou. — O tempo está passando.

Os zíperes das bolsas das garotas populares foram fechados, e os passos delas se perderam para a além da porta. Marcela não tinha percebido que estava prendendo a respiração, mas alguma coisa naquela conversa a tinha dado calafrios.

O que quer que Bárbara Buaiz Brito estivesse escondendo, ela não conseguiria manter escondido por muito tempo.

Não que seja da minha conta, Marcela concluiu enquanto arrumava a mochila para passar o intervalo na biblioteca. Nunca teve mais certeza de que, apesar de não ser por escolha, estava mais segura mantendo distância daquelas pessoas. Deixaria os joguinhos de popularidade para suas irmonstras, que tinham a personalidade certa para eles.

𖥔‧₊˚ ⊹˖ ࣪ ⊹*:・゚✮

n/a: e lá seria um livro da sua doutora escritora se os popularzinhos não fossem insuportáveis e cheios de segredos?
espero que estejam gostando da história 💖 esse projeto ficou engavetado por tanto tempo que eu achei que nunca chegaria a ser um livro.
para quem me viu na bienal nesse último final de semana, eu agradeço mais uma vez! a experiência foi tão incrível que até agora eu estou sem acreditar que eu tenho tanta sorte de ter vocês.
com amor, B

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Cinderela às avessasOnde histórias criam vida. Descubra agora