22 | canta, rouxinol

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DECIDIR COMPARECER AO aniversário de Giorgia Levi era muito diferente de ter os meios para fazê-lo. Além de não ter muito dinheiro reservado para esse tipo de iniciativa, Marcela tampouco possuía os conhecimentos certos sobre o universo feminino para sequer começar os preparativos para comparecer à festa.

Tinha perdido a mãe quando ainda era muito nova. O pai, apesar de ter se esforçado para criá-la da melhor maneira possível quando era viúvo, não era exatamente um conhecedor de roupas e produtos de beleza. A madrasta nunca tinha se preocupado em adquirir sequer um sabonete de qualidade para que Marcela usasse no banho. Era um milagre que houvesse orçamento para itens de higiene básica, que dirá itens supérfluos.

E, como já está bem estabelecido, Marcela não tinha amigas.

Estava sem opções.

Ela teve que recorrer a Jonas Levi mais uma vez.

— Tire os sapatos — Marcela falou ao garoto, ao se deparar com ele na porta dos fundos da casa.

— Sério?

— Na sua casa, se você sujar o chão, os empregados correm para limpar. Aqui, a empregada sou eu. — Ela apertou os olhos para ele, completamente ofendido com o pedido. Marcela inclinou a cabeça levemente, para provocá-lo. — Você pode manter as meias.

Contrariado, Jonas deixou os sapatos na parte de fora da porta e seguiu Marcela pelas escadas até o quarto no sótão. Ele permaneceu em silêncio enquanto a garota explicava que não teriam muito tempo, pois as gêmeas estavam no curso de inglês e chegariam dentro de uma hora.

Jonas se jogou sobre sua cama, apoiando a cabeça no travesseiro. Ela revirou os olhos enquanto o garoto procurava por algo dentro dos bolsos da calça de linho verde musgo que vestia. Então, ele ergueu no ar um punhado de cartões milimetricamente cortados, escritos em papel amarelado.

— O que é isso? — ela questionou.

— Não vou permitir que nosso projeto paralelo afete suas notas. Ou as minhas, diga-se de passagem. Eu trouxe uns cartões com perguntas sobre a matéria do teste rápido de história que teremos amanhã.

— E você vai fazer o quiz comigo? — Marcela cruzou os braços, em uma posição de desafio.

— Vamos testar os seus vastos conhecimentos — ele piscou para ela, a ação quase imperceptível desencadeando um formigamento estranho em seu estômago. — Ouvi dizer que você é a queridinha do professor.

— Ouviu dizer de quem? — Sua voz saiu um pouco mais aguda do que o normal. A perspectiva de ser notada depois de ser alvo de Bárbara Brito ainda lhe causava um pouco de medo, mesmo que os populares tivessem voltando a agir como se ela não existisse, e como se nada tivesse acontecido.

— Do próprio professor — Jonas disse, como se fosse óbvio. — Perguntei quem ele recomendaria que fosse meu parceiro de estudos se eu estivesse pensando em melhorar as minhas notas, e qual não foi a minha surpresa ao ouvir o seu nome.

— Eu gosto da matéria — ela aquiesceu, se virando para a arara que continha suas roupas e examinando os vestidos que tinha à sua disposição.

Não eram muitos. Três modelos, exatamente.

— O que acha desse? — Marcela puxou um vestido azul escuro com gola boneca branca. O tecido era barato, mas o modelo lhe favorecia. Era cinturado, o que disfarçava sua falta de curvas, e tinha um comprimento respeitável.

— É bonito, mas datado — ele avaliou. — Por que os "sans-cullotes" eram chamados assim pelos aristocratas?

Marcela se empertigou, ofendida com a rapidez com que o garoto tinha dispensado seu vestido favorito. Ela tomou a peça em suas mãos, avaliando-a minuciosamente. Não era exatamente o modelo mais moderno, mas a moça do brechó a convencera a comprá-lo por ser atemporal.

Cinderela às avessasOnde histórias criam vida. Descubra agora