A SEMANA SEGUINTE, na escola, correu de maneira bem mais promissora. Marcela não tinha acumulado lição de casa e conseguiu acumular várias noites de sono de oito horas – resultado do cansaço acumulado de faxinas intensas para atender às exigências da madrasta.
Ao menos, os dias se passaram rapidamente, e Marcela estava diante de mais uma sexta-feira. Ingressou pelos portões com a cabeça baixa, mas com o espírito elevado. Nos fones de ouvido, sua playlist de baladas tristes tocava no último volume, e ela até arriscou um pequeno assovio. Uma batida animada em uma música liricamente depressiva sempre a deixava com vontade de cantar.
Encarando seus tênis sobre o pátio de cimento – Vans pretos que tinham sido adquiridos em um brechó por um preço inacreditável para um item tão desejado –, ela conferiu o horário na tela do celular. Daria tempo para uma rápida passada no banheiro para jogar uma água no rosto e apertar as bochechas para que ficassem mais coradas.
Mesmo que tivesse praticado todos os atos necessários à sua higiene matinal, a madrasta tinha o dom de fazer com que Marcela se sentisse sempre suja e vestida inapropriadamente. Ainda que estivesse na escola e de uniforme como todos os outros alunos. Andrea tinha feito um comentário sobre o rosto da garota, inchado pelo sono, e era apenas nisso que ela conseguia pensar.
Empurrou a porta vai-e-vem e deu de cara com a própria imagem, refletida nos espelhos iluminados do banheiro feminino. Seu reflexo sorriu sem jeito para ela. Para seu mais absoluto desgosto, Andrea estava certa. Seu rosto estava um pouco inchado e parecia pálido demais.
Ao contrário das outras garotas que podiam gastar uma hora de manhã se maquiando, Marcela estava ocupada demais sendo assistente pessoal e empregada da madrasta. Era esperado que sua aparência não fosse impecável.
Tirou um suéter azul celeste da mochila, que havia pertencido a sua mãe, e enfiou-o pela cabeça, usando-o por cima do uniforme. A cor a favorecia, deixando seu cabelo loiro menos opaco e tirando um pouco de evidência de imperfeições em sua pele. O azul, além de tudo, era próximo o suficiente do tom do uniforme do colégio para que nenhuma cabeça se virasse em sua direção quando passava.
Mal teve tempo de se congratular por encontrar a sua versão da capa da invisibilidade do Harry Potter, quando ouviu ruídos do lado de fora da porta. Algumas vozes conhecidas tagarelavam.
Em pânico, reconhecendo o timbre agudo de Antônia e Alice falando ao mesmo tempo, Marcela se enfiou no primeiro box que apareceu, erguendo os pés para que as gêmeas não reconhecessem seus sapatos.
Só então se lembrou que sua mochila, cheia de muitos reconhecíveis bottoms que tinha colecionado ao longo dos anos, tinha ficado em cima do balcão da pia.
Apertou a ponte do nariz, contendo um xingamento.
— Cruzes — a voz que Marcela identificou como sendo de Sofie Fux ecoou pelo banheiro.
— Eu sei, tá? — Bárbara acrescentou. — Isso devia estar em um museu.
Só podem estar falando da minha mochila, pensou. De fato, não era exatamente o item mais atual de prateleiras de lojas de departamento. Marcela até tinha pedido para que Andrea a comprasse uma nova, mas a madrasta disse que não via sentido em descartar uma bolsa que cumpria muito bem sua função – carregar os livros da garota– só porque não estava na última moda.
O que seria uma atitude sustentável e incorrigível, não fosse o fato de que as gêmeas trocavam de mochila todo semestre, enquanto a de Marcela se sustentava por tiras esfarrapadas que poderiam se romper a qualquer momento.
Marcela se encolheu sobre o vaso sanitário, carimbando a porta do banheiro com os tênis. Anotou mentalmente para que limpasse as marcas na superfície branca. A faxineira do colégio não tinha culpa de seu pavor em se encontrar com Antônia e Alice na escola.
Quase riu da ironia de sua situação. Estava barricada no banheiro, equilibrada sobre uma tampa de privada, porque não tinha amigos e gostaria de permanecer tão invisível quanto pudesse, fora do radar das garotas populares. Em contraste, as gêmeas e suas amigas, garotas tão cheias de admiradores, passavam quase tanto tempo no banheiro quanto ela.
— Você tem shampoo a seco com você, BB?
O som de Bárbara revirando a própria bolsa cheia de tralha invadiu o ambiente. O barulho do aerosol completou o silêncio por um instante, e Sofie falou novamente:
— Ainda está horrível.
— Para, chica — reclamou o sotaque inconfundível de Bárbara — Seu cabelo está bueníssimo.
Mesmo sem ser capaz de visualizar, Marcela sabia que Bárbara estava certa. Todas as garotas do Colégio André Ruschi, até as menos envolvidas com questões cabelo-e-maquiagem, sentiam inveja das largas ondas macias e alaranjadas de Sofie, que contrastavam poeticamente com sua pele muito branca e sem sardas. A garota era constantemente descrita como uma versão adolescente da Lana Del Rey na era Born To Die.
Uma das garotas bufou com impaciência.
— Vou ter que cortar antes do aniversário da Giorgia. Sem chance de eu aparecer lá com o cabelo nesse estado.
— Já recebeu o convite? — Maria Antônia perguntou, o desespero aparente em sua voz quase arrancando de Marcela uma gargalhada. O medo que ela tinha de não ser socialmente relevante o suficiente para ser convidada para a festa do ano era quase comparável ao seu próprio medo de ser descoberta naquele banheiro.
Giorgia Levi era uma das garotas mais populares que já tinha pisado no Colégio André Ruschi, e aquele era seu último ano na escola. Ou seja, seria sua última festa, e se esperava que fosse estrondosa.
— Ainda não — Sofie esclareceu. — Jonas disse que vai passar pessoalmente para entregar ainda hoje.
— Precisamos decidir o que vestir — comentou Bárbara. — Com antecedência.
— Total.
Ótimo, Marcela pensou. Vou ter que adicionar passar vestidos de festa na minha lista de tarefas.
— Vamos? — Maria Alice falou. Marcela checou o horário na tela do celular. Um minuto para o início da aula.
O barulho da porta se fechando me indicou que estava sozinha de novo, e ela respirou aliviada pela primeira vez desde que as meninas entraram no banheiro.
Foi por pouco.
𖥔‧₊˚ ⊹˖ ࣪ ⊹*:・゚✮
n/a: e lá seria uma releitura de cinderela sem um grande baile? quais são as teorias de vocês? o que vai acontecer nesse baile?
babes, sei que esse começo está meio parado no quesito romance, mas prometo que vai valer a pena ok? pensando direitinho, a cinderela também demora a conhecer o príncipe no conto de fadas...
o próximo capítulo contém maiores emoções. OBRIGADA pela paciência de vocês com essa ambientação! prometo que dentro de poucos capítulos vocês vão conhecer um dos personagens que eu mais amei escrever.
com amor, B
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Cinderela às avessas
Teen FictionPalácios, vestidos brilhantes e sapatinhos de cristal não fazem parte da realidade de Marcela Leone. Órfã de mãe desde bebê e de pai pela metade de sua vida, a garota foi obrigada a convencer seu coração sonhador de que não há fadas madrinhas ou prí...